A alta de juros no Euro provocará nova crise?

Há muito tempo havia na Europa uma periferia mais pobre, composta basicamente de Portugal, Espanha, sul da Itália e Grécia e um centro mais rico, composto por Alemanha, Bélgica, França Holanda e norte da Itália. Os ricos do norte resolveram ajudar a integrar os mais pobres do sul para criar novas fronteiras de investimento dentro de uma zona econômica comum. Para integrar esses países e transformá-los em consumidores de fato alguns passos foram necessários. Primeiro dar-lhes uma moeda estável, com credibilidade e juros baixos. A adesão ao EURO significou uma brutal queda na taxa de juros e inflação desses países. Daí para uma bolha de consumo e bolha imobiliária no sul foi um passo. Com a introdução da moeda única os consumidores portugueses, gregos e espanhóis foram às compras. O setor imobiliário desses países passou por forte expansão. Enquanto os espanhóis mantiveram suas contas públicas sob relativo controle, os portugueses e gregos aumentaram a dívida pública também. Na Grécia as Olimpíadas, em Portugal a Eurocopa. Tudo isso gerou muito dinamismo para a Europa como um todo, que voltou a crescer muito no período 2000-2010. Passada a euforia de renda per capita em expansão, explosão imobiliária e de infraestrutura ficaram as contas para pagar do forte endividamento público e privado. Além do endividamento dos países do sul, houve também no período inflação menor nos países do norte que acabou minando ainda mais a já baixa competividade industrial dos países do sul. Os preços nos países do sul subiram muito mais do que no norte, causando um boom de importações e grandes desequilíbrios internos.

As economias do sul entraram em estagnação e crise. Só que os governos do sul não podiam mais fazer política econômica anti-crise. Renunciaram à política cambial  e não podiam fazer política fiscal devido à dificuldade de colocação de títulos públicos no mercado. A solução do problema desses países caiu no colo do Banco Central Europeu (BCE), o único capaz de fazer política monetária e zerar as taxas de juros para tentar resgatá-los da crise de endividamento. Foi o que ocorreu em 2012 com o banco central de Mario Draghi que fez “o que era necessário”: imprimiu euros para comprar títulos públicos e privados de países do sul para evitar uma desintegração do bloco monetário. A estratégia demorou, mas funcionou. Desde então houve uma grande correção de preços e salários para baixo nos países do sul que finalmente conseguiu devolver competitividade para suas economias que passaram a ter contas externas mais positivas e aumentaram muito suas exportações de bens e serviços. A pandemia de 2020 e o conflito Rússia-Ucrânia chegaram num momento mais equilibrado para a região, mas trouxeram enormes desafios. A pandemia desestruturou cadeias produtivas mundo afora e contribuiu para colocar a inflação na zona do Euro acima de 8%. O conflito Rússia-Ucrânia pressionou muito os preços de combustíveis e grãos e ameaça agora a Europa com racionamento de gás no próximo inverno.

Dentro desse contexto de inflação quase fora de controle o BCE resolveu aumentar a taxa básica de juros da região em 0,5%, encerrando uma longa era de juros nominais negativos. Foi um aumento mais agressivo do que se imaginava nos mercados para tentar garantir que a inflação se estabilize em sua meta de 2% de médio prazo. O BCE também anunciou o “Mecanismo de Proteção de Transmissão da política monetária” cujo objetivo é garantir a transmissão suave da sua orientação de política monetária para toda a área do euro. Esse instrumento irá permitir que o BCE entre no mercado de títulos para evitar distorções em taxas de juros de longo prazo de países membros. O instrumento deve funcionar de modo parecido ao que Draghi fez a partir de 2012 para evitar altas de juros nos países mais endividados da região. Basicamente o BCE irá imprimir euros para comprar esses títulos públicos e evitar disparadas de taxas de juros. A conjuntura atual não é fácil para a região e existe chance de uma recessão no horizonte próximo. Inflação elevada, juros mais altos, possibilidade de racionamento de energia e conflito prolongado entre Rússia e Ucrânia trazem um cenário desafiador. Por outro lado, uma grande crise como a que se viu em 2012 parece menos provável. Hoje os países do sul estão mais equilibrados e menos endividados. O Banco Central europeu já desenvolveu e testou vários mecanismos para defender a unidade da zona monetária. O futuro não será fácil, mas a região parece mais preparada para enfrentar as intempéries econômicas.

 

Ideias chave:

  • A criação da zona do Euro integrou milhares de consumidores do sul da Europa em um grande mercado consumidor
  • Após a introdução da nova moeda houve boom de consumo, investimentos imobiliários e excesso de endividamento que acabou resultando numa grande crise em 2012
  • Mario Draghi fez então “o que era necessário”: imprimiu euros para comprar títulos públicos e privados de países do sul para evitar uma desintegração do bloco monetário.
  • A região se reequilibrou depois de uma dura crise que se estendeu até 2015. A pandemia de 2020 e o conflito Rússia-Ucrânia chegaram num momento mais saudavel para a região, mas trouxeram enormes desafios como sabemos.
  • A pandemia desestruturou cadeias produtivas mundo afora e contribuiu para colocar a inflação na zona do Euro acima de 8%. O BCE resolveu aumentar a taxa básica de juros em 0,5%,
  • O futuro não será fácil, mas a região parece hoje mais preparada para enfrentar as intempéries econômicas.

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