A Ásia de sucesso se especializou em produzir manufaturas para o resto do mundo

As oito principais economias asiáticas, Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura, Hong Kong, Indonésia, Malásia e Tailândia cresceram em termos per capita a uma taxa de 5,5% ao ano no período 1965-1990. Nos anos 90, mesmo com a crise de 1997, a taxa média de crescimento per capita desses países, com a exceção do Japão, se manteve alta, acima dos níveis latino-americanos. Mais recentemente, China e Vietna vêm apresentando níveis e padrões de crescimento semelhantes ao modelo asiático. A controvérsia sobre as causas do sucesso dessa experiência, especialmente para o primeiro grupo de economias, persiste até hoje. O debate gira principalmente em torno do papel da intervenção do estado nesse processo de desenvolvimento. O grupo ligado ao Banco Mundial ressalta a importância de “market friendly polices” como estratégia responsável pelos bons resultados dessas economias e assinala, de modo algo contraditório, o problema do “crony capitalism” como uma das principais causas da crise asiática de 1997. Os críticos, dentre os quais se destacam Amsden (1989), Wade (1990), Rodrik (1994) e Chang (2003), ressaltam a importância da intervenção estatal bem conduzida como fator responsável pelo sucesso asiático e localizam na liberalização financeira dos anos 90 uma das principais causas da crise de 1997.

Um dos pontos de convergência nesse debate parece se encontrar no reconhecimento da importância da criação de um dinâmico setor de bens comercializáveis não commodities para estimular o crescimento. Rodrik (1994), por exemplo, critica o que chama de postura do fetichismo exportador adotada pelo Banco Mundial no relatório de 1993, mas reconhece a importância de políticas para estimular esse setor (Rodrik 1994, pg.37) no processo de desenvolvimento asiático. O Banco Mundial também é explícito a esse respeito. No seu relatório de 1993, destaca a importância da criação de um dinâmico setor de bens comercializáveis não commodities que contribuiu para a acumulação de capital e inovações tecnológicas nesses países. Esse teria sido um dos pilares do modelo de “export-led growth” da região. Muitos governos asiáticos usaram uma política cambial competitiva para atenuar os efeitos negativos de liberalizações comerciais para produtores de bens substitutos de importação, além de políticas fiscais contracionistas. Alguns foram além, utilizando deliberadamente a relativa desvalorização do câmbio real como forma de estímulo ao setor exportador. Nesses casos, a política cambial teria se integrado com as políticas fiscal e monetária numa estratégia geral de “export- led growth”.

O relatório destaca três casos de forte intervenção governamental, especialmente em termos de políticas macro, com vistas à manutenção da competitividade externa para auxiliar o setor de bens transacionáveis não commodities. Os grandes superávits em conta corrente de Taiwan no período de 1984 a 1987 (com média de 16% do PIB e um pico de 20% em 1986) resultaram de grandes esforços do governo de Taiwan para manter a moeda desvalorizada. Uma apreciação da moeda anularia rapidamente esse resultado de conta corrente, prejudicando a estratégia de “export- led growth”. A Coréia do Sul também interveio fortemente no meio dos 80 para evitar uma apreciação expressiva do won, acumulando reservas e mantendo a competitividade externa. A desvalorização da rúpia na Indonésia em 1978 foi claramente uma medida de proteção já que seu balanço de pagamentos não apresentava problemas nesse ano como veremos adiante. A deterioração de suas contas externas em 1982 teve um impacto moderado no seu desempenho econômico devido às medidas tomadas no final dos 70 (World Bank 1993, pg.127).

Sobre os asiáticos e suas estratégias de desenvolvimento, em contraste com países da África e especialmente da América Latina, o Banco chama a atenção para o que foi um dos principais motores do aumento de produtividade dos primeiros: promoção deliberada de manufaturas para exportação. Destaca que depois de passar por uma fase de substituição de importações, esses países mudaram para a estratégia de industrialização com promoção de exportações (EPI), especialmente pela necessidade de aquisição de divisas. Na busca de mercados externos para a produção doméstica, esse grupo de países, Hong Kong, Cingapura, Coréia do Sul, Taiwan, Indonésia, Malásia, e Tailândia, teria adotado uma série de estímulos para as exportações.

O mapa abaixo mostra a evolução da complexidade das 4 principais economias emergentes do leste da Ásia. A Coreia do sul já parte de um nível de complexidade relativamente elevado nos anos 70 graças, principalmente, a sua indústria têxtil e já alguns avanços em siderurgia e máquinas, nunca foi uma economia rica em recursos naturais. Tailândia, Malásia e Indonésia seguem um padrão de sofisticação tecnológica mesmo na abundância de recursos naturais. A Tailândia se destacou na área de alimentos processados e avançou muito também na indústria automotiva e eleitor-eletronica. O mesmo se aplica para Malásia que junto com Indonésia passaram a integrar cadeias regionais importantes de eletroeletrônicos conforme discutiremos mais adiante. A evolução da complexidade desses três países é uma evidência importante da possibilidade de superação de doença holandesa para progredir na sofisticação tecnológica do tecido produtivo. São casos interessantes para análises mais aprofundadas, especialmente quando comparados aos latino americanos que não conseguiram se sofisticar: Argentina, Colômbia e Chile.

asia3

A indústria automobilística fornece um belo exemplo da capacidade que a região do leste asiático teve em se desenvolver e roubar mercados do ocidente. O processo teve início no Japão com a Toyota, depois Mitsubishi, Honda e Nissan e depois se estendeu para Coreia do Sul com o notável caso da Hyundai, e na sequência Kia, e outras. Os mapas abaixo mostram o enorme espaço que os asiáticos passaram a ocupar no mercado mundial de automóveis, roubando mercados cativos da Europa e EUA. O leste da Asia saiu de uma participação nula nesse mercado no inicioo dos anos 60 para 25% do mercado mundial em 1995. A desgraça da região metropolitana de Detroit surgiu do outro lado do planeta como triunfo da região de Ulsan na Coreia do Sul. O polo de produção automotiva e de navios criou uma transformação estrutural impressionante nessa região do país.

asia1asia2

Referencias

AMSDEN, A., H., (1989) Asia’s next Giant, South Korea and late industrialization, Oxford University Press, Oxford. AZIS, I., J., (1990) “Economic development and recent adjustment in resource-rich countries: the case of Indonesia”, in Perspectives on the Pacific Basin Economy: a comparison of Asia and Latin America, Institute of Developing Economies, Tokyo, Japan.

CHANG, H., (2003) “The East Asian development experience” in Rethinking Development Economics, Ha-Joon Chang (ed.), Anthem Press.

DOLLAR, D., (1992) “Outward-oriented Developing Economies Really Do Grow More Rapidly: Evidence from 95 LDCs, 1976-1985.” in Economic Development and Cultural Change 40: 523-44.

PALMA, G., (2005) “Gansos voadores e patos vulneráveis: a diferença da liderança do Japão e dos Estados Unidos no desenvolvimento do Sudeste Asiático e da América Latina” in O poder americano, José Luis Fiori (org.), ed. Vozes, Petrópolis, RJ.

RODRIK, D., (2004) “Growth Strategies”, John F. Kennedy School of Government, Harvard University, Draft, August.

____________, (2000) “Exchange Rate Regimes and Institutional Arrangements in the Shadow of Capital Flows”, paper presented on a conference on Central Banking and Sustainable development, held in Kuala Lumpur, Malaysia, August, 28-30, in honor of Tun Ismail Mohamed Ali.

____________, (1994) “King Kong meets Godzilla: the World Bank and The East Asian Miracle” in Miracle or Design? Lessons from the East Asian experience, Albert Fishlow, Catherine Gwin, Stephan Haggard, Dani Rodrik e Robert Wade (eds.).

WADE, R., (1990) Governing the market, economic theory and the role of government in East Asian industrialization, Princeton University Press, Princeton.

WORLD BANK (1993) The East Asian Miracle, economic growth and public policy, Oxford University Press, NY.

Mapas de exportação para 2013

IndonesiaCoreiaMalasiatailand

Ver Construindo complexidade

***paper: https://www.researchgate.net/publication/270456031_Different_Impacts_of_Scientific_and_Technological_Knowledge_on_Economic_Growth_Contrasting_Science_and_Technology_Policy_in_East_Asia_and_Latin_America

9 thoughts on “A Ásia de sucesso se especializou em produzir manufaturas para o resto do mundo”

  1. Muito bom esse texto, parabéns.

    Gostaria de saber o que pensa disso que o professor Martins fala nesse vídeo.
    Eu acho que ele tem certa razão.
    Se formos olhar a alta produtividade, ou seja, quantidade de mercadorias produzidas num determinado tempo, Há hoje 2 hubs no mundo: O Americano (EUA-Canadá), Asiático (Japão-Coreia do Sul), Europeu (Alemanha-Holanda-Bélgica-Suíça-Escandinávia)
    Os restante, América Latina, China e Sul-Leste da Europa e Mar Mediterrâneo, são apenas economias complementares. Mesmo se a produção bruta for maior, como é o caso da China, a produtividade é muito menor do que as dos três hubs.

    Os EUA, por conta da competição com Alemanha e Japão, depende mais do que nunca da América Latina (mão-de-obra, matérias-primas, até mesmo soldados – latinos que se alistam no exército dos EUA ganham green card). Por isso o congresso já corou as asas do Trump nessa bobagem de muro com o México. Não são loucos. Precisam dos braceros mexicanos. Precisam do petróleo brasileiro e venezuelano (por isso logo, logo atacarão a Venezuela se o Maduro não for deposto). Além disso, cortaram as asas da Odebrecht quando esta empresa tentou começar a concorrer com as norte americanas no ramo de armamentos.

    De qualquer forma, aqui está o vídeo, gostaria de tua opinião. Obrigado
    https://youtu.be/6al3boBF4Lg?t=12m21s

  2. A forma da implantação da Zona Franca de Manaus favoreceu a estagnação, pois enquanto as zonas francas eram implantadas visando a exportação, a de Manaus se tornou um artificial corredor de importados que inviabilizou a industrialização fora dela. O pós guerra ensejou melhora nas condições de vida nos EUA e Europa. No Brasil os efeitos não foram sentidos na mesma dimensão, o país não foi governado com seriedade. No livro A queda do ocidente? Kishore Mahbubani, da Universidade de Singapura, diz que o ingresso da China na OMC em 2001 representou a entrada de quase um milhão de trabalhadores no sistema comercial global. , e que as elites não se deram conta desse processo transformador da Ásia.

  3. Excelente texto!
    Muito oportuno o exemplo da indústria automotiva, se não fosse o mal explicado fim (sabotagens) da FNM, Gurgel, Troller e alguns outros, uma fatia desse pizza seria brasileira gerando muitos empregos em pesquisa e desenvolvimento nos diversos segmentos, metal mecânica, polímeros, eletrônico, etc… necessários à indústria automotiva. Elevando o nível de complexidade e fortalecendo a nossa economia.

Deixe uma resposta