A competição imperfeita no mundo dificulta a subida da escada tecnológica para o Brasil

 

*escrito com Luiz Antonio Rodrigues e Andre Roncaglia da UNIFESP

Para os autores clássicos do desenvolvimento econômico as atividades produtivas são diferentes em termos de suas habilidades para gerar crescimento e desenvolvimento. Atividades com altos retornos crescentes de escala, alta incidência de inovações tecnológicas e altas sinergias decorrentes de divisão do trabalho dentro das empresas e entre empresas são fortemente indutoras de desenvolvimento econômico (Reinert 2009). São atividades onde em geral predominam competição imperfeita e todas as características desse tipo de estrutura de mercado (importantes curvas de aprendizagem, rápido progresso técnico, alto conteúdo de R&D, grandes possibilidades de economias de escala e escopo, alta concentração industrial, grandes barreiras à entrada, diferenciação por marcas, etc). Esse grupo de atividades de alto valor agregado se contrapõe às atividades de baixo valor agregado, em geral praticadas em países pobres ou de renda média com típica estrutura de baixa sofisticação tecnológica (baixo conteúdo de R&D, baixa inovação tecnológica, ausência de curvas de aprendizado e possibilidades de divisão do trabalho (Reinert e Katel 2010). Para esses economistas o aumento de produtividade de uma economia viria justamente da subida da escada tecnológica, migrando de atividades de baixa qualidade para as atividades de alta qualidade, rumo à sofisticação tecnológica do tecido produtivo  (Bresser-pereira 2014). Para isso a construção de um sistema industrial complexo e diversificado é fundamental, sujeito a retornos crescentes de escala, altas sinergias e linkages entre atividades (Reinert 2010). A especialização em agricultura e extrativismos não permitiria esse tipo de evolução tecnológica.

Como medir empiricamente essas proposições dos economistas clássicos do desenvolvimento? Idealmente se poderia estudar os participantes e as estruturas dos mercados dos principais produtos do mundo revelados no comércio mundial. Se a proposição dos clássicos do desenvolvimento estiver correta, deveríamos encontrar países de renda per capita mais elevada se especializando na produção de bens manufaturados em mercados mais concentrados e países pobres se especializando em atividades mais ligadas a produção de commodities. Hausmann et al (2011) usam técnicas de computação, redes e complexidade para criar um método capaz de medir a sofisticação produtiva ou “complexidade econômica” de países com extraordinária simplicidade. A partir da análise da pauta exportadora de um determinado país, são capazes de medir de forma indireta a sofisticação tecnológica de seu tecido produtivo. A metodologia criada para a construção dos índices de complexidade econômica culminou num Atlas (http://atlas.media.mit.edu) que reúne extenso material sobre uma infinidade de produtos e países desde 1963. Os dois conceitos básicos para se medir se um país é complexo economicamente são a ubiquidade e diversidade de produtos encontrados na sua pauta exportadora. Se uma determinada economia é capaz de produzir bens não ubíquos, raros e complexos, há indicação de que tem um sofisticado tecido produtivo. Os bens não ubíquos devem ser divididos entre aqueles que têm alto conteúdo tecnológico e, portanto, são de difícil produção (aviões, por exemplo) e aqueles que são altamente escassos na natureza, por exemplo, diamantes, e, portanto, tem uma não ubiquidade natural.

Para controlar esse problema dos recursos naturais escassos na medição de complexidade, os autores do Atlas usam uma técnica engenhosa: comparam a ubiquidade do produto feito num determinado país com a diversidade de exportação de países que também exportam esse produto. Por exemplo: Botsuana e Serra Leoa produzem e exportam algo raro e, portanto, não ubíquo: diamantes brutos. Por outro lado têm uma pauta exportadora extremamente limitada e não diversificada. Temos aqui então casos de não ubiquidade sem complexidade. Por outro lado, poderíamos citar equipamentos médicos de processamento de imagem (raio-X), algo que praticamente só países ricos conseguem fabricar, certamente um produto não ubíquo. Só que nesse caso a pauta exportadora de Japão, EUA e Alemanha são extremamente diversificadas, indicando que esses países são altamente capazes de fazer várias coisas. Ou seja, não ubiquidade com diversidade significa “complexidade econômica”. Um país que tenha uma pauta muito diversificada mas em bens ubíquos (peixes, tecidos, carnes, minérios, etc…) não apresenta grande complexidade econômica; faz o que todos fazem. Dessa forma, diversidade sem não ubiquidade significa falta de complexidade econômica. O mesmo raciocínio se aplica par aferiacao da complexidade dos produtos. Aqueles produzidos por poucos países com pautas de exportacao diversificadas são considerados produtos complexos. Produtos feitos por muitos países com pautas de exportação não diversificadas são considerados de baixa complexidade.

O grafico acima mostra 4898 produtos do comercio mundial usando o sistema de rubricas HS de 6 digitos produzidos e exportados por 236 paises (https://www.foreign-trade.com/reference/hscode.htm). As contas para renda per capita foram feitas usando pib p/c ppp constantes de 2017. Replicamos a metodologia de Felipe (2012). Cada ponto e’ um produto do comercio mundial com a media ponderada da renda per capita dos países que exportam esse produto durante o período 1995-2017 no eixo X. No eixo Y temos a complexidade do produto. O gráfico mostra que há um claro padrão de produtos associados a renda per capita elevada. Pode ser lido como uma versão da escada tecnológica que países precisam subir em termos de complexidade do sistema produtivo. no grafico abaixo dividimos os produtos da rubrica HS6 digitos em 3 grupos seguindo um padrão tecnológico relativamente arbitrário para facilitar a exploração dos dados

 

Commodities (vermelho)

01-05 Animal & Animal Products, 193 produtos

06-15 Vegetable Products, 310 produtos

16-24 Foodstuffs, 177 produtos

25-27 Mineral products, 146 produtos

 

Manufaturas low-tech (preto)

39-40 Plastics / Rubbers, 189 produtos

41-43 Raw Hides, Skins, Leather, & Furs, 63 produtos

44-49 Wood & Wood Products, 222 produtos

50-63 Textiles, 805 produtos

64-67 Footwear / Headgear, 55 produtos

68-71 Stone / Glass, 183 produtos

72-83 Metals, 547 produtos

90-97 Miscellaneous, 379 produtos

 

Manufaturas médium/high-tech (azul)

84-85 Machinery / Electrical, 759 produtos

86-89 Transportation, 131 produtos

28-38 Quimicos, 739 produtos

 

Na literatura tradicional de organicazao industrial entede-se por concentração uma situação em que firmas ocupam uma parcela relevante de um mercado. Aqui usamos essa ideia de forma analoga para participação de países nos mercados mundiais. O mais tradicional índice da literatura CRn mede a parcela dominada pelas n maiores firmas do mercado. Um mercado com CR4 = 90, por exemplo, nos diz que as quatro maiores firmas dominam 90% do mercado. Aqui usamos o mesmo conceito para medir concentração de mercados mundiais em termos de países. Calculamos a concentração de países para cada mercado dos 4898 produtos de nossa base usando uma media de 1995 ate 2017: um CR4 medio para o mercado de cada produto nesse período. Plotamos esse resultado no gráfico abaixo numa comparação com a complexidade de cada produto (figura 6). A nuvem exibe quadrantes compostos por nível de complexidade e concentracao dos produtos. Nossos resultados mostram que o quadrante com CR4 maior do que 50% e PCI maior do que zero tem 40% dos produtos do comercio mundial. São mercados concentrados e complexos. Nos gráficos abaixo mostramos todos os produtos de nossa amostra: commodities; manufaturas low-tech; manufatura médium/high-tech

Em certa medida os resultados do estudo de mercados e países aqui apresentados com base em análises de complexidade e níveis de renda per capita eram esperados; a investigação empírica do Atlas da Complexidade já apontava nessa direção. O Atlas faz regressões de renda per capita e complexidade de países, usando as tradicionais variáveis de controle da literatura sobre o tema. Aqui seguimos a via de detectar concentrações de mercado e competição imperfeita na rede de comércio mundial. A novidade deste trabalho está em analisar especificamente o mercado de cada produto em termos de concentração e países dominantes na rede de comércio global. Com medidas de concentração baseadas em número de participantes em cada um dos mercados globais pudemos identificar a predominância ou não de países desenvolvidos e pobres na rede de comércio mundial. A concentração do comércio mundial de produtos industrializados high-tech nas mãos de países ricos é uma evidencia importante para a hipótese estruturalista da diferente configuração produtiva do centro e da periferia. Os resultados parecem bastante promissores no sentido de mostrar novo conteúdo empírico importante para antigas ideias em economia.

Produtos do Brasil em vermelho, Alemanha em azul

Exemplos

 

Referências

Arthur, W., B. (2015), Complexity and the Economy, Oxford University press, New York.

Barabasi A.L., (2016) Network Science, http://barabasi.com/networksciencebook/

Deguchi, T., Takahashi, K., Takayasu, H., Takayasu M. (2014) “Hubs and Authorities in the World Trade Network Using a Weighted HITS Algorithm”, PLOS ONE 9(7): e100338. doi:10.1371/journal.pone.0100338

Felipe, J., Kumar, U., Abdon, A., Bacate, M. (2012), “Product complexity and Economic Development”, in Structural Change and Economic Dynamics, June

Fagiolo. G., Reyes,J., Schiavo. S., (2008) “The Evolution of the World Trade Web. A Weighted-Network Analysis”, Journal of Evolutionary Economics August, Volume 20, Issue 4, pp 479-514

Foster, J., (2005) “From simplistic to complex systems in economics”, Cambridge Journal of Economics 29, 873–892, doi:10.1093/cje/bei083

Hausmann, R.; Hidalgo, C.A.; Bustos, S.; Coscia, M.; Chung, S.; Jimenez, J.; Simões, A.; Yildirim, M. A. (2011) The Atlas of Economics Complexity – Mapping Paths to prosperity. Puritan Press

Hidalgo, C. (2015) Why information grows: the evolution of order, from Atoms to Economies, ed. Basic Books, NY

Hartmann, D., Guevara, M.R., Jara-Figueroa, C., Aristarán, M. Hidalgo, C.(2015), “Linking economic complexity, institutions and income inequality”, arXiv:1505.07907 [q-fin.EC]

Hidalgo, C; Hausmann, R. (2011) “The network structure of economic output”, Journal of Economic Growth, 16(4), pp. 309-42

Hidalgo, C. A., Klinger, B, Barabasi, A., L., and Hausmann, R., (2007) “The product space conditions the development of nations”, Science 27 july: 317 (5837), 482-487. Doi:10.1126/science.1144581

Johnson, N., F., (2007), Simply Complexity, a clear guide to complexity theory, Oneworld publications, Oxford

Kaldor, N., (1966) “Causes of the slow rate of economic growth of the United Kingdom”, in: Further Essays On Economic Theory, New York, Holmes & Meier Publisher.

Kattel, R. and Reinert, E., (2009) “The relevance of Ragnar Nurkse and classical development economics,” The other canon foundation and Tallinn university of technology working papers in technology governance and economic dynamics n21

Kattel, R. and Reinert, E., (2010) “Modernizing Russia: round iii. Russia and the other bric countries: forging ahead, catching up or falling behind?”, The Other Canon foundation and Tallinn university of technology working papers in technology governance and economic dynamics n32

Lall, S, Weiss, J., and Zhang, ., (2005) “The ‘sophistication’ of exports: a new measure of product characteristics”, ADB Institute Discussion Paper No. 23

Newman, M.E.J., (2010) Networks, an introduction, Santa Fe Institute, Oxford University Press

Oladi, R., and Gilbert, J. (2012) “Buyer and Seller Concentration in Global Commodity Markets”, DOI: 10.1111/j.1467-9361.2012.00667.x, Review of Development Economics, Volume 16, Issue 2, pages 359–367, May 2012

Reinert, E. (2008) How rich countries got rich and why poor countries stay poor, Ed. Public Affairs

Reinert, E., (2010) “Developmentalism,” The other canon foundation and Tallinn University of technology working papers in technology governance and economic dynamics n34

Reinert, S. (2011), Translating Empire, Emulation and the Origins of political economy, Harvard University Press

Rocha, I., L. (2015), “Essays on Economic Growth and Industrial Development: A comparative analysis between Brazil and South Korea”, PhD Thesis, University of Cambridge.

Rosvall, M. and Bergstrom, C. (2008) “Maps of random walks on complex networks reveal community structure,” Proceedings of the National Academy of Sciences 105, 1118

Schteingart, D. (2014) “Estructura productivo-tecnológica, inserción internacional y desarrollo”, Tesis de Maestría en sociología económica, Idaes-Unsam, Buenos Aires

Serrano, A. and Boguñá, M. (2003) “Topology of the world trade web”, Physical Review E 68, 015101(R), July

Sinha, S., Chatterjee, A., Chakraborti, A., Bikas K. (2010) Econophysics: An Introduction, 1st Edition, Wiley-VCH

Deixe uma resposta