*escrito por Henrique Alvarez
O A-Darter é um míssil ar-ar infravermelho de curto alcance para autodefesa de 5ª geração. Foi desenvolvido a partir de uma parceria do Brasil com a Armaments Corporation Of South Africa – ARMSCOR LTD, estatal da África do Sul, firmada em 2006, prevendo transferência de tecnologia. Por ser de 5ª geração, a mais avançada de sua categoria, o A-Darter seria muito mais sofisticado e custoso que os MAA-1B, também nacional, sendo um armamento para emprego nos vetores mais sofisticados da Força Aérea, como os caças Gripen. Para o desenvolvimento de um armamento tão sofisticado, foram necessárias a parceria de diversas empresas brasileiras, como a Mectron, a Opto Tecnologia Optrônica LTDA, a Avibrás, além de agências de fomento como a FINEP. O custo total do desenvolvimento por parte do Brasil consumiu cerca de US$ 77 milhões por parte do setor público, valor que foi reajustado algumas vezes devido a atrasos. O desenvolvimento do míssil foi concluído em 2019, quando foi emitido o certificado de tipo tanto pelo IFI (Autoridade Certificadora Brasileira), quanto pelo DSI (Autoridade Certificadora Sul Africana). Entretanto, no ano seguinte, a FAB cancelou o início da produção em série do míssil, optando pela importação do IRIS-T, de origem alemã, para equipar os Gripen.
A desistência da FAB em adquirir o A-Darter causa estranheza, pois o míssil já estava com seu estágio de desenvolvimento completo e certificado, pronto para a industrialização, além de ter consumido quantias relevantes de recursos humanos e financeiros do Estado. A FAB, no entanto, não divulga maiores informações sobre as motivações que a levaram a não adquirir os A-Darter de produção nacional. É possível supor que a provável motivação seja a seguinte: com o desmonte da Mectron, que pertencia ao grupo Odebrecht, a industrialização do A-Darter atrasaria até que se definisse um novo fabricante nacional. Os caças Gripen, no entanto, já estão sendo entregues e, portanto, era preciso uma solução mais rápida para a integração de armamentos a esse vetor. Caso seja esse o motivo, esbarramos em um problema comum em nossa defesa. Embora o procedimento faça sentido do ponto de vista operacional, do ponto de vista estratégico representa o emprego de recursos escassos, que poderiam ser direcionados para uma solução nacional, em uma solução estrangeira, em momento em que não existe emergência. Se estivéssemos sob a eminência de um conflito, seria compreensível que o operacional fosse privilegiado. Mas em tempos de paz, os recursos disponíveis devem priorizar a indústria nacional e o desenvolvimento de novas tecnologias. Outro fator importante de ser analisado é a crise na Denel Dynamics, empresa da África do sul contratada pela ARMSCOR, responsável pelos componentes mais sensíveis do míssil. A Denel registrou diversos atrasos na produção dos primeiros protótipos e fez com que a ARMSCOR procurasse novos parceiros para continuar a produção dos mísseis. Somasse a isso o fato de a África do Sul ter vivido crises econômicas e políticas em períodos semelhantes ao Brasil, o que levou a cortes sucessivos na área de ambas as partes.
O Brasil, a partir de 2016, também deixou de priorizar a relação com países periféricos do sul global. É importante avaliar se o atual momento, com o governo Lula III, essas parcerias costuradas no passado possam voltar a ser prioridade. No dia 10 de fevereiro de 2023, o presidente anunciou intenção de visitar países africanos, entre eles a África do Sul. Sendo assim, parcerias na área de tecnologia e defesa podem voltar a contar com investimentos dos dois lados. Além de armar os novos caças Gripen, o A-Darter poderia, a exemplo de projetos estrangeiros, ser adaptado para o uso em baterias antiaéreas, um dos grandes pontos fracos de nossa defesa, que até hoje não conta com mísseis de médio alcance. A produção nacional desse tipo de armamento é extremamente relevante, dada a restrição de oferta de produtos estrangeiros. Um exemplo é que um dos poucos mísseis que contamos em nossos estoques, o Igla-S, de curto alcance, é de fabricação russa, o que torna muito difícil a reposição de novas unidades, dado todo o contexto de conflito com a Ucrânia. Alguns países como Israel, adaptaram mísseis ar-ar para uso em terra, como no caso do sistema antiaéreo de médio alcance Spyder, que adapta os mísseis ar-ar Phyton 5 e Derby. Além disso, nos últimos anos, não foi apenas o programa A-Darter a ser suspenso. Outro exemplo é o MAR-1 um míssil ar-superfície, antirradiação, de médio alcance. Com seu desenvolvimento iniciado em 1998, pela Mectron, esse míssil tem a função tática de destruir radares e sensores inimigos. Apesar de ser um programa avançado, com contrato, inclusive, para exportação ao Paquistão, o míssil teve seu desenvolvimento suspenso em 2019. O programa enfrentava dificuldades pela dependência de importação de componentes, que foram negados pelos EUA, assim como pelo desmonte da Mectron, sua desenvolvedora. Embora a Mectron, tenha sido desmontada e partes de seus projetos vendidos para empresas de capital estrangeiro, o Brasil ainda conta com a propriedade intelectual desses mísseis e teria a capacidade de industrializá-los. Resta saber o porquê da preferência por produtos estrangeiros, quando necessitamos tanto aumentar a capacidade de nossa indústria de defesa.
Uma empresa que está sendo desmontada não teria como rapidamente pagar propina para os envolvidos na compra.
O caso exemplifica o que parece ser a nova diretriz estratégica hegemônica da defesa: privilegiar o estoque de material de curto prazo em detrimento da obtenção de uma maior autonomia tecnológica no curto e médio prazo. Deve-se notar que essa é uma inversão da estratégia que proporcionou o bem sucedido desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira.