Num instigante trabalho que conecta complexidade, instituições e desigualdade Dominik Hartman, Cesar Hidalgo et el conseguem demonstrar de maneira robusta que países mais complexos apresentam níveis de desigualdade menores medidos por coeficientes gini. Os autores constroem uma criativa metodologia de índice gini ajustado por complexidade do tecido produtivo e chegam a resultados impressionantes em termos de correlações entre o que se produz e quão desigual, internamente, é um país. Como destacado no mapa acima, por exemplo, todos países produtores de cobre no mundo são mais desiguais (guardadas as devidas questões idiossincráticas) do que todos países produtores de máquinas e peças necessárias para a produção de papel. A comparação que os autores fazem entre Chile e Malásia é bem ilustrativa. Chile com renda per capita PPP de 21,044U$ e escolaridade média de 9,8 anos, com Gini de 0,49 e posição 72 (ruim) no ranking de complexidade em 2012. Malásia com renda per capita próxima de 22.314U$ PPP, 9,5 anos de escolaridade média, Gini de 0,39 e posição de 24 no ranking de complexidade econômica, patamar bem melhor do que o chileno.
O mapa abaixo apresenta as desigualdades de renda atreladas aos tipos de produtos comercializados no mercado mundial seguindo esse raciocínio de gini ajustado por produto. Por exemplo os países produtores de petróleo tem os maiores ginis do mundo e representam os países mais desiguais de toda a amostra. Os países produtores de máquinas e equipamentos, no centro da mapa, apresentam os menores ginis do Globo. De modo geral o que esses dados mostram é que a complexidade caminha de mãos dadas com a redução de desigualdade. Nas comparações entre países os saltos no sentido de aumento de complexidade resultam em reduções de desigualdade ao longo do tempo.
Claro que esse processo não é linear e o caminho para a evolução da complexidade pode ser bastante tortuoso. Inclusive do ponto de vista regional, um aumento de complexidade e produtividade resulta sempre em aumento de desigualdade num primeiro momento. A região que passa por aumento de complexidade apresenta enorme salto de renda em relacao as regiões ou cidade que não passaram por esse processo. A desigualdade de renda dentro dos centros complexos diminui muito conforme mostram os dados de Hidalgo e também um recente trabalho de Hausmann com análises detalhadas para municípios e estados no Mexico.
Nas comparações entre as regiões complexas e não complexas a desigualdade explode, o que está de acordo com as dinâmicas geográficas e regionais de retornos crescentes e redes produtivas discutida anteriormente. Ou seja o aumento de complexidade dentro de uma região causa redução de desigualdade interna mas aumento a desigualdade externa na comparação com outras regiões. Alguns exemplo clássicos aqui são norte e sul da Itália, região da nova Inglaterra nos EUA e a cidade e o estado de São Paulo no Brasil.
Da ótica dos trabalhadores e empresas, o aumento de produtividade e complexidade permite aumentos relevantes e sustentados de salários reais; sem populismos que levam a descontroles fiscais e no balanço de pagamentos. O caminho da distribuição de renda deve ser conjunto com o do aumento de produtividade criando um ciclo virtuoso de aumento de produção e repartição dos ganhos produtivos; uma rede ou sistema onde as inovações e ganhos de eficiência promovem os ganhos de produtividade que bem distribuídos promovem novas ondas de ganhos de produtividade e complexidade, num ambiente geral de criação de riquezas.
Os arranjos produtivos criativos, inovadores e complexos podem favorecer o avanço de produtividade e vice versa. Ou seja, a redução da desigualdade pode funcionar como motor da inovação e ganhos de produtividade com “trabalho e capital” alinhados na mesma direção. Exemplo interessantes desse alinhamento podem ser encontrados nas relações trabalhistas na Alemanha, Japão, países nórdicos e norte de Espanha. O que importa aqui é atingir ganhos de produtividade e inovações que possam ser distribuídas de forma justa e sustentada. Não dá para se distribuir o que não se produz ou não distribuir nada de tudo que foi produzido. A desigualdade de oportunidades produtivas significa enorme obstáculo à esse progresso: significa falta de acesso às possibilidades de produzir e aqui o estado tem papel fundamental para tentar contribuir na construção e nas possibilidades de acesso a essas redes produtivas que contribuem para o avanço da complexidade das cidades, regiões e países.
O aumento da complexidade permite um desenvolvimento mais inclusivo da economia, contribuindo para criação de circuitos virtuosos de desenvolvimento cultural, social e tecnológico que se retroalimentam para formar uma rede produtiva mais sustentável. Uma vez que os ganhos de produtividade sejam distribuídos entre os elementos da rede, cria-se o ambiente propício para o desenvolvimento comum aonde as inovações e ganhos de eficiência, o desenvolvimento cultural, social e tecnológico promovem os ganhos de produtividade que, por sua vez, se bem redistribuídos, promovem novas ondas de ganhos de produtividade, mais diversidade e complexidade, num ambiente geral de criação de riquezas aliado ao desenvolvimento humano e da qualidade de vida.
ver paper de Dominik Hartman, Cesar Hidalgo, et al aqui
Construindo complexidade: uma nova maneira de encarar o processo de desenvolvimento econômico
Impactos da complexidade econômica na desigualdade social: América Latina e Ásia dinâmica
Paulo, você cita o trabalho de Hausmann a respeito da relação entre complexidade tecnológica e desigualdade de renda em cidades e estados mexicanos, mas há algum trabalho do tipo a respeito dos estados ou regiões do Brasil?
Não! Estão fazendo agora para Colômbia. Mas seria muito bom ter um desses para o Brasil
Na verdade existe. Está no site DataViva.info. Esse site foi lançado em 2013, em um projeto entre o governo de minas e o Macroconnections, grupo de pesquisa do Hidalgo.
O dataviva conheço sim, muito bom! Mas resta conectar essa análise com desigualdade. Daria um trabalho ótimo!
“e aqui o estado tem papel fundamental para tentar contribuir na construção e nas possibilidades de acesso a essas redes produtivas que contribuem para o avanço da complexidade das cidades, regiões e países.”
Na verdade o estado deveria é parar de impossibilitar a produção
Certamente, mas em se tratando de investimento em inovação é o estado que aporta o recurso financeiro para as empresas numa proporção de 60 para 40. As empresas recebem $$ do Estado para se capacitar há anos… entretanto ainda engatinhamos e a cada os indicadores de inovação são piores…onde estaria o furo??
DADOS INOVAÇÃO: Brasil FONTE MCTI
INVESTIMENTO $$$ (GOVERNO/EMPRESAS)
16,6 BILHÕES EM 2000
39,7 BILHÕES EM 2013
1,24% do PIB em 2013
Outros países:
COREIA: 4,15%
JAPÃO: 3,47
EUA: 2,73% (51% DEFESA)
CHINA: 2,08%
ALEMANHA: 2,85%
PERCENTUAIS $$$ EMPRESA E GOVERNO BRASIL
EMPRESAS: 40%
GOVERNO: 58%
Na minha humilde opinião. Considerando que empresas nada mais são do que, pessoas, deveríamos observar a satisfação dos que estão a frente das mesmas, satisfação na vida no Brasil, tendo em vista a insegurança, péssimos serviços públicos, ruas feias, trânsito caótico, burocracia. Muitas vezes é a soma de insatisfações que levam à ‘fuga de mentes brilhantes’ do país, e mesmo que uma empresa receba um aporte voltado à inovação, para um prazo de 10 anos, por exemplo, nesse meio tempo, vários profissionais poderão entrar e sair do projeto, talvez falte um tempero a mais, não vou nem falar em patriotismo, amor ao que faz, pois isso eu acho que essas pessoas tem, mas tudo tem limites, principalmente quando se pensa nos seus descendentes. Mas isso é apenas suposição. Às vezes, projetos e pesquisas são abandonadas, ou “concluídas” pela metade, pois os protagonistas desanimaram do país mesmo. Talvez isso, os números não nos mostram.
Falta o reconhecimento do público esforço do MCTI e a conscientização de esse recurso não é “give away” irresponsável, esse recurso é aquele que precisa dar resultados, essas empresas precisam se comprometer com sucesso, precisam fazer avaliações conjuntas e setoriais dos seus resultados e precisam prestar contas, tanto quanto o Estado, do resultado desses esforços.
O episódio do gov. Dilma – I quando teve queda de juro, de impostos, de carga previdenciária, queda da energia elétrica, investimento em capacitação e a FIESP embolsou quieta o benefício, ficou ausente enquanto a Globo fazia campanha pelo juro alto, ficou omissa diante dos impasses nas concessões foi vergonhoso, revela uma mentalidade oportunista incompatível com o grau de colaboração e organização que uma sociedade sofisticada exige.
Oxalá a nova leva de empresas tenha outra mentalidade.
Essas coisas vem todas juntas.
Investimento do BNDES sem retorno agora é populismo
Mas se tivesse frutificado, sido bem aproveitado, sido feito com análise setorial, teria aumentado a complexidade da cadeia produtiva, do entorno da empresa investida.
Olhar para a variável sozinha e raciocinar “complexidade = renda” é simplismo, vamos dar com os burros n`água de novo.
O que se fez até hoje com incentivos governamentais não precisa ser jogado no lixo, precisa é ser revisado, refeito e bem feito.
Eu sei que o Cesar Hidalgo é sensacional. Mas o paper não é Hidalgo et al. Ele é o último autor e a ordem não é alfabética….Acho que vale a pena corrigir (não é minha área e não vou tecer comentários sobre o conteúdo, mas vou dar uma lida com calma, pq parece interessante).
Eu fico pensando aqui com os meus botões. Existe um mercado para os bens não complexos dos países do sul. Sim, existe, é o mercado externo, onde a oferta é dada pelos países do sul e a demanda é dada pelos países do norte. Ora, então, como corolário deste raciocínio, tem-se que a complexidade dos países do norte condiciona a não complexidade dos países do sul. Pensar que os países do sul estão livres para optar pelo tipo de desenvolvimento e complexidade que melhor lhes aprás seria como adiionar um pouco de ingenuidade à conjuntura econômica destes países. A sociedade global é dividida em classes, e algumas classes estão muito bem com a atual conjuntura e não tem o mínimo interesse em que a mesma seja reestruturada. É necessário avançar teoricamente da economia para a economia política, pois caso contrário poderá se entender que os países do sul são os seus próprios algozes.
exato!