A dialética da música

*texto de Gabriel Galipolo

A música de Beethoven é imanente como a filosofia, engendrando-se a si mesma (sich selbst hervorbringend). Também Hegel não possui nenhum conceito exterior à filosofia e é, frente ao contínuo heterogêneo (dem heterogenen Kontinuum), em certo sentido desprovido de conceito (begriffslos), ou seja, seus conceitos são explicados, como os musicais, apenas a partir de si mesmos. Isto deve ser desenvolvido exatamente e conduz ao núcleo da questão. O sujeito-objeto hegeliano é sujeito. Isto explica a contradição não resolvida, segundo a própria exigência de Hegel por rigor ilimitado, de que a dialética entre sujeito e objeto, despida de todo conceito abstrato supra-ordenado, constitua o todo e, por sua vez, se preencha como a vida do espírito absoluto. A quintessência do condicionado seria assim o incondicionado. Daí origina-se, não por último, o suspenso (das Schwebende), aquilo que se mantém flutuante no ar da filosofia hegeliana, seu escândalo permanente: o nome do conceito supremamente especulativo, justamente o de Absoluto, daquilo que seja pura e simplesmente descolado de tudo o mais, é literalmente o nome daquilo que é suspenso. Afinal de contas, o que é a tonalidade? Uma tentativa de submeter a música a uma lógica discursiva, a uma espécie de conceitualidade genérica. E isso de modo tal que as relações entre acordes idênticos deva significar sempre o mesmo para ela. Trata-se de uma lógica das expressões ocasionais. Toda a história da música mais recente é a tentativa de ‘preencher’ essa lógica musical extensiva: Beethoven [foi] aquele, no entanto, que desenvolveu seu próprio conteúdo a partir dela mesma, todo sentido musical a partir da tonalidade. (beethoven p.114)

Na verdade, as grandes formas legadas da música cunham essa dialética em si e deixam ao sujeito certo espaço aberto de atuação (…) O esquema da sonata contém partes que já são dispostas ao sujeito – as propriamente temáticas e de desenvolvimento –; nas quais ele pode imprimir o particular, e outras, nas quais as convenções, segundo o sentido do próprio esquema, faz emergir o universal, como, por exemplo, a morte na tragédia ou o casamento na comédia (…) A dialética entre sujeito e objeto na música surge na relação daqueles momentos esquemáticos da forma. Para satisfazer o esquema, o compositor deve preencher aquele espaço destinado à invenção justamente de forma não esquemática. Ele deve conceber os temas de tal maneira que eles não entrem em contradição com os elementos formais pré-estabelecidos (…) E, inversamente – e isto é um feito próprio a Beethoven, que vai além de Mozart na história da forma –, ele tem de tratar os espaços pré-estabelecidos, ‘de confirmação’, de tal maneira que eles percam o momento de exterioridade, o momento convencional, reificado, estranho ao sujeito (…), sem perder sua objetividade, de forma que eles sejam produzidos mais uma vez a partir do sujeito (o giro copernicano de Beethoven) (Adorno)

Este estado de coisas poderia finalmente explicar por que Beethoven, o subjetivista, deixou o esquema da sonata como tal intacto. A relação particular do sistema beethoveniano com o hegeliano reside no fato de que a unidade do todo deve ser compreendida apenas como uma unidade mediatizada. (…) A forma beethoveniana é um todo integral, no qual cada momento particular só se determina a partir de sua função no todo, apenas na medida em que esses momentos particulares se contradizem e suprassumem no todo. A palavra atonalidade surgiu como um termo pejorativo para condenar a música na qual os acordes eram organizados aparentemente sem coerência. Na Alemanha nazista, a música atonal foi atacada como “bolchevique” e rotulada como degenerada (Entartete Musik).

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