Uma das atividades que mais se expandiu no país dos últimos dez anos foi o varejo de shopping center, uma verdadeira paixão nacional, de preferência com dívida. Dúzias e duzias de shoppings foram abertos com suas respectivas n lojas em várias categorias (moda, eletrodomésticos, móveis, brinquedos, restaurantes, cabelereiros). O consumo cresceu, o PIB aumentou e as dívidas também. Vamos agora dissecar o que ocorreu do ponto de vista macro: da ótica da oferta agregada o grosso do PIB gerado nos shopping centers do país foi de serviços não sofisticados: lojistas, garçons e cabelereiros. Empregos de baixa qualificação e baixa produtividade. Os produtos vendidos foram todos fabricados na Ásia, principalmente China, causando grande déficit na balança comercial graças a sobrevalorização cambial. Da ótica da demanda o PIB cresceu então a partir de um boom de consumo. Da ótica da oferta cresceu com a expansão de serviços de varejo não sofisticados, tudo isso financiado por crédito e elevados preços de commodities. Obviamente que essa combinação não leva ninguém a lugar nenhum: mais shoppings e mais dívidas, sem aumento de produtividade. Uma economia do shopping center não inova por definição. Projetos de varejo, real estate e afins não demandam inovação relevante, não existem economias de escala relevantes comparadas aos setores de manufaturas e serviços sofisticados (característica intrínseca dos setores).
Fica claro nessa análise a importância de entender o detalhe das atividades econômicas para explicar a dinâmica de produtividade e crescimento do país. Vamos comparar o Brasil com Alemanha ou Coreia do Sul (ver gráfico abaixo), no outro extremo, para efeitos didáticos. O motor da produção desses países dos últimos anos se concentrou em carros, eletrônicos, química e maquinaria sofisticada para o resto do mundo. Com empresas e balanço de pagamentos fortemente superavitários. É claro que os alemães e coreanos vão ao shopping e restaurantes nos finais de semana, mas não é isso que move a economia alemã nem a coreana; e nem a chinesa, que aliás tenta “emular” o Brasil para consumir mais e não consegue. No momento o ajuste no Brasil desse modelo de economia do shopping center está em curso. A forte desvalorizacao cambial e a contração de crédito impedem uma retomada do modelo antigo de compras de produtos importados com dívidas em shoppings e empurra o país para uma nova forma de geração de PIB, provavelmente muito mais dependente de produção de manufaturas e commodities processadas para o mercado doméstico e para exportação. Com câmbio mais desvalorizado e restrição de crédito a economia brasileira voltará a recuperar aos poucos seus níveis de renda e de complexidade.
ver A preocupante regressão tecnológica da economia brasileira, Mapa de produtividade de uma economia, Exaustão do ciclo CCC no Brasil, armadilha da renda media no Brasil
Esse cenário reflete em muitos casos cidades que vem se tornando cada vez mais provedoras de serviços, com empregos de baixa qualificação e alta rotatividade.
Paulo, o atual processo de ociosidade da indústria brasileira teve suas raízes na sobrevalorização do real? O processo de desindustrialização enfrentado pelo país também?
Acredito que sim
https://www.paulogala.com.br/apreciacao-cambial-e-queda-da-poupanca-agregada-no-brasil/