*escrito com André Roncaglia
A teoria da escola austríaca perdeu validez quando a sociedade de pequenos produtores em livre concorrência que ela retrata deixou de existir já no séc XIX. Uma sociedade sem Bancos, sem crédito, sem grandes corporações, sem forte concentração de mercado. Um mundo simplista de trocas, uma economia de escambo como na vila de Asterix. Nada mais longe das poderosas economias de mercado do século XXI. Isso não significa que não haja contribuições interessantes, como o triângulo de Hayek e a produção indireta de Bohm-Bawerk, a teoria dos preços e da evolução da moeda de Menger, e a teoria da firma de Israel Kirzner, dentre outros legados que o mainstream absorveu à sua maneira. a ideia de função “epistemológica” (ou de descoberta) do mercado e do sistema de preços; uma maneira de as pessoas entenderem melhor o que se passa e chegarem a acordos sobre suas “ofertas” e “demandas”.
Para alguns austríacos a lá B. Baverk o setor industrial é chave. As possibilidades de divisão do trabalho na indústria ficaram conhecidas como as economias de “roundaboutness” (termo chave de HPE de toda essa discussão) que diz o seguinte: se o Robinson Crusoé estiver sozinho numa ilha vale mais a pena ele gastar tempo fazendo um barco e uma vara de pesca do que sair nadando para pescar peixes. Ou seja, se ele dividir a tarefa de pesca e “mecaniza-la” ele será bem mais PRODUTIVO do que se sair nadando para pescar. Nessa linha Allyn Young destaca a importância do roundaboutness que Smith tão bem sacou e o Bohm Baverk aprofundou. As atividades industriais são as mais propícias para se aplicar o roundaboutness (divisão do trabalho, especialização e mecanização) e, portanto, são o motor da produtividade de uma economia.
De tudo que produziu, os austríacos brasileiros escolhem o que há de mais raso e panfletário. O sucesso deles no Brasil pode ser, ironicamente, explicado pelo viés ideológico que eles veem apenas nos detratores. Há muita coisa interessante além do “Ação Humana” do Mises. Infelizmente, são textos mais complexos, menos emocionais, multidisciplinares, com mais nuanças analíticas do que o binarismo figadal que marcou o início da Guerra Fria. As interconexões com o institucionalismo que o próprio Hayek fez e a magistral tentativa de Roger Garrison de codificar um manual de macroeconomia “austríaca” são muito ricas e louváveis. Faria bem aos seus defensores que se atualizassem dentro de sua própria escola!