A importância da educação na obra de Celso Furtado

*escrito com Andre Roncaglia e Fernanda Cardoso

A obra de Celso Furtado tem sofrido criticas equivocadas sobre a suposta ausência de uma defesa da educação como aspecto relevante para a construção do desenvolvimento. Em alguma medida, o equívoco se explica pelo fato de que, para pensadores estruturalistas como Furtado, a preocupação precípua estava sobre a consecução da matriz produtiva, o perfil do emprego gerado e a maneira como se distribuía o excedente econômico. Por outro lado, daí a inferir que autores como Furtado não se preocuparam com a educação é demasiado errôneo. A educação de qualidade não é uma força abstrata. É necessário entendê-la como parte orgânica do contexto social. Os retornos ao investimento em educação (pública e privada) são condicionados pela estrutura familiar e pelo perfil ocupacional da sociedade, o qual depende da estrutura produtiva e pela forma de inserção da economia no comércio internacional. Se nos debruçarmos sobre a obra de Furtado, perceberemos que a educação jamais deixou de figurar dentre as prioridades do mesmo.  Por exemplo,  em ensaio de 1957, ao analisar a dinâmica da economia venezuelana, a partir de um diagnóstico estruturalista, Furtado apontara que o próximo passo para consolidar o desenvolvimento daquele país não poderia prescindir de investimento em educação básica, formação técnica para as indústrias e formação de pessoal para a pesquisa científica e tecnológica. E, justifica que tais investimentos – que deveriam ser realizados pelo Estado – geram efeitos persistentes importantes, a saber:

“Primeiro, contribuem diretamente para elevar o nível cultural e técnico da população, ou seja, para o aperfeiçoamento do patrimônio humano da nação. Ora, todo investimento feito nas pessoas possui um caráter de autoexpansão e de continuidade nas novas gerações. É um processo em cadeia e por natureza irreversível. Segundo, os investimentos desse tipo se concretizam em serviços de caráter permanente, isto é, geram um fluxo importante de salários que vão contribuir para a expansão do mercado interno”.

demanda pela adoção do Plano Nacional de Educação articulado a um plano de desenvolvimento remonta ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, lançado em 1932, em prol da construção de um sistema educacional democrático e inclusivo. No entanto, esta demanda viria a ser atendida apenas no Plano Trienal (1963), formulado e executado sob a liderança de Celso Furtado, que ocupou o cargo de Ministro do Planejamento do governo João Goulart. Na apresentação do primeiro Plano Nacional da Educação da nossa história, Furtado escreveu que “a muito custo chegamos (…) à compreensão de que a escola não é apenas o feliz coroamento ornamental de uma sociedade, mas a sua instituição básica, a mantenedora da sua cultura e a promotora de sua dinâmica de desenvolvimento”. Emjaneiro de 1964, ainda no governo Goulart, é lançada a “Comissão de Cultura Popular”, a qual institui o Programa Nacional de Alfabetização do Ministério da Educação e Cultura, mediante o uso do Sistema Paulo Freire, através do Ministério da Educação e Cultura, liderado por Darcy Ribeiro.

Mais tarde, Furtado deixaria clara a sua visão conectando educação, ciência e desenvolvimento. Ao comentar a emergência avassaladora da burguesia mercantil europeia, Furtado reconhece que foi “a conjunção dos dois processos – a sedução que nos espíritos da época exerce a descoberta de novos conhecimentos e a visão das atividades econômicas como um campo aberto à inovação – que definira o espírito da nova época”. E vai além: “Desde sua origem, a ciência moderna está ligada à ideia de acumulação de conhecimentos que permitem ao homem aumentar sua capacidade de ação”.Como Ministro da Cultura entre 1986 e 1988, Furtado criou a Lei Sarney, sancionada no dia 2 de julho de 1986 que desamarrava autores e produtores culturais para dar o impulso que as atividades culturais nunca tiveram no país. Promoveu, ainda, a fusão da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) com a Fundação Nacional Pró-Memória, com vistas a dar maior dinamismo às políticas culturais voltadas para a preservação do patrimônio cultural. 

Dadas a premência e a dominância dos processos de acumulação de capital no direcionamento das condições materiais de vida nos países periféricos, é verdade que a educação tem um papel menos explícito em sua abordagem teórica. Porém, não significa que esteja ausente. Mesmo neste ponto, note-se que Furtado estava em linha com a produção do seu tempo. Especialmente no contexto do imediato pós-guerra, quando se consolida a perspectiva original do estruturalismo latino-americano, era urgenteincrementar o excedente gerado e mantido nessas economias subdesenvolvidas, expandindo e diversificando a sua matriz produtiva, internalizando o seu centro dinâmico e absorvendo a mão de obra dispersa no mar de atraso. O investimento em educação, capacitação, ciência e tecnologia, por sua vez, tornaria essa dinâmica robusta e sustentável, elevando essas economias a outros patamares de desenvolvimento. Da perspectiva estruturalista de Furtado, a solução individualizada de incremento de capital humano não daria conta sozinha de resolver os profundos problemas estruturais e sociais do subdesenvolvimento(ainda hoje existentes), que demandam planejamento nacional e

Amartya Sen cunhou o termo capacitação para redefinir conceito de desenvolvimento como autodeterminação individual. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) sintetiza algumas das capacitações mais palpáveis, como educação, saúde e renda, as quais compõem as condições básicas para a ampliação das liberdades e oportunidades individuais. Nesse sentido, o conceito de capital humano foi desenvolvido para tratar da educação como investimento em um estoque de riqueza individual a ser arrendada no mercado de trabalho. Esse capital intelectual se traduz em maior produtividade, de forma que o salário representa a taxa de retorno dos investimentos em educação. Além disso, a educação gera externalidades positivas na produção de inovações, na qualidade das instituições políticas, da fruição cultural e do ambiente de negócios. Afinal, uma sociedade instruída e educada conseguiria, segundo essa proposição, responder aos desafios coletivos com prontidão, precisão e mínimo desperdício de recursos. A educação é, portanto, uma capacitação individual que se traduz em um patrimônio intangível e inalienável. Por contribuir para uma vida material e social mais inclusiva torna-se absolutamente racional e tecnicamente sustentável o enquadramento fiscal das despesas em educação como investimento.

Publicado originalmente em:

https://portaldisparada.com.br/economia-e-subdesenvolvimento/celso-furtado-subdesenvolvimento-educacao/amp/

https://diplomatique.org.br/e-hora-de-tratar-a-educacao-como-investimento-publico/

2 thoughts on “A importância da educação na obra de Celso Furtado”

  1. O fato é que C F, nos anos 1950, preferiu criar a SUDENE ao invés de priorizar a educação no NE – um grande equívoco, sublinhado por Douglass North quem o advertiu pessoalmente, quando foi introduzido ao plano e levado ao NE para aprecia-lo. Douglass North recebeu o prêmio Nobel e a Sudene e o NE com a população mais vulnerável do Br que, infelizmente, continua vivendo de migalhas que os políticos populistas lhe oferece.

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