A penitência da conta corrente em 2012

Desde que comecei a acompanhar o cenário macro brasileiro nunca vi uma situação tão boa do ponto de vista de indicadores macro. Nível de reservas, relação dívida PIB, dívida externa/exportações, etc…Será que estamos em condições de responder a mais essa rodada de crise? O que pode dar errado? Há motivos para penitência? Tenho me debatido com esse tema recentemente. Quais são as ameaças do ponto vista macro e quais os verdadeiros riscos que corremos? E se corremos, quão graves são esses perigos? O grande risco que se corre hoje é, a meu ver, o aumento do endividamento externo que decorre da ampliação do déficit em conta corrente. Como mostra o gráfico abaixo teremos já, segundo muitos analistas, um déficit em conta corrente da ordem de U$60 bilhões em 2012, podendo chegar até a 3% do PIB (primeiro gráfico). O problema desse déficit está, como sabemos, na necessidade de financiamento externo para fechar a conta de dólares. Se nosso comércio externo não é capaz de gerar dólares para pagar as contas de rendas, sobra para conta capital o financiamento do balanço de pagamentos. Ou seja, os fluxos de bolsa, títulos, dívidas e IDE é que trazem os dólares necessários para fechar o gap externo.

O problema dessa estratégia é que são dólares emprestados que vêm e não genuínos, como no caso de uma China por exemplo. A atração de capitais aumenta nosso passivo externo, ou seja, passamos a dever mais para os estrangeiros. Enquanto eles estão otimistas, ok, há financiamento farto. Mas no caso de uma reversão de humor o estrago é grande como vimos por aqui em 1999, 2002 e 2008, ou ainda na Argentina recentemente, para não mencionar México 1995 e Ásia 1997. Até onde pode chegar nosso déficit em conta corrente? As causas principais desse alargamento do déficit são o crescimento da economia brasileira e a sobrevalorização cambial. É muito difícil prever com exatidão o que ocorrerá no futuro econômico com essas duas variáveis, mas é certo que no curto prazo o déficit em conta corrente tende mesmo a piorar. Então a pergunta a ser respondida é: qual tamanho de déficit em conta corrente a economia brasileira pode suportar e por quanto tempo? Essa a questão de 1 milhão de dólares.

Em vez de uma resposta exata, segue adiante uma pequena lista de motivos para ficarmos penitentes ou não penitentes com o futuro de nossa conta corrente e de nossa economia. Ou seja, viver sem culpa e não se preocupar ou manter um pé atrás, temendo a vida pós-crise cambial e os excessos cometidos por aqui, no mundo terreno. Acho que essa reflexão pode ajudar na construção dos cenários 2010-2020. Começando pelos motivos para não ficar penitente. O segundo gráfico abaixo mostra um resumo do quadro externo brasileiro preparado pelo ministério da fazenda recentemente. Nota-se que a situação brasileira em 2012 é anos-luz melhor do que nas crises dos 70, 80 e 90. Temos reservas internacionais que equivalem a mais de 13% do PIB e nossa dívida externa não passa dos 12%, melhor marca de todo o período. A própria conta corrente ainda está hoje em patamares civilizados. No colapso do cruzado tínhamos uma dívida externa que era quase 50% do PIB! Quando quebramos em 1982 nossas reservas eram praticamente 0! E no choque do petróleo nossa conta corrente foi quase a 7% do PIB! De fato, por esse prisma estamos bem tranqüilos ainda.

Numa comparação internacional nossa situação também não é má. É fato que os países do leste asiático (Tailândia, Malásia, Indonésia, Coréia do Sul) quebraram em 1997 com déficits em conta corrente que variavam entre 5% e 10% do PIB. Mas muitos outros países conseguiram e ainda conseguem carregar déficits grandes sem crises. Índia e África do Sul são exemplos interessantes. Esta última está já há anos apresentando grandes déficits em conta corrente e no caso indiano a situação não é diferente. Nenhuma crise cambial por lá por enquanto! A Austrália é outro bom exemplo de déficits sustentáveis também.

Passemos agora aos motivos para a penitência que leva a negação do presente em função de uma vida melhor no futuro. Primeiro preocupa o elevadíssimo preço das commodities (terceiro gráfico). Ou seja, nosso resultado de contas externas é ruim apesar de um momento ainda muito bom de preços de commodities (o grosso de nossas exportações). Imagine se essas commodities voltam? E o preço das coisas em dólar no Brasil? Caríssimo! Basta uma corrida de taxi do aeroporto até a Faria Lima, seguido de almoço e café para o estrangeiro perceber que os preços brasileiros estão mesmo malucos! O metro quadrado na Faria Lima em dólar então nem se fala, mais caro do que na quinta avenida em NY. Ou seja, a boa situação brasileira depende muito dos preços de commodities elevados e nossa competividade se deteriora a cada dia. Nossa indústria doméstica não consegue competir lá fora e nosso déficit da balança de manufaturados já vai quase a 100 bilhões de dólares. Dependemos hoje totalmente da China (quarto gráfico) e de elevados preços de commodities. Vamos torcer para que a crise da Europa não mude esse cenário.

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