*escrito por Felipe Augusto
Ou, se preferirem: como um país pobre tenta subir a escada do desenvolvimento tecnológico antes que ela seja chutada. A Indonésia é responsável por 37% da produção mundial de níquel e tem 22% das reservas globais. O níquel é uma matéria-prima crítica para a produção de baterias, que são o principal componente dos veículos elétricos. Estes Veículos, por sua vez, têm o potencial de alterar a hierarquia atual da indústria automobilística, centrada nos combustíveis fósseis e tradicionalmente dominada por marcas americanas, europeias e do leste asiático. A Indonésia percebeu que as reservas de níquel poderiam lhe dar uma vantagem significativa nesse segmento. Já em 2009 uma lei expandiu os benefícios a mineradoras que processassem minérios e forçou investidores estrangeiros a reduzirem suas participações em mineradoras. Em 2020, o governo local decidiu proibir totalmente as exportações de níquel bruto, reduzindo o preço desse insumo para a cadeia de produção doméstica. Ademais, adquiriu ações das mineradoras, inclusive 20% da filial da Vale na Indonésia. Sim, a Vale, multinacional brasileira que é a maior produtora de níquel do mundo, tem uma filial que está sendo usada como instrumento de política industrial por governo estrangeiro. E esse governo tem maior participação nela do que o brasileiro. Os resultados têm sido promissores até agora. Investimentos estrangeiros e exportações na cadeia a jusante, como no setor de metais, cresceram fortemente. Um ecossistema local de empresas em diferentes elos dessa cadeia também começa a despontar. Para avançar ainda mais, o governo estabeleceu a Indonesia Battery Corporation, uma holding que reúne 4 empresas estatais: a MIND ID, dona das ações das mineradoras, sua subsidiária de níquel, Antam, a petroleira Pertamina e a empresa de eletricidade PLN. O objetivo é que a Holding contribua para o desenvolvimento da cadeia e seja parceira dos investidores estrangeiros. Mas não querem só oferecer matéria-prima barata: “O que pedimos é transferência de tecnologia”. CATL e LG já firmaram parcerias. Tesla deve ser a próxima.
A reação veio. A União Europeia contestou as políticas indonésias na OMC, afirmando que as restrições à exportação de níquel e os requisitos de processamento local constituíam violações às regras multilaterais de comércio. Em dezembro, a OMC concordou com a União Europeia. A Indonésia apelou da decisão, e nada parece abalar a convicção do governo. O Presidente Jokowi chegou a dizer que “não importa se eles vão continuar nos processando”, e afirmou que já havia instruído seu governo a banir exportações de outros minérios brutos. Um fator que ajuda a explicar sua confiança é a paralisia da OMC. Os EUA têm bloqueado a indicação de novos juízes porque entendem que a OMC não tem cumprido com sua missão original. O pano de fundo? A ascensão da China como rival tecnológico. E é dos EUA que pode vir o maior desafio ao sucesso da Indonésia nessa cadeia. O IRA, sua mais nova política industrial “verde”, prevê benefícios somente se determinado percentual de materiais ou componentes forem processados ou manufaturados nos EUA. Qualquer estratégia de desenvolvimento deve considerar as capacidades nacionais e as limitações e oportunidades do cenário internacional. A estratégia indonésia é uma das mais ambiciosas dos últimos tempos. Vale ficar de olho.
https://www.ft.com/content/004fdfa6-dbd1-4af8-9777-8c2df4d51d79
https://www.lowyinstitute.org/the-interpreter/indonesia-s-uncertain-climb-nickel-value-chain