As empresas domésticas de carros na Índia prosperam! (lições para o Brasil)

*escrito com Andre Roncaglia (esse texto é parte de nosso novo livro” Brasil, uma economia que nao aprende”)

A incrível história do setor automotivo da Índia ajuda a mostrar um outro caminho que poderia ter sido seguido por aqui. Na última década, a indústria automobilística indiana emergiu como uma das indústrias de crescimento mais rápido no mundo, com níveis crescentes de sofisticação tecnológica entre os países emergentes. Esse setor é fundamental na economia indiana pois proporciona emprego em massa à população local do país e suas receitas de exportação ajudam a impulsionar o comércio exterior. Ao contrário de outros países emergentes, como o Brasil, a África do Sul e a Argentina, a indústria automobilística indiana consiste de empresas domesticas com capacidades tecnológicas e de inovação por empresas de capital nacional. Em 2008 a empresa indiana Tata Motors projetou e desenvolveu o carro mais barato do mundo, o ‘Tata Nano’. No mesmo ano, outras empresas indianas como Mahindra e Mahindra lançaram carros de passageiros concebidos e feitos domesticamente como por exemplo o “Scorpion”, um produto de design e desenvolvimento nacional. Estes desenvolvimentos pegaram outras empresas automotivas globais de surpresa, uma vez que as expectativas quanto ao sucesso indiano eram muito baixas.

Na era pós-independente, a política industrial e econômica da Índia era dominada por uma ideologia de substituição de importações, na qual as intervenções e regulamentações do Estado desempenhavam um papel fundamental na direção do desenvolvimento de capacidades tecnológicas locais. O governo indiano estabeleceu várias políticas focadas em regulamentar e restringir rigorosamente as importações de tecnologia para proteger o esforço técnico local das empresas indianas. No entanto, em 1990, a crise do balanço de pagamentos desencadeou grandes mudanças na orientação da política industrial e econômica. De um conjunto de políticas relativamente voltado para o mercado interno que estava em vigor até o final da década de 1980, o regime adotado em 1991 buscava derrubar os muros de proteção dentro dos quais a indústria indiana operava. A partir de 1991 houve uma mudança para a industrialização com foco numa economia mais aberta e voltada para a promoção de exportações, inclusive no setor automotivo.

O IDE no setor de automóveis foi autorizado pela primeira vez em 1983, quando a Suzuki foi convidada para uma joint venture com o governo indiano. O estado permitiu que quatro empresas japonesas – Toyota, Mitsubishi, Mazda e Nissan – entrassem no mercado indiano de veículos comerciais leves por meio de joint ventures com empresas indianas. Na década de 1980, essas quatro empresas colaboraram com empresas indianas privadas e algumas participações compartilhadas com governos de nível estadual. Em 1971, Sanjay Gandhi, filho de Indira Gandhi, fundou a Maruti Limited com a missão de desenvolver um carro acessível, econômico, de baixa manutenção e baixo consumo de combustível. No entanto, apesar do apoio do governo, Maruti não conseguiu desenvolver o “carro do povo” e subsequentemente, em 1980, o governo da Índia assumiu a empresa. Em 1983, Maruti formou uma joint venture com a Suzuki Motor Corporation do Japão. Inicialmente, o governo indiano foi a favor de uma joint venture com a Volkswagen e o VW Golf foi o carro escolhido. No entanto, o governo sentiu que o Golf era um carro caro para o mercado indiano e decidiu ir à Europa e ao Japão para procurar parceiros. O governo queria que o parceiro no exterior trouxesse 40% de participação e teve conversas com a Nissan, Mitsubishi, Daihatsu e Suzuki. Apenas a Suzuki estava disposta a assumir 26% do capital com a opção de aumentar para 40%.

O estabelecimento da Maruti Udyog Limited (MUL) marcou uma nova fase para a indústria automobilística na Índia. Em uma década, a produção de automóveis de passageiros aumentou cinco vezes e a MUL passou a ocupar mais de 50% do mercado doméstico. O governo indiano estabeleceu a Maruti Udyog Limited em 1981 com o objetivo de modernizar a indústria automobilística indiana e produzir carros desenvolvidos para atender às necessidades da população em crescimento. O contrato de joint venture foi assinado com a Suzuki Motor Company em 1983, pelo qual a Suzuki adquiriu 26% do capital e concordou em fornecer as mais recentes tecnologias, bem como práticas de gestão japonesas. A MUL criou história ao conseguir lançar em 13 meses seu primeiro veículo, o Maruti 800 em 1984. Este foi o primeiro carro produzido no país com tecnologia moderna completa. No início o Maruti 800 tinha 97% de conteúdo importado e apenas pneus e baterias eram feitas localmente. O governo estabeleceu uma meta de 93% de conteúdo nacional dentro de cinco anos e, assim, a empresa começou a desenvolver fornecedores locais a partir do zero. A empresa atraiu empreendedores oferecendo-lhes espaços nos complexos da empresa e forneceu eletricidade de sua própria usina. Além disso, os engenheiros da Suzuki ajudaram os novos fabricantes com práticas de automação e gerenciamento, como a fabricação just-in-time. Até 1990, a MUL dominou o mercado indiano, com a Maruti 800 ocupando 62% de participação de mercado. Antes da chegada de MUL, o setor automotivo da Índia vinha há décadas oferecendo apenas dois modelos para a população; esse número subiu para oito depois da entrada de MUL.

A liberalização econômica em 1991 iniciou uma fase significativa no desenvolvimento da indústria automobilística indiana. O licenciamento para importação de veículos foi abolido em 1991 e a tarifa média ponderada foi reduzida de 87% para 20,3% em 1997. Em 2001, o governo indiano removeu as cotas de importação de automóveis e permitiu 100% de IDE no setor. O governo reduziu os impostos especiais de consumo para 24% em automóveis de passageiros e concentrou-se no desenvolvimento de infraestrutura de apoio. Neste período, a Mahindra & Mahindra fez uma transição de ‘trator e jeep maker’ para um moderno fabricante de automóveis de passageiros. Em 2002, a Mahindra & Mahindra lançou o “Scorpio” como um veículo utilitário esportivo (SUV) – produto do esforço e desenvolvimento interno. Em 1989, a Suzuki aumentou sua participação acionária para 40% na empressa Maruti e Suzuki e três anos depois para 50%. Além disso, a Suzuki pagou um prêmio de controle de Rs 10 bilhões ao governo indiano para controle total da administração. Em 2003, a Cummins JV, uma empresa produtora de motores americana, ajudou a Telco (Tata Engineering and Locomotive Company, depois renomeada para Tata) a desenvolver motores a diesel em conformidade com rigorosas normas de emissão e ajudou a empresa a introduzir uma versão a diesel de carros e caminhões. A Tata Motors decidiu realizar atividades-chave internamente, como fabricação de motores e transmissões, soldagem e pintura de painéis de carroceria e montagem de carros. Todas as outras atividades foram terceirizadas. A Tata Motors envolveu os principais fornecedores no processo de design, tornando-os parceiros iniciais. Os fornecedores menores foram agrupados em dois níveis: nível 1 e nível 2. Os fornecedores de nível 2 forneceram peças aos fornecedores de nível 1 que montaram e forneceram os motores a Tata. Em 1997, a Telco investiu na Tata Autocomp Systems Limited (TACO), uma empresa promovida pela Tata Industries para estabelecer uma série de joint ventures com fabricantes de componentes internacionalmente aclamados.

Posteriormente, a TACO formou uma joint venture com os principais fabricantes de componentes automotivos, que se tornaram fornecedores-chave da Tata Motors. A Tata Motors importou vários itens importantes de equipamentos de fornecedores estrangeiros, como centros de usinagem de alta velocidade da Alemanha e EUA e máquinas de corte de engrenagens da Alemanha e da Itália. Em 1995, a Telco comprou a fábrica australiana da Nissan por US $ 20 milhões. Esta fábrica estava produzindo o Nissan Bluebird e posteriormente fechou. A fábrica da Nissan com 21 robôs foi embarcada para a divisão de máquinas da Telco e instalada em uma fábrica na cidade de Pune na India. Três prensas para montar os painéis para o modelo do carro Indica da Tata foram encomendadas da Alemanha; uma nova e duas usadas compradas da Mercedes Benz e modificadas para atender as necessidades do modelo indica. A Tata Motors está hoje no negócio de carros de luxo e caminhões e comprou as marcas Jaguar e Land Rover da Ford Motor Company por US $ 2,3 bilhões em 2008.

KHAN, Mushtaq H.; Stephanie Blankenburg (2009) The Political Economy of Industrial Policy in Asia and Latin America In: Giovanni Dosi and Mario Cimoli, eds. Industrial Policy and Development. Oxford: Oxford University Press

Kale, Dinar (2011). Co-evolution of policies and firm level technological capabilities in the Indian automobile industry. In: Atlanta Conference on Science and Innovation Policy, 2011, 13-17 Sep 2011, Atlanta, GA, USA.

2 thoughts on “As empresas domésticas de carros na Índia prosperam! (lições para o Brasil)”

  1. Trabalhei por mais de 28 em empresas multinacionais automotivas de procedências americana e japonesa. Tive oportunidade de viajar a trabalho para as matrizes e realmente quando se tratava de desenvolvimento de tecnologia para novos projetos, os estudos ficavam restritos as matrizes. Será que ainda é possível mudar essa forma de contrato em que seja possível obter transferência de tecnologias?

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