As voltas que o mundo dá: Brasil liberal e EUA desenvolvimentista

*escrito por Luis Felipe Giesteira

Biden faz aposta arriscada com megapacote de gastos e retoma o Keynesianismo do new Deal. Logo que assumiu a casa branca pendurou de novo o retrato de F.D. Roosevelt na parede do salão oval. Nos anos 70, o keynesianismo – corrente de pensamento que se tornou hegemônica depois da crise de 1930 e que de fato criou o próprio conceito de polícia econômica – sofreu uma sucessão de derrotas. Na base disso, estava o surgimento de um fenômeno conhecido com estagflação. Como indica o nome (criado na verdade por um político inglês), a estagflação se caracteriza pela presença conjunta de inflação alta e baixo nível de crescimento (ou elevado desemprego). A persistência do fenômeno seria incompatível com o keynesianismo, ao menos na versão “oficial”. Embora o debate macro a partir daí tenha se concentrado na formação de expectativas, do ponto de vista microeconômico a questão essencial foi a estagnação da produtividade a partir de meados dos anos 60 nos países do G7. O uso continuado de políticas expansionistas – discutível do pto de vista teórico como de fato keynesiano, mas a ele associado politicamente (como demonstraram Hall, Jessop e outros) – só se sustenta na presença de economias de escala generalizadas. Quando isso ocorre em uma faixa relevante do ponto do vista do cálculo econômico, o aumento da demanda gera queda do custo médio e permite aumentos de salários e de lucros conjuntamente, estimulando o investimento. Falhas exógenas ocorrem, mas o Estado pode sem grande dificuldade superá-las, via de regra complementando a demanda. Isso não apenas legitima politicamente sua ação “dadivosa”, mas tb garante a gestão da dívida pq a arrecadação tributária é função do nível de atividade.

Os motivos pq a produtividade parou de responder aos estímulos são discutíveis, mas, sobretudo a partir da experiência do primeiro Mitterrand na França, ficou dificil negar a força das evidências. Correntes heterodoxas como o schumpeterianismo e o próprio keynesianismo “puro” ofereceram explicações bem fundamentadas, mas foram as teses monetaristas e a seguir novo clássicas as q se mostraram vitoriosas. Hall mostra q isso “virou a chave” ñ apenas no debate macro. mas criou de fato um novo “espírito de época”, que antes de ser de esquerda ou de direita, é antes de tudo anti-Estado e cosmopolita/globalista. Na esteira dessa mudança, várias sub teorias. entre as quais as do rent-seeking, ação coletiva, public choice, os institucionalismos “naturalistas” etc – nasceram e floresceram. Mesmo abordagens não keynesianas, como o estruturalismo (Prebisch, Singer, Nurkse, Furtado etc). foram levadas de roldão e, por pró-Estado, descartadas liminarmente. Curiosamente, a ascensão do anti estatismo no ocidente coincide com a firme ascensão asiática, viabilizada por politicas muito parecidas com as preconizadas pelos estruturalistas. Embora os estruturalistas não descartem medidas de ativação de demanda, seu foco é “no lado da oferta”, de modo que o foco são políticas industriais, de inovação e de infra-estrutura. A própria geração de empregos (de qualidade) e a educação (esta amiúde defendida por muitos monetaristas) são vistas como concorrentes para a criação de um aprendizado contínuo, e moldadas cfe o estágio produtivo em q cada país se encontra. O pacotão Biden-Yellen é desde já bem vindo dessa perspectiva, mas sua importância é maior pela confrontação do consenso anti-nacional e anti estado que carrega, ou seja, por seu significado político e simbólico. Mas e ele funcionará? Em tese o estruturalismo se concentra no caso de países aquém da fronteira tecnológica – mais ou menos como o keynesianismo focava situações aquém do pleno emprego. Mas algo pode ser dito sobre o caso americano. Em tese o sucesso – duradouro – do pacotão dependerá o balanceamento dos estímulos. Em uma situação em que a pandemia provavelmente refluirá apenas distribuir cheques tende a ter efeito curto e marginalmente decrescente. Caso medidas em prol de aceleração do investimento em infraestrutura (defasada nos EUA vis a vis seus pares) e, sobretudo, de retomada de gdes programas mobilizadores de inovação tecnológica sejam dominantes, provavelmente o pacote será bem sucedido.

Mas … e o Brasil? O Brasil vive uma complicada situação em que a força das oligarquias debelada pela Revolução de 30 se combinou com um pensamento mais que anti Estado, anti crescimento. É como se um auto colonialismo tivesse se combinado com o anti estatismo ocidental. É muito improvável que algo parecido com o que aconteceu nos anos 30 – quando o Brasil inclusive foi mais arrojado q muitas potências ocidentais na superação da crise – se repita. O melhor a esperar é a superação da avassaladora pasmaceira anti estado q assola o Ocidente há 40 anos – e em breve colocará a Ásia como novo centro global – nos países que seguimos. Mesmo que o que se viu até agora não seja muito animador, há que torcer muito por Janet Yellen…

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