
O gráfico acima mostra a notável evolução da complexidade brasileira no período que vai do incio dos anos 60 ate o inicio dos 90 e o também incrível retrocesso observado depois dos anos 2000. Ainda na esteira dos grandes movimentos criados na era Vargas e depois na era JK, o milagre e o II PND, apesar de todos seus problemas, coroaram o salto tecnológico e de complexidade da economia brasileira do período desenvolvimentista. A Petrobras, CSN, BNDES e tantos outros marcos do Brasil foram criados nessa fase. O plano de metas de JK lançou as bases de infra-estrutura rodoviária, ferroviária e energética que usamos até hoje. A construção de Brasília iniciou a integração da região central do país com a arco litorâneo das cidades da época colonial. A exploração do planalto central e hoje nossa agricultura de ponta no centro-oeste se devem a esses passos ousados dados nessa época. É claro que foi um período de excessos, com endividamento público, emissão monetária inflacionária e desequilíbrios internos e externos. Nos anos 60 as importantes reformas institucionais (modernização da lei trabalhista, reforma do sistema financeiro, criação da correção monetária, do SFH, etc…) lançaram as bases para o crescimento do país na próxima década.
As exportações cresceram a um ritmo explosivo, o crédito se ampliou fortemente, as manufaturas brasileiras começam a conquistar mercados no mundo e finalmente o Brasil melhorou seu perfil exportador com excessiva dependência em café e bens agrícolas como podemos ver nos mapas abaixo. Lembremo-nos da importância dada as exportações de manufaturas nos 70 e da politica de mini-desvalorizacaoes cambiais do ministro Delfim Netto. Após o primeiro choque do petróleo os militares lançam o segundo PND, que logrou ainda produzir crescimento num período de instabilidade. Itaipu, rodovia dos Bandeirantes, pólos petroquímicos, obras todas dessa época. Os desequilíbrios causados pelo II PND foram ainda maiores do que na era pós-JK. Grande parte dos investimentos foi apoiada em estatais com dívida externa. Pagamos a conta nos anos 80.
O segundo choque do petróleo e o aumento de juros da era Volcker deixaram o Brasil em situação muito problemática. Passamos toda a década de 80 pagando os custos desse ajustamento. O processo de transição política foi complicado e acompanhado de um longuíssimo período de instabilidade econômica. Inflação alta, pacotes, congelamentos, divida interna e externa fora do controle, o Brasil dos anos 80. Na década de 90 iniciamos uma nova transição econômica. A abertura da economia, o controle da inflação, a privatização, uma melhora fiscal e novos marcos regulatórios preparam o país para um novo ciclo de crescimento.
O período que vai de 1990 até 1999 ficará na história como uma grande fase de ajustamento com crescimento baixo, mas importantes reformas institucionais da economia brasileira. O paralelo aqui com os anos 60 é evidente. E finalmente voltamos a crescer no inicio dos anos 2000, so que dessa vez o ciclo foi puxado por consumo, construção civil e boom de commodities. Nos últimos 10 anos os empresários brasileiros se especializaram em produzir commodities, bens agrícolas, serviços não sofisticados e prédios. Quais foram os negócios que mais prosperam no país da última década? Shopping centers, construção de prédios comerciais e residenciais, lojas de varejo de todo tipo (cabelereiros, restaurantes, vestuário, concessionárias de automóveis, etc).
Grandes obras de infra-estrutura, petróleo, etanol, café e minério de ferro. Esses negócios prosperaram graças ao boom de credito, redução do desemprego, transferências de renda pelo estado e elevados preços de commodities em dólar no mercado mundial por conta da descomunal expansão da economia chinesa. O preço dos serviços domésticos também aumentou fortemente, contribuindo para a apreciação do cambio real. Essa combinação de alta de preços de serviços, alta de preço de commodities em dólares e apreciação cambial aumentou muito a rentabilidade das atividades de importação em geral, serviços, varejo, construção civil e produção de commodities. A produção domestica de manufaturas e bens industriais perdeu muita rentabilidade e regrediu em relação aos patamares observados nos anos 90.
Ate 2007 a indústria brasileira conseguiu ainda acompanhar o boom de demanda aumentando a produção, ainda na esteira da desvalorização cambial de 2002. A partir da crise de 2008 a indústria brasileira sucumbiu à concorrência internacional, aos aumentos de custo de produção em reais (principalmente salários) e a forte apreciação do cambio nominal e real. A expansão de PIB observada no pós 2008 foi toda baseada em serviços não sofisticados e construção civil (quadro típico de doença holandesa). A demanda por bens industriais foi totalmente suprida por importações. Sem estímulos para produzir domesticamente o empresário industrial brasileiro passou a ser importador, montador ou simplesmente encerrou seu negocio. Houve enorme perda de complexidade produtiva da economia brasileira. A produtividade total da economia caiu e vai continuar caindo ate que as manufaturas domesticas se recuperem. O quadro para o futuro e’ alarmante pois graças ao que se conhece como histerese (em física e economia) a reconstrução do tecido produtivo brasileiro será lenta e dolorosa. A grande desvalorização cambial observada em 2015 não produzira imediatamente a reconstrução do setor de bens transacionáveis não commodity brasileiro.
A grande maioria dos empregos gerados no Brasil dos últimos anos foi em setores com baixa produtividade intrínseca: construção civil, serviços não sofisticados em geral (lojas, restaurantes, cabelereiros, serviços médicos, call centers, telecom, etc…), serviços de transporte (motoristas de ônibus, caminhões, pilotos de avião), entre outros. Conforme vimos acima, as comparações internacionais mostram que o grande diferencial de produtividade entre países está justamente no setor de bens transacionáveis, especialmente nos empregos industriais, longe dos chamados serviços não sofisticados. Até mesmo na construção civil, mesmo com auxílio de máquinas mais sofisticadas, a produtividade entre trabalhadores dos diversos países não é muito distinta. A altíssima produtividade dos países ricos ocorre então em outros setores que não esses, com destaque para os serviços sofisticados e indústria como vimos discutindo ate aqui nesse livro. O boom de crédito, commodities e consumo observado no Brasil nos últimos anos estimulou justamente os setores com baixos ganhos potencias de produtividade e desestimulou os setores potencialmente ricos em economias de escala e retornos crescentes: as manufaturas complexas. Houve desindustrialização e reprimarização da pauta exportadora, com avanço das commodities. Em 2014, por exemplo, 5 produtos responderam por quase 50% das exportações brasileiras: ferro, soja, açúcar, petróleo e carnes.
Até mesmo os serviços sofisticados estão regredindo, pois são altamente dependentes das manufaturas ou da agroindústria. O agronegócio per se também precisa se sofisticar para gerar produtividade. O processamento de commodities, o maquinário e mecanização da produção agrícola contribuem obviamente para o aumento de produtividade dos trabalhadores. Mas a geração de empregos aqui tem sido e continuará sendo muito baixa. Ou seja, de maneira resumida, o Brasil trilhou nos últimos anos um caminho de regressão tecnológica e diminuição da sofisticação de seu tecido produtivo, que acabou por resultar em importante estagnação da produtividade geral da economia; um caminho contrario a aquele seguido nos anos 70. O setor de serviços como um todo passou de 60% do PIB para 70% do PIB nos últimos 10 anos. Como mostra o importante estudo da UnB, “Produtividade no Setor de Serviços” no Brasil, o setor concentra hoje 74% da força de trabalho no país e foi responsável por 83 em cada 100 novos postos formais de trabalho gerados nos últimos anos. Ou seja, junto com a destruição dos empregos industriais no país, surgiu uma ampla oferta de vagas nos setores de serviços, especialmente de baixa sofisticação, graças ao boom imobiliário e de consumo. O resultado geral desse movimento somado ao pleno emprego no mercado de trabalho causou enorme aumento de salários, sem contrapartida de melhora na produtividade. O custo unitário de produção aumentou muito no país, pressionando a lucratividade da indústria, desestimulando produção e novos investimentos.
Como resolver esse problema nos próximos anos? Dado que os salários nominais não vão cair, só existem dois caminhos: desvalorização cambial e aumento de produtividade. A desvalorização já está ocorrendo pela via de mercado. O aumento de produtividade poderá vir pelo aumento do investimento em infraestrutura e pela sofisticação tecnológica do tecido produtivo brasileiro (aumento da complexidade econômica): novos mercados e novos produtos, especialmente de natureza industrial. Num mundo ultra competitivo como o atual não será tarefa fácil. Talvez com uma onda de pesados investimentos em infraestrutura e câmbio bem mais desvalorizado seja possível. Sem esse caminho o crescimento deve ficar estagnado por aqui. Esses resultados mostram, conforme já discutido, algo já amplamente debatido no Brasil com diversos outros nomes: desindustrialização, doença holandesa e reprimarização da pauta exportadora. A enorme perda de espaço da indústria brasileira no PIB nos últimos 20 anos significa algo muito simples da perspectiva desse livro: regressão de nossa complexidade econômica. As reformas inciadas nos anos 90 com abertura comercial, privatizações e establizacao da inflação não produziram os resultados esperados; não houve aumento sustentado de nossa renda per capita; não houve aumento da complexidade da economia brasileira em contraposição ao que se viu no sudeste asiático e leste europeu.







Paper ECI e ECI+ aqui:
https://arxiv.org/abs/1707.05826
Podemos ler também que a complexidade produtiva (o ECI) mede o conhecimento acumulado no sistema produtivo de cada pais. Os “complexistas” leem assim. O super conhecimento se revela num super produto com espaço relevante na pauta de exportações

Excelente análise e uso do COMTRADE, faz falta análises como esta (mais pragmática e menos ideológica). É incrivel um país como Brasil com tanto potencial de crescimento e de inovação sigua esta trajetória de atraso. Parabens pelo trabalho. Deixo aqui um link reforçando a necessidade deste tipo de análise: https://economiadebateaberto.wordpress.com/2016/02/24/economista-brasileiro-algumas-dicas-de-como-manter-se-informado/
Obrigado!
Realmente é um ótimo trabalho, bem sintético e vai ao ponto!
Estou analisando as economias argentinas e brasileiras em simultâneo. Meu foco é a evolução da competitividade utilizando a Matriz de Fajnzylber e Mandeng (evolução da estrutura comercial vis à vis a estrutura dos mercados). Para ambas as economias estou achando um ponto de inflexão na década de 1990, quando os padrões de exportação pioram (ou perdem complexidade) e não conseguiram reverter-se. No caso da Argentina, fica claro que a implantação exaustiva do Consenso de Washington e do Plano de Conversibilidade condicionaram a estrutura produtiva e comercial da década e, pelo efeito histerese, dificultaram a re-industrialização. Você acha que algo similar pode ter acontecido no Brasil e, em geral, na América Latina? Os dados são eloquentes. Em 1990, Argentina e Brasil exportavam com destino Ásia em Desenvolvimento 40% e 53% em Manufaturas não baseadas em RRNN, respectivamente, e em 2000 essa proporção cai para 8% no caso da Argentina e 23% no caso do Brasil.
Dito de outra maneira, poderia se considerar que a década de 1990 fosse a década de destruição das estruturas produtivas destas economias?
Sem duvida! Esse é o ponto! Brasil e Argentina não conseguiram se reinventar a partir dos anos 90 como fez o leste da Ásia!
Thanks!
Paulo, poderíamos avaliar que a calamidade econômica vivida atualmente pelo Brasil é devida a reformas ocorridas nos anos 90 que não surtiram o devido efeito, ou por ações governamentais mais recentes que retardaram o processo de liberalização da economia?
Gosto muito dos seus textos e sempre visito o seu blog, parabéns!
A calamidade atual se deve a 4 fatores acho: i)final de bolha de commodities, ii)farra do crédito, iii)lava jato, iv)erros do governo!
Paulo, o seu livro é ótimo. Para a perda da complexidade econômica, o que foi pior? As reformas baseadas no Consenso de Washington dos anos 90 ou o foco em produtos primários nos anos 2000?
PS: a pergunta do colega acima foi sobre a crise atual, por isso a pergunta. Um abraço!
Os dois! Obrigado!
Thanks!
Ótimo Artigo,
Seria o caso também de dar maior independência ao Banco Central, e voltar essa política econômica as industrias ? aonde vemos os últimos ministros da fazenda ligados ao setor financeiro, sabendo que um país não cresce por meio deste
É uma longa história! Rs
“Ate 2007 a indústria brasileira conseguiu ainda acompanhar o boom de demanda aumentando a produção, ainda na esteira da desvalorização cambial de 2002.”
Pode explicar melhor como isso pode fazer algum sentido? Como o aumento da produção industrial no ano de 2007 pode ser ainda um efeito de uma desvalorização cambial ocorrida cinco anos antes?
A dinâmica industrial da era Lula parece contradizer totalmente a narrativa desenvolvimentista. Nesse período, a produção industrial e o valorização cambial aumentaram continuamente. Me parece extremamente forçado dizer que isso ocorreu graças a um câmbio desvalorizado de muito tempo atrás.
https://www.paulogala.com.br/juros-e-cambio-devem-sofrer-forte-queda-no-brasil/Um pouco dessa discussão aqui
Bom artigo. O setor privado não fiz muito nessa irrealidade de melhora na complexidade econômica.
“Cabe não esquecer, entretanto, que as exportações de manufaturados contaram com um vasto rol de incentivos, dentre os quais vale assinalai’ as operações de drawback, o crédito prêmio, a redução do imposto de renda, as isenções tributárias, os incentivos financeiros pré e pós-embarque e o programa Befiex. Tais incentivos, se plenamente utilizados, atingiriam um montante equivalente a cerca de 60% (do veilor FOB das exportações de manufaturados no período
1980-85.18 Por outra parte, estimativas aproximadas indicam que as políticas de incentivo teriam provocado uma transferência anual de recursos públicos ao setor exportador da ordem de 3% do PIB” CRUZ, P (1995).
Para se mudar o Brasil e o mundo, o essencial é o domínio do conhecimento geológico e não o econômico.
Paulo, obrigado pela análise. Acho que existe um ponto a ser considerado que não sei se tem relevância para a sua conclusão, que é o fato de que os valores totais dos bens exportados hoje são muito maiores. Os valores em dólar hoje são mais de dez vezes maiores do que nos anos 80. Então, se isso não for devido apenas a correção inflacionária, houve um ganho competitivo de certos setores mais do que pode parecer. Claro, isso não significa que falte uma política capaz de redirecionar recursos para a diversidade produtiva, que certamente parece não estar em curso. Faz aentido isso?
caro, na china as exportacoes foram a mais de 2 tri U$ ano, na Korea U$ 600bi ano e brasil U$220 bi ano, a dolares de hj
Creio que a principal causa desse movimento é o nosso eterno, e sempre agravado, fracasso na área educacional, tanto por nos desviarmos de um conhecimento são, sem preconceitos, da natureza humana, logo falta-nos liberais, pelo menos em número suficiente para influenciar consistentemente as regras do jogo, como pela ausência de um projeto de estado e nação, que nos permitam dar rumo a alguma coisa, por muito tempo. Sem uma ideia de natureza humana e sem um projeto de nação, não pode haver educação, por falta de meta ou desconhecimento de como chegar a ela.
Paulo: eu só entendo de ‘Economia Doméstica’,..sou Técnico em Telecomunicações,..MAS: Cheguei a Gerência de uma Empresa [Filial/Multinacional] foi AHÍ que Comecei a Enxergar um Pouco Mais ás Qualidades do Território Brasileiro e SUAS POLÍTICAS EXTRATIVISTAS PREDATÓRIAS, Privatizações, Sou Contrário Pois EMPOBRECE O PAÍS COMO UM TODO,..é muito parecido com uma Empresa que Vende Passivos ou Ativos PARA PAGAR SALÁRIOS,..Falência Geral. Obrigado Pela Matéria Esclarecedora,..Espero que o “NOVO GOVERNO” em nosso País não Fique Empurrando com a Barriga, MAS de Alguma Forma Faça um Processo Estanque/Reconstrução.