Desde que comecei a acompanhar o cenário macroeconômico brasileiro, nunca vi uma situação tão boa do ponto de vista de indicadores externos. Nosso nível de reservas, nossas relações de Dívida/PIB e Dívida Éxterna/Exportações, etc… Será que estamos em condições de responder a mais essa rodada de crise cambial? Quais são as ameaças do ponto vista macroeconômico e quais os verdadeiros riscos que corremos? O grande risco de déficits em conta corrente está, como sabemos, na necessidade de financiamento externo para fechar a conta de dólares. Se nosso comércio externo não é capaz de gerar dólares para pagar as contas de rendas, sobra para a conta capital o financiamento do balanço de pagamentos. Ou seja, os fluxos de Bolsa, os títulos, as dívidas e o investimento direto estrangeiro trazem os dólares necessários para fechar o gap externo. O problema dessa estratégia é que são dólares emprestados que vêm, e não genuínos, como no caso da China, por exemplo. A atração de capitais aumenta nosso passivo externo, ou seja, passamos a dever mais para os estrangeiros. Enquanto eles estão otimistas, há financiamento farto. Mas, no caso de uma reversão de humor, o estrago é grande – como vimos no Brasil em 1999, 2002, 2008 e 2015, ou, ainda, na Argentina recentemente, para não mencionar o México em 1995 e a Ásia em 1997.
A situação brasileira hoje é anos-luz melhor do que nas crises dos anos 1970, 1980 e 1990. Temos reservas internacionais e dívida externa sobre PIB na melhor marca histórica. O déficit em conta corrente está praticamente zerado e o investimento direto externo representa quase sete vezes o buraco externo. No colapso do cruzado, tínhamos uma dívida externa que era quase 50% do PIB. Quando quebramos, em 1982, nossas reservas estavam praticamente zeradas. No choque do petróleo, nosso déficit em conta corrente foi quase a 7% do PIB. De fato, por esse prisma estamos bem tranquilos ainda. Em uma comparação internacional, nossa situação também não é má. É fato que os países do leste asiático (Tailândia, Malásia, Indonésia, Coréia do Sul) quebraram em 1997 com déficits em conta corrente que variavam entre 5% e 10% do PIB. Mas muitos outros países conseguiram e ainda conseguem carregar déficits grandes sem crises. Índia e África do Sul são exemplos interessantes. Na rota clássica de uma crise de balanço de pagamentos, o déficit em conta corrente vai aumentando até o ponto em que os estrangeiros deixam de financiar o país com fluxos de capitas. Foi assim com México, Brasil, Argentina, Coréia do Sul, Malásia, Tailândia e Indonésia na década de 1990, com consequências dramáticas para esses países em termos de queda do PIB, desvalorização do câmbio, queda da Bolsa … Em todas essas rotas, especialmente na Ásia, quatro vetores foram fundamentais: o aumento explosivo dos déficits em conta corrente, o crescimento forte do crédito, a bolha nos preços dos imóveis e a bolha nos preços acionários. O motor dessas bolhas macroeconômicas foi, principalmente, a liquidez farta, a forte expansão do credito doméstico e a queda dos juros reais. Eventualmente, o déficit externo atingiu níveis insuportáveis, de 5% do PIB ou mais, e quando o fluxo de capital externo secou, todos caminharam para uma crise externa: o México em 1995, o Brasil em 1999, a Argentina em 2001, a Tailândia, a Coreia, a Malásia e a Indonésia em 1997. O Brasil de 2010 a 2014 preencheu alguns dos requisitos. O déficit em conta corrente subiu para mais de 4% do PIB e o crédito mais do que dobrou, de 25% para quase 60% do PIB. Os preços imobiliários subiram de forma impressionante. Em 2015 a crise veio com força em um contexto de aceleração inflacionária, incertezas políticas e grande deterioração das contas públicas.
Desde o estouro da crise em 2015, nossas importações despencaram em US$ 100 bilhões por ano. Não há demanda interna por bens duráveis, bens de capital e bens intermediários como antes. O investimento direto estrangeiro permaneceu e as exportações de commodities seguiram compensando a queda de preços com aumentos de volume. Os swaps foram quase zerados e agora voltaram a subir para a casa dos US$ 70 bilhões. O país não está mal em termos de perfil da dívida externa. Em termos de fluxo, está melhor ainda com a conta corrente praticamente zerada. Como não há perspectiva de aceleração relevante da economia nos próximos anos, as importações devem seguir controladas. A ameaça externa e uma grande crise cambial permanecem relativamente baixas, mesmo em um contexto de incerteza eleitoral e processo de alta dos juros nos EUA.