Bolhas econômicas são ruins?

*escrito por Andre Roncaglia

É equivocada a visão estritamente negativa sobre bolhas financeiras. Primeiro, nem toda bolha estoura, disparando crises sistêmicas. Segundo, este fenômeno pode ser bastante útil ao ciclo inovativo, como demonstra CarlottaPerez em seu livro Revoluções Tecnológicas e Capital Financeiro. Evidentemente, o resultado do processo (crise ou expansão continuada) vai depender do sistema de governança econômica. De forma simplificada, depende da natureza e da abrangência da atuação do Estado. Vejamos.

Há bastante desperdício de recursos no processo de inovação. Afinal, há um vasto cemitério de ideias para cada inovação disruptiva. Este tipo de inovação é importante por que altera processos, rotinas e a organização das cadeias produtivas. Este é o caso dos semicondutores, cuja descoberta redesenhou todas as cadeias globais de valor, possibilitando a coordenação de fábricas dispersas por todo o planeta em uma linha de produção “imaginária”.

Uma Bolha é uma maneira pela qual um sistema descentralizado aglutina recursos maciços para “apostar” em determinado(s) setor(es). Como a seleção de inovaçãovia mercado ocorre por concorrência, não poderão prosperar todas as apostas em empresas disputando a primazia de uma inovação em um mesmo setor. Capitalismo é baseado em “winner takes all” ou, como diria o editor deste blog, “o leão come carne”.

Já numa economia com amplo controle do Estado sobre a economia, as bolhas também podem ocorrer via sistema estatal de crédito, turbinando investimentos em setores definidos como estratégicos por um órgão central de planejamento. Há também bastante “desperdício” de recursos. A cooperação integrada em um amplo sistema de inovações não altera a dificuldade de se produzirem inovações. É um caminho igualmente caro. Em ambos os casos, a bolha precisa ser administrada para que o “desperdício” de recursos não produza perdas generalizadas e irrecuperáveis de bens de capital. A diferença entre os dois modelos diz respeito ao critério de seleção dos projetos.

No sistema de mercado, impera a rentabilidade (com prazos bem curtos, se muito financeirizado) e o foco é a capacidade de retorno (conversível em ativos líquidos) a ser apropriado pelo agente da decisão (individual ou corporativo), para reinvestimento naquele setor ou em novos mercados. Em sistemas descentralizados, a gestão das bolhas fica a cargo somente dos Bancos Centrais que precisam “retirar o álcool da festa” logo que a diversão começa. Assim, apenas os projetos mais rentáveis naquele prazo sobreviverão, mesmo que sua utilidade social seja elevada. Jamais saberemos quantas boas inovações foram interrompidas pelo estouro da bolha das pontocom em março de 2000. Quem não estava rentável à época da crise, perdeu seus benfeitores financeiros e fechou o negócio.

No sistema de planejamento, em geral, o critério de seleção é a utilidade social, sendo o retorno dos investimentos composto tanto por rentabilidade financeira (ou tributária) quanto pelo retorno social na forma de ativos mais difusos (conhecimento e equipamentos públicos etc.). A experiência chinesa sugere uma capacidade maior de sistemas centralizados em administrar bolhas, pela capacidade de redirecionar de forma gradual os recursos que inflam as bolhas recorrentes em economias em expansão. Contudo, a capacidade organizacional é crucial para o sucesso. A liderança de Xi Jinping também tem se mostrado imprescindível, como mostra o livro de Bob Orlik, China: the bubble that never pops. Para desespero dos sabichões liberais, a China parece imune àsinúmeras crises chinesas, previstas nos últimos 20 anospelos analistas ocidentais.

Assim, as bolhas sempre orientam a acumulação de capital em setores com amplo “reconhecimento social” quanto à sua prioridade no uso da energia financeira da sociedade. No planejamento, a engenhosidade empresarial é direcionada pela utilidade social. Já os mercados “igualam” a utilidade social à rentabilidade.Como toda ação empresarial é um salto rumo a um futuro incerto, os dois sistemas estão sujeitos a excessos, desvios de rota e problemas de coordenação. O que difere écapacidade dos sistemas em conformar as bolhas ao anseiocoletivo pelo progresso econômico, gerando a melhor relação entre “desperdício” e retorno das inovações. O sucesso na gestão das bolhas parece depender de quão determinantes são os bens públicos em cada fase do ciclo inovativo. Nas últimas décadas, os ventos parecem favoráveis à direção do planejamento estatal.

No tocante às bolhas, portanto, a única generalização possível é negativa: bolhas não são necessariamente fenômenos indesejáveis. Elas são o preço de ousarmos, como sociedade, experimentar novos processos e novas tecnologias. Como sempre, a avaliação do preço depende do resultado obtido. E este depende do modelo de governança econômica.

André Roncaglia é professor de economia da EPPEN-UNIFESP e co-autor do livro “Brasil, uma economia que não aprende”. Youtube: andreroncaglia , Twitter: @andreroncaglia.

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