Bretton Woods revival, política cambial e a redução da pobreza na China

A China representa atualmente um bom exemplo da estratégia de política cambial perseguida pelos asiáticos. No seu relatório de 1993, o Banco Mundial também ressalta a importância de uma política de desvalorização cambial deliberada do governo chinês presente na estratégia de promoção de exportações e crescimento desde o final dos anos 70 (World Bank 1993, pg.59, ver também Medeiros 1997, pg.303). A estratégia chinesa, que segue os passos da Coréia do Sul e do Japão, de manter um câmbio permanentemente desvalorizado tem levado a um crescimento sustentado do estoque de capital e produto do país. Um câmbio relativamente desvalorizado estimula exportações, promove o investimento e, portanto, favorece a acumulação de um estoque de bens de capital de alto padrão voltado para a produção de bens comercializáveis (para uma análise do caso japonês, ver Eichengreen e Hatase 2005).

O livre funcionamento do mercado cambial, associado a liberdade de fluxos de capital, provocaria um ajustamento dos excessivos superávits na conta comercial e na conta corrente da China através de uma apreciação cambial. Um câmbio mais apreciado estimularia o consumo de bens importados, revertendo o saldo da balança comercial e desestimularia o investimento na produção de bens comercializáveis a partir de uma mudança de preços relativos. O ponto interessante nesse argumento é que a intervenção do governo do mercado cambial através da aquisição maciça de reservas cria uma distorção favorável ao crescimento. Não está claro se uma estratégia de câmbio flutuante, com decorrente apreciação, seria então melhor para a China hoje (ver Eichengreen 2004).

No arranjo atual da economia global, Dooley et al (2003) identificam três regiões distintas em termos de estratégia de política econômica. O centro do sistema é formado pela economia americana que não tem grandes preocupações com o comportamento de sua taxa de câmbio já que são emissores da moeda reserva do sistema internacional. Os déficits em conta corrente americanos decorrentes do excesso de absorção sobre a produção das empresas, famílias e governo são financiados com poupança externa dos países que se encontram na chamada “current account region”, composta basicamente por países do sudeste asiático. Estes têm como estratégia exportar poupança para a economia americana através de uma produção maior do que suas necessidades de absorção, crescem, portanto, com despoupança externa. As “capital account regions”, compostas principalmente pela Europa e América Latina, optaram por se integrar financeira e não comercialmente ao sistema global. Nessa estratégia, a manutenção de um superávit na balança comercial e nas contas correntes não é prioritária.

Como o superávit comercial e em contas correntes é uma meta da “current account region”, sua estratégia básica é praticar um câmbio relativamente desvalorizado com fortes intervenções no mercado cambial. Em caso de necessidade podem também utilizar controles de capital, como na China, que auxiliem nessa tarefa. A maior dificuldade dessa estratégia é evitar pressões especulativas no sentido de apreciação da moeda. O acesso a fundos é dificultado a agentes privados e o governo controla o mercado de câmbio através da autoridade monetária que compra reservas e as aplica em títulos americanos. No caso dos países das “capital account regions”, os eventuais superávits em conta corrente se transformam em apreciação cambial que reduz ou anula o estímulo exportador. Nesse modelo, privilegia-se o retorno das aplicações dos agentes privados no sistema internacional. Esses países operam sem controles de capital e com câmbio flutuante.

Em termos históricos, esse arranjo reproduz o esquema da economia mundial no pós-guerra. No arcabouço original de Bretton Woods, o centro do sistema eram os Estados Unidos e a periferia a Europa Ocidental e Japão. A estratégia de reconstrução dessas economias seguia o padrão observado hoje. Através de um crescimento liderado pelo setor exportador, os países destruídos na guerra reconstruíram seu estoque de capital. Praticavam taxas de câmbio fixas e controles de capital que contribuíam nessa direção, sendo importante notar que à época os controles de capital eram obrigatórios e não opcionais. Com o desenvolvimento econômico surgiu naturalmente um lobby contrário aos controles de capital que seriam abolidos no início dos anos 70. O desenvolvimento industrial levou a um desenvolvimento financeiro que no final do processo desmontou o arranjo de Bretton Woods.

Segundo Dooley et al (2003), atualmente a periferia foi recarregada e assistimos a um processo parecido com que se observou entre os anos 50 e 70. Uma das questões que ainda não está clara dentro desse contexto é a sustentabilidade dos déficits americanos. A visão padrão contida nas idéias do consenso de Washington teme um ajustamento abrupto desse arranjo que traria conseqüências negativas para a economia americana e para o resto do sistema mundial. Na visão do sistema de Bretton Woods revivido, esse ajustamento seria gradual e ainda poderia levar muito tempo. Como destacam, o arranjo é funcional para o desenvolvimento da região asiática que vem crescendo de forma sustentada e incorporando mão de obra ociosa ao seu mercado de trabalho nos últimos anos (Dooley et al 2004a). Segundo os autores, somente a China contaria ainda com 200 milhões de trabalhadores que poderiam entrar no mercado de trabalho. Essa a estratégia de desenvolvimento da “current account region” que é plenamente compatível com os objetivos americanos atuais de crescimento com endividamento. Dentro dessa lógica, a apreciação do dólar frente às moedas asiáticas significa acréscimo do componente consumo do gasto americano e redução de suas exportações como espelho do balanço de pagamentos asiático.

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Referencias

EICHENGREEN, B., (2004) “Chinese Currency Controversies”PRIVATE “TYPE=PICT;ALT=Yellow bear paw”, presented to the Asian Economic Panel, 12-13 April, a revised and edited version is forthcoming in Asian Economic Papers.

________________ e HATASE, M., (2005) “Can a rapidly-growing export-oriented economy smoothly exit an exchange rate peg? Lessons for China from Japan’s high-growth era”, NBER Working Paper n.11625, September, Cambridge, MA.
DOOLEY, M., P., LANDAU, D., F., e GARBER, P., (2005) “Interest rates, exchange rates and international adjustments”, NBER Working Paper 11771, November.

_________________________________________, (2004a) “Revived Bretton Woods End Game: direct investment, rising real wages and the absorption of excess labor in the periphey”, Festschrift in honor of Guillermo A. Calvo, IMF, April.

_________________________________________, (2004b) “The revived Bretton Woods System: the effects of periphery intervention and reserve management on interest rates and exchange rates in center countries”, NBER Working Paper 10332, March.

________________________________________, (2003) “An Essay on the revived Bretton Woods System”, NBER Working Paper 9971, September.

MEDEIROS, C., A., (1997) “Globalização e a inserção internacional diferenciada da Ásia e América Latina” in Poder e dinheiro, uma economia política da globalização, Maria da Conceição Tavares e José Luiz Fiori (orgs.), ed. Vozes, Petrópolis, RJ.

WORLD BANK (1993) The East Asian Miracle, economic growth and public policy, Oxford University Press, NY

 

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