*escrito para o BLOG por Henrique Fernandes Alvarez Vilas Porto
Argentina e Brasil possuem em comum o fato de serem países latino americanos que, apesar de não desenvolvidos, possuem capacidade industrial para fabricação de aeronaves. Entretanto, o Brasil, com a Embraer, traçou um caminho até o momento vitorioso, com essa empresa sendo a maior exportadora do país de produtos manufaturados e a terceira maior fabricante de aeronaves do mundo. A Fábrica Militar de Aviones (FMA), atual Fábrica Argentina de Aviões (FAdeA), no entanto, apesar de seu crescimento promissor em meados do século passado, se tornou apenas sombra dessa promessa. Que fatores foram determinantes para essa diferença entre as trajetórias? A FMA foi criada em outubro de 1927, tendo se tornado importante desenvolvedora de aeronaves, com um repertório de 58 aviões desenhados, 25 colocados em processo de produção, totalizando cerca de 1300 exemplares produzidos. Ao desenvolver o caça a jato IA-27 Pulqui I, em 1947, o país se tornou o quinto no mundo a dominar essa tecnologia e o primeiro da América Latina. Durante o primeiro governo de Juan D. Perón (1946-1955), a empresa, assim como a indústria de defesa como um todo, recebeu forte estímulo do Estado. Nesse período, o governo convidou para o país o ex-engenheiro alemão Kurt Tank e sua equipe, que trabalhavam na empresa Focke-Wulf e foram responsáveis pelo desenvolvimento do famoso caça FW-190, um dos mais importantes da Luftwaffe durante a Segunda Guerra Mundial.
Tank e sua equipe foram responsáveis pelo desenvolvimento do IA-33 Pulqui II, versão melhorada do primeiro caça a jato, que realizou seu primeiro voo em 1950. Esse programa estabelecia a fabricação de um primeiro lote com 10 unidades, para o qual se obteve licença da Rolls Roice para a fabricação local das turbinas. Entretanto, após o golpe de 1955 que resultou na queda de Perón, os projetos foram descontinuados e Kurt Tank e sua equipe se mudaram para a Índia. Apesar das dificuldades, com apoio do Instituto de Investigaciones Aeronáuticas y Espaciales (IIAE), a FMA mantém o desenvolvimento de aeronaves, como o avião de ataque IA-58 Pucará, projeto iniciado nos anos 60 que teve suas primeiras unidades entregue a FAA em 1975 (totalizando 100 unidades). O IA-58 foi exportado para Uruguai, Colômbia e Sri Lanka, sendo a única aeronave do lado argentino a obter vitórias aéreas durante a Guerra das Malvinas (1982), abatendo dois helicópteros britânicos.
IA-58 Pucará
Em 1986, os governos de Brasil e Argentina firmam parceria para desenvolver um avião para 19 passageiros, o CBA-123 Vector (CBA – Colaboração Brasil-Argentina). Embraer e a FMA se associaram e desenvolveram a aeronave que, apesar de não sair da fase de protótipo, incorporou uma série de tecnologias ao processo produtivo das empresas, além de grande conhecimento técnico. Em 1993, durante o governo de Carlos Menem, IIAE é fechado e em 1995 a FMA tem seu controle privatizado, concedido durante 25 anos, renováveis por mais 10, para a famosa produtora de armamentos norte-americana Lockheed Martin, se tornando Lockheed Martin Aircraft Argentina S/A (LMAASA). Sob controle da multinacional a empresa deixa de desenvolver novos produtos de defesa, se concentrando apenas na prestação de serviços e melhorias em aeronaves já produzidas, como o treinador a jato IA-63 Pampa, que recebe a instalação de novos equipamentos.
Em 2009, durante o governo Kirchner, a empresa é estatizada como tentativa de reestruturar o setor de defesa do país e a capacidade de desenvolvimento. No momento ela participa do programa KC-390, da Embraer, que deve ser adquirido pela FAA, executa a modernização das aeronaves de patrulha marítima P-3 Orion e busca exportar a última versão de seu treinador e avião de ataque leve, IA-63 Pampa III. Embraer e a FMA seguiram caminhos similares até meados dos anos 90. Obviamente, que as diferenças do tamanho das economias de ambos os países, bem como os problemas mais complexos das finanças argentinas, ajudam a explicar em grande parte o porquê da empresa brasileira ter tido maior sucesso no mercado internacional.
Mas alguns outros fatores foram determinantes para o sucesso da empresa brasileira se comparado a similar Argentina. Primeiro, o processo de privatização da Embraer foi mais cuidadoso, respeitando os interesses geopolíticos do país, mantendo o Estado brasileiro como agente importante da empresa, com capacidades de veto na venda do controle e em decisões importante, ao mesmo tempo que possibilitava o engajamento dos investidores privados em projetos de retorno em longo prazo. No caso da FMA, o Estado argentino colocou em uma empresa estrangeira a responsabilidade pelo desenvolvimento de novas tecnologias no setor de defesa, o que acabou tendo efeito oposto. A FMA perde a capacidade de desenvolvimento de novas aeronaves, após a privatização, com a Lockheed utilizando a empresa como mera prestadora de serviços para a matriz.
Outro fator determinante é que a Embraer conta com forte apoio das instituições públicas de ensino e pesquisa, bem como do financiamento do Estado para desenvolver novas tecnologias e melhorar sua capacitação industrial. Nesse sentido, a empresa pode absorver diversas tecnologias em projetos para o setor público, como o avião de ataque AMX, que resultaram em maior capacitação para o desenvolvimento de projetos para o mercado civil. No caso argentino, o IIAE é dissolvido pouco antes da empresa ser privatizada e o Estado reduz a sua participação no desenvolvimento científico e tecnológico em um campo em que a participação dos entes públicos é fundamental.A ausência de continuidade em um projeto de desenvolvimento também ajudou a prejudicar a FMA, que acabou sofrendo com as turbulências políticas do país desde os meados do século passado.
IA-63 Pampa (na foto)
Fontes:
DE MORAES, Rodrigo Fracalossi. A Indústria de Defesa Argentina. Boletim de Economia e Política Internacional, IPEA, Nº6, 2011. Disponível em: < http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/4619/1/BEPI_n6_industria.pdf >.
PLAVETZ, Ivan. 40 Anos da Embraer: Uma História de Conquistas. Tecnologia&Defesa, Ano 26, Nº118, 2009.
SALVATORE, Alfredo. Pampa! Alfredo Salvatore voa o AT-63 sobre os Andes. Revista Força Aérea, nº 68, fev/mar 2011.