*escrito por Uallace Moreira
Durante o período recente em que a política industrial e de inovação ganhou mais centralidade na China ficou mais claro que o país passa longe ainda de ser um sistema econômico liberal. Na administração do presidente Hu Jintao (2003-2012), por exemplo, a política industrial teve um caráter considerado mais estatista, com o governo promovendo grandes projetos de infraestrutura em grande escala, implementando medidas de proteção para as estatais e desacelerando o ritmo das reformas de mercado. A ideia era permitir que as empresas chinesas recuperassem a participação de mercado contra as empresas estrangeiras que ingressaram no país na década anterior. As maiores empresas estatais foram reorganizadas sob uma agência do governo central com o objetivo de transformá-las em campeãs globais.
A State Owned Assets Supervision and Administration Commission (SASAC) criado por Hu Juntai, tem como finalidade atuar como acionista do governo em quase duzentos grupos empresariais estatais controlados centralmente. Em vez de o próprio Conselho de Estado tentar descobrir como exercer seus interesses de propriedade no vasto império empresarial nominalmente sob seu domínio, a SASAC assumiu a responsabilidade de nomear a alta administração e responsabilizá-la pelo cumprimento de metas financeiras, como retorno sobre ativos e mercado ações assim como crescimento da produção, inovação e maior inserção internacional, da mesma forma que um acionista controlador de uma empresa normalmente faria.
Sobre a relação entre governo, empresas estatais e empresas nacionais, Kroeber (2016) afirma que a China tem um setor privado grande e em rápido crescimento, que, no agregado, responde pela maior parte da produção econômica e do emprego, e sua participação em ambos está aumentando. Mas as empresas privadas são, em média, pequenas. A esmagadora maioria das maiores empresas da China é estatal, e as empresas estatais dominam virtualmente todos os setores capital-intensivos. A participação do setor estatal nos ativos nacionais é muito maior do que em qualquer outra grande economia. As empresas estatais comandam uma parcela dos recursos (como capital financeiro, terras e energia) muito maior do que sua contribuição para a produção econômica e também são partes integrantes da estrutura de poder político. Frequentemente, são usadas como instrumentos de política macroeconômica e regulamentação do setor, em vez de instrumentos formais e regulamentares relativamente fracos. Portanto, o poder e a importância das empresas estatais são muito maiores do que o implícito apenas nas estatísticas econômicas sobre a redução do número das empresas estatais no país.
Para Kroeber (2016), para entender essa dinâmica empresarial é necessário compreender o chamado “sistema empresarial chinês”, o qual é essencialmente um mecanismo de organização da propriedade estatal, mas tem implicações na maneira como o setor privado se desenvolveu, com a SASAC (State Owned Assets Supervision and Administration Commission) exercendo um papel estratégico na coordenação das empresas estatais e da atuação das empresas privadas. Para se ter uma ideia dessa articulação, com a ascensão e acirramento dos conflitos entre China e EUA, o presidente Xi Jinping e o Comitê Central do Partido Comunista traçaram um plano para a chamada “Nova Era”, em que o partido tenha melhor controle sobre os negócios privados na China. O plano, intitulado e anunciado como “Opinion on Strengthening the United Front Work of the Private Economy in the New Era” − detalhado em um comunicado de 5.000 palavras – orientava que todas as regiões e departamentos do país fossem instruídos a seguir as novas diretrizes. A declaração tem como finalidade melhorar o controle do Partido Comunista sobre a iniciativa privada e empreendedores por meio do United Front Work, com a ideia de “melhor focar a sabedoria e o fortalecimento dos empresários privados no objetivo e na missão de realizar o grande rejuvenescimento da nação chinesa”.
Xi Jiping tem usado vários instrumentos para fortalecer as empresas estatais no país e, ao mesmo tempo, ter maior controle sobre as empresas privadas. está instalando mais funcionários do Partido Comunista em empresas privadas e exigindo que os executivos adaptem seus negócios para atingir as metas do Estado. Com essa política, verifica-se que proporção das empresas privadas que possuem Comitês do Partido Comunista na sua estrutura organizacional aumentou de 4% para 48% em 25 anos.
As organizações partidárias são mais difundidas nas grandes empresas, presentes em 92,4% das 500 maiores empresas privadas da China, de acordo com o relatório anual “500 maiores” de 2019 da ACFIC. Essa participação na indústria é de 62%. Para mostrar como “mercado” é predominante na China, vejam como Xi Jinping, pessoalmente formou um consenso para tomar medidas contra o IPO, do Jack Ma. Na China, Xi Jinping deixa claro que a soberania nacional está acima de tudo. Como resultado do controle do governo sobre as empresas e na disputa entre Jack Ma e Xi Jinping, Jack Ma ofereceu o braço financeiro da Alibaba para apaziguar as relações com Xi Jinping. Em artigo recente, Elias Jabour mostrou a peculiaridade da “estatização à chinesa”, analisando o processo atual de crescimento das forças das estatais na China nas empresas privadas. esta nova formação econômico-social seria uma síntese de quatro décadas em que de forma paciente os chineses foram lançando ondas de inovações institucionais que foram levando o Estado a um cada vez maior “protagonismo qualitativo”, incluindo desde a construção de musculosos braços produtivos e financeiros estatais, passando pela incorporação – via estatais – à economia real de novos aportes em matéria de planificação econômica
Fontes:
KROEBER, Arthur. China’s Economy – What Everyone Needs to Know. Oxford University Press 2016.
https://vermelho.org.br/2020/12/18/estatizacao-a-chinesa-por-luiz-g-belluzzo-elias-jabbour/
https://www.wsj.com/articles/china-xi-clampdown-private-sector-communist-party-11607612531
https://macropolo.org/party-committees-private-sector-china/?rp=e