A previsão para 2023 é que o Brasil cresça 3%, com uma queda significativa na taxa de desemprego para 7,8%, o nível mais baixo desde 2013. As reservas cambiais do país continuam robustas com quase U$350 bilhões e a balança comercial deve registrar um superávit de 80 bilhões de dólares, um recorde histórico. Embora haja preocupação com o resultado fiscal no próximo ano, a expectativa é que o déficit primário fique em torno de 50 bilhões de reais. Além disso, a inflação está convergindo para níveis mais baixos, com previsão de queda para 5% nesse ano e três 3,5% no próximo ano. Quanto às taxas de juros, espera-se mais duas reduções neste ano na SELIC chegando a 11,75%, e uma queda no próximo ano, possivelmente abaixo de 10%, dependendo da situação econômica dos Estados Unidos e dos preços do petróleo. Isso contribui para um cenário positivo no crédito, que vinha sofrendo com o aumento das taxas de juros no pós-pandemia. Com a perspectiva de redução das taxas de juros no Brasil e, provavelmente, nos Estados Unidos no segundo semestre de 2024, as perspectivas de crédito para o Brasil, os Estados Unidos e os mercados emergentes são promissoras.
O saldo da balança comercial brasileira até agosto de 2023 já foi maior do que em todo o ano passado, e no mês de setembro passou em termos acumulados no ano de US$ 71 bilhões. Os dados que já temos para 2023 apontam para um superávit em nossa balança comercial de mais de US$ 80 bilhões, um feito histórico. Na mente dos investidores estrangeiros, o Brasil se consolida como o paraíso das commodities, o que ajuda a trazer dinheiro ao país. Por tudo isso, o real readquiriu seu status de “commodity-currency”: moedas que se apreciam muito em booms de commodities. O Brasil já está no time de países com maiores reservas de petróleo do mundo graças à descoberta do pré-sal. Em 2023 estaremos entre as dez maiores produções de petróleo do planeta, com quase 4% da oferta mundial. O custo de exploração se revelou muito menor do que se imaginara e a qualidade do petróleo do pré-sal é muito boa. Passamos de uma produção de 1 milhão de barris dia no início dos 2000 para perto de 3 milhões por dia em 2023; em 2030 deveremos chegar a 5 milhões de barris por dia. Nosso setor de mineração segue também robusto. Os grandes projetos da Vale se concretizaram, com destaque para o S11D em Carajás, com uma das maiores capacidades produtivas do mundo. Nosso volume de exportação é enorme, além do boom de preços do mineiro de ferro, níquel, litium, cobre, etc. Para se ter ideia da força de Vale e Petrobras, basta observar que nos últimos anos essas duas companhias distribuíram mais dividendos do que todas as empresas da bolsa brasileira somadas. O Brasil tem praticamente todos os minerais necessários a transição energética e climática do planeta.
No setor agro a situação também é exuberante. Nossa safra deve superar 300 milhões de toneladas de grãos em 2023; em 2000 esse número era de 100 milhões de toneladas ano. O setor teve um superávit externo de mais de U$100 bilhões nos últimos 2 anos, compensando nosso déficit de bens tecnológicos e industriais. Nos últimos anos o saldo negativo do setor industrial tem ficado próximo a US$ 50 bilhões, o pior resultado desde 2015, mesmo num ano em que o superávit total da balança fechou em nível recorde. O boom de preços de commodities decorrente da pandemia e do conflito com a Ucrânia acabou favorecendo o Brasil pela via da alta de preços de bens agrícolas e energéticos, apesar do risco de falta de fertilizantes. A alta de preços de commodities sempre nos favoreceu no passado, inclusive quando viramos grau de investimento em 2008. Nesse cenário não teremos falta de dólares e investidores estrangeiros seguirão comprando Brasil. Nosso grande desafio continua sendo, entretanto, gerar empregos de qualidade para 100 milhões de trabalhadores. Sem a recuperação de nossa indústria não conseguiremos tamanha façanha. O atual boom de commodities resolve nosso problema de divisas e ajuda no controle da inflação pela via da apreciação da moeda brasileira; fica faltando ainda a essencial retomada de nosso desenvolvimento industrial e tecnológico.
O desafio do emprego de qualidade no Brasil
O Brasil tem hoje 8,4 milhões de pessoas desempregadas. A subocupação por insuficiência de horas trabalhadas atinge um contingente de 5,3 milhões de pessoas; significa que os trabalhadores gostariam de trabalhar muito mais só que não encontram as oportunidades. A população desalentada que desistiu de procurar emprego está em 3,6 milhões de pessoas. O número de empregados com carteira de trabalho assinada no setor privado está em 37,2 milhões de pessoas. Por outro lado, o número de empregados sem carteira assinada no setor privado foi o maior da série, com 13,2 milhões de pessoas. Os trabalhadores por conta são 25,4 milhões de pessoas. O setor público emprega 12,2 milhões de pessoas. A força de trabalho está hoje estimada em 108,1 milhões de pessoas, o maior contingente da série histórica. O rendimento real médio do trabalho no Brasil está R$ 2.947 por mês.
A melhora da qualidade de empregos e aumento de salários no Brasil só virá quando conseguirmos retomar um processo de crescimento econômico e sofisticação produtiva. Num primeiro momento de desenvolvimento econômico as economias pobres empregam a maioria de seus trabalhadores na agricultura com salários baixos. O progresso se dá num segundo momento pela industrialização; trabalhadores são transferidos dos setores agrícolas de subsistência para manufaturas com produtividade mais elevada. Parte das pessoas que migram para as cidades não conseguem empregos na manufatura e vão para o setor de serviços menos sofisticados (varejo, garçons, atendentes). Se o processo de desenvolvimento avança, novos empregos são criados em manufaturas high tech e serviços sofisticados (finanças, advocacia, marketing, TI, design). A disseminação de empregos em setores de manufatura high tech e serviços sofisticados, de alta produtividade, puxam para cima também os salários dos outros setores. Alguns países não conseguem chegar nesse estágio e ficam presos no que os economistas chamam a armadilha de renda média, com indústrias de mais baixa complexidade tecnológica e serviços de baixa complexidade: é o caso do Brasil. Passamos por um vigoroso processo de industrialização, mas não conseguimos passar de um nível de domínio tecnológico intermediário. Um país rico é aquele que domina alguns nichos de indústrias altamente sofisticadas e serviços também altamente sofisticados que caminham de mãos dadas com as indústrias high tech. Países mais ricos são capazes de produzir bens sofisticados e não sofisticados, países mais pobres são capazes de produzir apenas os bens de baixa sofisticação. Setores manufatureiros high tech e de serviços sofisticados são capazes de pagar salários muito altos.
Países ricos empregam muita gente em seus setores manufatureiros e de serviços sofisticados e têm uma estrutura produtiva complexa. Países pobres não foram capazes de constituir uma estrutura produtiva complexa para empregar seus trabalhadores em setores sofisticados capazes de pagar salários mais elevados. China e Índia têm uma porcentagem baixíssima da população em setores de serviços sofisticados e uma população total enorme. Conseguiram avançar no emprego de trabalhadores no setor manufatureiro e estão caminhando aceleradamente na construção de um sistema produtivo complexo. No outro extremo existem países como Alemanha, Coreia do Sul e Japão com um enorme setor de serviços sofisticados, muita gente empregada no setor manufatureiro e uma estrutura produtiva altamente complexa. No Brasil a situação do emprego só vai melhorar de fato se voltarmos a crescer num processo de sofisticação produtiva voltada tanto para o mercado doméstico quanto mundial. O setor de serviços, o consumo das famílias e a produção agro e de commodities vão bem no momento. Nosso desafio está na retomada da indústria que ainda hoje produz em níveis 20% menores do que em 2011.
Brasil, a potência verde do planeta
A produção industrial da China supera já os 3 trilhões de dólares por ano; para os EUA esse número é de U$2 trilhões e no Brasil não chegamos a U$200 bilhões. Será muito difícil para a indústria brasileira competir com a escala chinesa ou com a excelência tecnológica americana. Nos resta a opção de explorar nichos em que temos vantagens comparativas fortes, sendo a sustentabilidade talvez a maior oportunidade de negócios para o Brasil. Hoje mais de 10 % de nossa energia elétrica já vem de parques eólicos do Nordeste, inclusive com produção de turbinas eólicas por empresas brasileiras. Já produzimos mais energia elétrica em parques eólicas do que em Itaipu, que já era uma energia limpa. Isso é simbólico. Temos polos relevantes e espalhados pelo país para produção de hidrogênio verde, etanol, biogás, fertilizantes verdes, petroquímicos sustentáveis e outros tipos de biocombustíveis. Em energia solar o Brasil é o 13º produtor do mundo com produção de 15,3 GW, mas temos potencial de chegar a mais de 50 GW até 2026. O líder mundial atual é a China com 306,4 GW de capacidade. Há várias novas fronteiras em que o Brasil já está se reindustrializando. Há um incrível pólo de hidrogênio verde sendo construído no Ceará, no complexo industrial do porto de Pecém. É um típico caso de industrialização verde com plantas capazes de produzir hidrogênio com energias limpas, que pode resultar em amônia verde; insumo fundamental para nossa cadeia produtiva de fertilizantes. Em etanol o Brasil é uma das referências mundiais; vale destacar aqui o etanol de segunda geração, feito com o bagaço da cana e o etanol de milho, que é uma área de industrialização que avança no Centro-Oeste. Estamos desenvolvendo parcerias com a África do Sul, por exemplo, em relação à tecnologia da cana-de-açúcar e do etanol. Temos muito a exportar e a ensinar ao mundo sobre tecnologias do etanol de primeira e de segunda geração. Os motores flex são um desenvolvimento da indústria brasileira. Também começamos a caminhar em relação aos veículos elétricos, especialmente ônibus elétricos totalmente brasileiros. Também avançamos em biogás e biometano, uma outra fronteira interessante de reindustrialização e de grande oportunidade para o Brasil.
Precisamos avançar nos desenhos de políticas públicas e marco regulatório para essa transição verde. Na parte do marco regulatório do hidrogênio verde, por exemplo, estamos atrás do Chile, considerado hoje a referência da américa Latina. O Brasil está com tudo na mesa para produzir em escala mundial o hidrogênio verde, o etanol, o etanol de segunda geração, energia solar e eólica, mas existe ainda um custo de transição que precisa ser superado. Os parques eólicos do Nordeste, por exemplo, se devem em grande medida ao risco que o BNDES tomou lá atrás para fazer esse investimento. Tiveram enorme sucesso. O risco envolvido nos investimentos de transição energética não é baixo e muitas vezes o setor privado sozinho não abraça. Por isso temos que pensar em soluções público-privadas criativas como já fizemos no passado. Esse salto pode nos trazer enorme vantagem no cenário competitivo global. O ESG deveria ser visto como core business e atividade principal para empresas brasileiras e não apenas como uma questão de compliance. Temos uma oportunidade de ser um dos grandes líderes mundiais em tecnologias verdes. Hoje somos vistos por estrangeiros como um paraíso das commodities mas poderemos no futuro ocupar a posição de paraíso da energia verde. Não podemos perder essa janela de oportunidade.