Como a Coréia do Sul superou a armadilha da renda média? (E o Brasil não)

A Coreia do Sul é frequentemente citada como um exemplo de país que conseguiu superar a armadilha da renda média e se tornar uma economia de alta renda, enquanto o Brasil ainda enfrenta desafios nesse aspecto. Existem várias razões que contribuíram para essa diferença de desempenho entre os dois países. Vou explicar algumas delas:

  1. Investimento em capital humano: A Coreia do Sul priorizou fortemente a educação e o desenvolvimento de habilidades de sua população. Investimentos significativos foram feitos na formação de uma força de trabalho altamente qualificada e adaptável, garantindo uma base sólida para a inovação e a produtividade.
  2. Foco na inovação e tecnologia: A Coreia do Sul investiu pesadamente em pesquisa e desenvolvimento, bem como na adoção de tecnologias avançadas. Isso permitiu que o país se destacasse em setores de alta tecnologia, como eletrônicos, automóveis, TI e telecomunicações. O estímulo à inovação impulsionou o crescimento econômico e a competitividade internacional.
  3. Políticas industriais direcionadas: O governo sul-coreano adotou políticas industriais estratégicas, apoiando setores específicos que apresentavam vantagens comparativas e potencial para crescimento. Programas de incentivos fiscais, subsídios e apoio à pesquisa foram implementados para impulsionar o desenvolvimento desses setores.
  4. Abertura econômica e integração global: A Coreia do Sul adotou uma postura pró-comércio exterior, buscando ativamente a abertura de mercados e a assinatura de acordos comerciais. Isso permitiu que o país se beneficiasse do acesso a mercados internacionais e impulsionou sua capacidade de competir globalmente.
  5. Estabilidade política e governança eficaz: A Coreia do Sul manteve um ambiente político estável, com instituições eficientes e governança sólida. Isso proporcionou um ambiente favorável para investimentos, crescimento econômico e implementação de políticas consistentes ao longo do tempo.

Em contrapartida, o Brasil enfrentou desafios na superação da armadilha da renda média. Algumas das razões incluem:

  1. Desigualdades sociais e estruturais: O Brasil enfrenta desigualdades sociais significativas, que afetam a distribuição de renda e limitam o acesso equitativo a educação e oportunidades. Além disso, o país enfrenta desafios estruturais, como infraestrutura deficiente, burocracia excessiva e deficiências no sistema educacional.
  2. Falta de investimento em inovação e tecnologia: O Brasil ainda investe relativamente pouco em pesquisa e desenvolvimento, o que impacta sua capacidade de inovação e adoção de tecnologias avançadas. Isso limita a competitividade em setores de maior valor agregado.
  3. Instabilidade política e falta de continuidade nas políticas: O Brasil enfrenta um histórico de instabilidade política e mudanças frequentes nas políticas econômicas. A falta de continuidade e a falta de consenso político dificultam a implementação eficaz de reformas estruturais e a adoção de políticas consistentes para impulsionar o crescimento.
  4. Baixa produtividade e competitividade: O Brasil enfrenta desafios em termos de baixa produtividade e competitividade internacional. Questões como infraestrutura precária, carga tributária elevada, burocracia e altos custos trabalhistas impactam negativamente a capacidade do país de atrair investimentos e competir globalmente.

É importante ressaltar que essas são apenas algumas das razões que contribuem para a diferença de desempenho entre a Coreia do Sul e o Brasil. Cada país possui sua própria conjuntura e desafios específicos, e superar a armadilha da renda média requer uma abordagem multifacetada e políticas bem direcionadas.

Num primeiro passo o sistema produtivo coreano superou a especialização em produtos de baixa complexidade e se diversificou: sua rede produtiva perdeu densidade em produtos simples e ganhou densidade em produtos mais sofisticados. Depois dos 90 conseguiu dar o salto e se especializar em produtos mais sofisticados, aumentando a densidade desse tipo de produto em sua rede produtiva. Fácil de explicar usando a perspectiva da complexidade (paper mind blowing de Cesar Hidalgo et al aqui!). Muito difícil de se executar na pratica das políticas públicas! (Boa leitura sobre o tema: (Livro sobre o tema, Tese sobre o tema). O Brasil chegou no meio do caminho, parou e depois comecou a regredir. Seu sistema produtivo caminhou no sentido de diversificacao e aumento da complexidade ate os anos 2000, depois regrediu e voltou a se espcializar em produtos menos complexos. No grafico acima o eixo Y mostra a correlação entre a densidade das opções de diversificação e complexidade dos produtos; quanto mais alto esse valor mais próximo está o país de possibilidade de fazer produtos complexos (PGI alto x Correlação alta, poderíamos dizer tbem que é a correlação entre produtos potenciais complexos e o que produz em cada momento do tempo o sistema produtivo de um país! ). O eixo X mostra a complexidade econômica do sistema produtivo do país. A curva em S mostra que sistemas produtivos de baixa complexidade econômica estão associados a opções produtivas de baixa complexidade. Sistemas produtivos de alta complexidade estão associados a opções produtivas de alta complexidade.

Por exemplo na gráfico abaixo Japão esteve em todos esses anos muito próximo de produzir os bens mais sofisticados do mundo. Brasil e Chile muito longe. Coreia do Sul, Cingapura e Irlanda conseguiram transitar das baixas possibilidades para as altas possibilidades. O que toda essa análise mostra no fundo é que quem é complexo tem alta probabilidade de continuar complexo e quem não é costuma ficar preso (lock in) num sistema de baixa complexidade. Em português claro: qual a chance de um país africano Produzir carros, aviões, química fina e produtos da mecânica de alta precisão? As vantagens comparativas adjacentes dos países pobres dificilmente vai tirá-los dessa situação. As vantagens comparativas dos ricos provavelmente irá mantê-los nessa situação. Como dar o pulo do gato para transitar do primeiro estágio do gráfico para o terceiro? Essa é a pergunta chave para entender como um país se desenvolve.

*fonte: https://arxiv.org/abs/1801.05352

Os mapas abaixo retirados do Atlas da Complexidade Econômica mostra o espaço produtivo da Coreia no contexto do comércio internacional de 750 produtos, cada bolinha representa um produto negociado no mercado mundial. As cores representam categorias de produtos, sendo os mais sofisticados as máquinas e equipamentos na cor azul no centro e quimicos na cor rosa. No cinturão externo estão as commodities agrícolas, minerais e energéticas, calcados e texteis em verde a direita. Os produtos altamente complexos estão no centro da rede e os de baixa complexidade estão na periferia. Os países ricos produzem e exportam os produtos do centro da rede, os países pobres produzem e exportam os produtos da periferia da rede; como diria a CEPAL. O core da produtividade de um pais está nessas atividades “complexas” produzidas em rede. O restante são commodites e serviços não sofisticados. Os serviços sofisticados dependem das atividades complexas. Produtos de baixa sofisticação e complexidade não demandam redes produtivas sofisticadas.

Essa segmentação entre produtos sofisticados integrados em rede versus produtos de baixa sofisticação e isolados aparece claramente nos resultados empíricos do atlas da complexidade econômica e nas antigas discussões de economistas clássicos do desenvolvimento. Commodities e extrativismos em geral não estão inseridos em redes e tendem a ser produzidos em países pobres da África e América Latina. Produtos industriais sofisticados e integrados em rede são feitos no leste asiático, Europa e EUA. Tecidos produtivos complexos tendem a ser construídos em torno de bens industriais ou processamento de commodities. A história das nações mostra que quem dominou o core dessas atividades produtivas ficou rico, isso é especialmente verdadeiro para EUA, Japão e Inglaterra. Muitos tentaram, alguns conseguiram. O leste da Ásia conseguiu. O leste da Europa também esta conseguindo. África e América Latina tentaram mas não conseguiram.

eixo Y do grafico:

*fonte do paper: https://arxiv.org/abs/1801.0535

**ótimo paper, great divide: https://ideas.repec.org/p/cdp/texdis/td519.html

O fetiche da Coreia do Sul: como os economistas têm estudado esse “milagre” ao longos dos tempos

  1. Clássicos: Amsden e Wade (livros deles)

  2. Krugman analisa o milagre asiático (paper krugman)

  3. O relatório do banco mundial de 1992 (banco mundial)

  4. Chang chuta a escada (livro)

  5. Kaldor e os setores da Coreia (tese Igor)

  6. A grande divergência: a abordagem da complexidade para entender a Korea (paper de hidalgo e paper de João Romero) aqui: https://econpapers.repec.org/paper/cdptexdis/td519.htm

7 thoughts on “Como a Coréia do Sul superou a armadilha da renda média? (E o Brasil não)”

  1. Correndo o risco do simplismo, sugiro que parte importante da explicação está nas diferenças de qualidade e visão estratégica das elites dirigentes coreanas e brasileiras. No país asiático, houve uma opção clara por um projeto nacional de desenvolvimento baseado na industrialização, educação e incentivos à inovação, que foi seguido com rigor. Por aqui, da década de 1980 em diante, o conceito de projeto nacional virou motivo de deboche (principalmente, nos meios financeiros), visão estratégica tornou-se artigo raro e as nossas elites dirigentes parecem ter feito uma opção preferencial pela hegemonia rentista, a partir da década de 1990. Superar tais obstáculos exigirá um processo de conscientização inusitado entre nós. Mas receba os meus cumprimentos pelos excelentes e elucidativos textos, que acompanho com o maior interesse.

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