*escrito por Lavinia Barros de Castro
Antes de tudo cabe observar que, ao contrário das experiências onde a rigidez cambial era justificada por uma tentativa de controle da inflação, o regime de câmbio quase fixo característico da Ásia nos anos 1990 pouco ou nada se relaciona com experiências baseadas em estabilização com âncora cambial (Exchange Rate Stabilization Program), amplamente estudas na literatura. Tampouco se pode afirmar que um prévio descontrole fiscal e monetário tenha sido a razão para os ataques especulativos ocorridos nessa região, seguidos de crise cambial e bancária. De fato, os países asiáticos entraram em suas crises com altas taxas de poupança, baixa inflação e superávits fiscais – dificilmente sugerindo que políticas de governo expansionistas ou o temor de retomada da inflação fossem a raiz dos problemas, como geralmente apontado na literatura mais tradicional de ataques especulativos.
Delargy e Goodhart (1999), por exemplo, traçam um paralelo entre a crise asiática e as crises verificadas no período pré-1914. Para os atores, assim como no período do padrão ouro, a origem dos problemas asiáticos residiria no setor privado da economia, mais especificamente, na má gestão de risco de crédito por parte dos bancos A combinação dessa má gestão do risco de crédito por parte das instituições financeiras, aliada a uma percepção “ingênua” (naive) por parte dos investidores internacionais, teria levado a uma expansão de crédito que alimentara taxas insustentáveis de crescimento, nos dois períodos históricos. Assim, diante de um choque externo qualquer, teria ocorrido uma brusca redução da entrada de capitais; uma significativa compressão do crédito doméstico, seguida de crises bancárias, em ambos os períodos. Este tipo de explicação, como é evidente, marginaliza o papel do câmbio no processo, sem mencioná-lo explicitamente .
Já Eichengreen (2001) argumenta que crises bancárias são um fenômeno frequente em quaisquer períodos de câmbio fixo, inclusive para o período do Padrão Ouro. De acordo com o autor, crises financeiras são mais frequentes quando condições de crédito dos países emprestadores empurraram inicialmente os investidores para países emergentes, em busca de maiores rendimentos, e precipitaram uma fuga de capitais, quando essas mesmas condições de crédito são bruscamente revertidas. A grande diferença entre as crises no período final do século XIX e as verificadas ao final do século XXI, e em particular na Ásia, é a capacidade de uma crise bancária se transformar em crise cambial. Em outro artigo, Eichengreen (1999) esclarece que a crise asiática em grande medida ocorreu por uma falha dos governos em preparar os mercados para uma mudança na taxa de câmbio. O câmbio quase fixo (o termo utilizado pelo autor é sempre pegged rate), foi durante anos a peça central da estratégia de política econômica desses países, induzindo bancos e firmas a crença equivocada de que não era necessário se hedgear contra possíveis flutuações do valor da moeda. Desta forma, quando o inevitável ajuste veio, o efeito foi devastador não apenas para a confiança, mas também para a solvência dos bancos e firmas com exposições cambiais. Os investidores e bancos, percebendo que o câmbio não mais se manteria fixo, buscaram cobertura, comprando moeda estrangeira extra para fazer frente a futuras desvalorizações. Isso levou a uma desvalorização ainda maior; que puxou mais bancos e firmas para a inadimplência – o que realimentou incertezas, dificultando ainda mais o pagamento das dívidas (pp. 2 e 3). Para Eicheengreen, em suma, existiriam sim problemas de empréstimos no setor privado que ajudam a compreender a extensão da crise asiática. Mas os problemas passam pela questão do câmbio. Mais grave, os problemas estariam mais associados (ex ante) a uma má gestão de risco de mercado (câmbio) – e não de crédito, tendo este aumentado pelo efeito das próprias desvalorizações cambiais ocorridas.
Kreguel (1998), entretanto, discorda da interpretação que o problema da crise asiática decorra da ausência ou insuficiência de posições hedgeadas. Ao contrário, afirma que o intenso uso de derivativos na Ásia responde em grande medida pela ligação entre o calapso cambial e bancário na região. Embora alguns estudos afirmem que o uso de derivativos na Ásia fosse relativamente pequeno, a maioria das perdas resportadas pelos maiores bancos americanos nos empréstimos na região são listados como swaps. A explicação para esse aparente paradoxo estaria no registro dessas transações. Para Kreguel (1998) os motivos que levaram à crise financeira (cambial e bancária) na Ásia não foi nem a má gestão de risco de crédito, nem a falta de uma supervisão bancária adequada por parte das autoridades asiáticas, nem tampouco a ausência de hedge cambial por parte das empresas e bancos. Antes, o extensivo uso de pacotes de derivativos para fugir de regras de supervisão bancária e gerar rendas de taxas e comissões (baseadas na convenção de que o câmbio era fixo) deixaram a descoberto grande parte do risco cambial em inúmeras transações, sem que esses riscos estivessem explícitos nos contratos. Em resumo, os efeitos da desvalorização foram magnificados pelos contratos de derivativos, tornando a inadimplência muito mais forte do que em condições normais – levando a uma dramática crise bancária na região. Ou seja, o esquema financeiro coreano, enquanto era voltado para o financiamento do desenvolvimento e centrado nos Chaebols, não engendrava fragilidade financeira, depois da abertura financeira essa lógica foi rompida e o resto é história.
Delagrey, P. J. R and Goodhart, Charles (1999): “Financial Crises: Plus ca change, plus c’est la meme chose”, Special paper no.108, LSE Financial Markets group (January)
Eichengreen, B (1999): “The International Monetary Fund in the Wake of the Asian Crisis”. Revised version of a paper preparecd for Monash University/Australian National University Conference on Responses to the Asian Crisis, Melbourne, 17-18 December, 1998. Disponível em http://emlab.berkeley.edu/users/eichengr/
Eichengreen, B, Rose, A and Wyplosz, Charles (2001): “Contagious Currency Crises”. JEL Classification Number: F31. Disponível em http://emlab.berkeley.edu/users/eichengr/
Kreguel, J.A (1998): “Derivatives and Global Capital Flows: Application to Asia”. Mimeo, revised draft 4/14/1998.