Como o General Park criou a indústria de carros na Coréia e ajudou a Hyundai (não ficou na plantação de arroz!)

*Foto – Saehan Gemini – 1979, Saehan Vehicle Company

A indústria automobilística foi essencial para o desenvolvimento e aprofundamento da estrutura industrial coreana, principalmente em relação ao processo de aprendizado tecnológico. Para se ter uma ideia da importância do setor, já no final dos anos 1980 a Coreia do Sul estava entre os principais fabricantes mundiais de automóveis. Para entender a ascensão e a relevância da indústria automobilística na Coreia é relevante ter clareza que o fortalecimento do setor fazia parte de um projeto de nação concebido pelo General Park Chung-hee (14/11/ 1917 — 26/10/1979).  A Hyundai, maior empresa do ramo durante os anos 1970 e 1980, é o melhor exemplo do sucesso da expansão da indústria automobilística da Coreia. A Hyundai exportou 65.592 automóveis para a Europa, Oriente Médio e Ásia, sendo responsável por 67% do total de automóveis coreanos exportados no período de 1976 a 1980, e por 97% do total de automóveis de passeio coreanos exportados para o período de 1983 a 1986. Além do mais, a participação da Hyundai no mercado nacional de automóveis de passeio saiu de 19,2% em 1970 para 73,9% em 1979.

A principal estratégia de nacionalização e substituição de importações nos anos 1970 foi por meio da imitação por engenharia reversa, com o intuito de assimilar as tecnologias importadas no menor espaço de tempo possível. O resultado dessa estratégia foi o crescimento do conteúdo local de 21% em 1966 para mais de 60% em 1972 e para 92% em 1981, transformando assim a operação de montagem baseada em peças e componentes nacionais (KIM, 1997a). Esses indicadores mostram claramente o resultado das diferenças de estratégias da Hyundai em relação a Daweoo-GM (antiga GMK/Sinjin), a qual sempre teve a assistência técnica adquirida da GM. Isso é fácil de entender quando notamos que a transferência de tecnologias em pacotes ou por meio de uma joint venture tende a gerar uma atitude passiva por parte do destinatário do processo de aprendizado, já que o desempenho da tecnologia transferida é garantido pelo fornecedor. Por outro lado, quando uma empresa nacional recebe o pacote de tecnologias transferido e, de forma independente, responsabiliza-se em organizar as tecnologias e os componentes importados das várias fontes para integrá-los em um sistema de produção em série factível, o processo envolve riscos, mas isso estimula e até mesmo obriga os participantes locais a assimilarem as tecnologias estrangeiras de forma mais rápida e contínua, já que a responsabilidade de falhas nesse processo não poderá ser transferida para fornecedores estrangeiros, e sim será da empresa local. Essa é a grande diferença entre Daweoo-GM e Hyundai (KIM, 1997a). 

Texto de Uallace Moreira, incrível história do setor

De acordo com Lee (2011),  Park pretendia transformar as montadoras nascentes em players globais em pé de igualdade com as montadoras japonesas, produzindo automóveis com sua própria marca nacional sob um ciclo economicamente sustentável de mudanças de modelo e em colaboração com uma densa rede de empresas nacionais e fornecedores estrangeiras licenciados em tecnologia, bem como um extenso sistema de distribuição global de vendas e serviços. Esse objetivo era contrário às capacidades nacionais da Coreia do Sul, dado que as condições iniciais do país com um pequeno mercado doméstico, deficiência tecnológica, escassez de capital, recursos humanos limitados e baixo desenvolvimento das indústrias correlatas tornavam a situação do país num cenário pouco provável para o desenvolvimento de montadoras competitivas internacionalmente. Além disso, era improvável que as empresas multinacionais apoiassem uma estratégia que visava enfraquecer seu controle sobre os mercados globais através da criação de campeões nacionais independentes.

A primeira empresa do setor automobilístico na Coreia foi a Motor Nacional, fundada em 1937 em Bupyeong-gu, Incheon. Sob o governo do General Park, temos o surgimento da moderna indústria automobilística da Coreia que começou em 1962 com o apoio e subsídio do governo no 1° Plano Quinquenal  (1962-66), promulgando a Lei de Promoção do Setor Automobilístico, a qual concedia isenção tarifária às importações de peças e componentes, isenção de impostos para montadoras e, ao mesmo tempo, implementava medidas de proteção ao mercado interno com relação à importação de veículos estrangeiros (KIM, 1997a). Park e sua equipe procuraram desenvolver a indústria não apenas em si, mas também como um mecanismo de crescimento para uma infinidade de indústrias correlatas no processo de fabricação de carros. Os setores que Park esperava que as montadoras de automóveis estimulassem o crescimento incluíam não apenas o setor de peças e componentes da indústria automobilística, mas também as indústrias siderúrgicas, de máquinas, eletrônicas e químicas.

A partir desse plano, em 1962, o nome da Motor Nacional muda para a Saenara Motor, com a assistência técnica vindo do Japão através da Nissan, e um número considerável de engenheiros que trabalhavam na fábrica vinham dos setores de reparos de veículos do exército coreano. A Saenara Motors importava kits semi-knockdown (SKD) do modelo Bluebird da Nissan, em 1962, com isenção de impostos para serem montados na Coreia do Sul. O preço importado de um kit SKD ficou em 130.000 won, enquanto o veículo montado alcançou um preço de 250.000 won no mercado. Com essa enorme margem de lucro, a Saenara conseguiu apoio político e recebeu isenção de impostos por cinco anos (LEE, 2011). Entretanto, apesar de sua lucratividade, a Saenara Motors entrou em colapso em julho de 1963, quando a empresa não podia importar kits SKD, diante da escassez de moeda estrangeira após a desastrosa reforma monetária de junho de 1962, gerando uma crise cambial na Coreia em 1963, levando a Saenara a encerrar suas atividades.

De acordo com Lee (2011), a quebra da Saenara acontece em meio ao anúncio por parte do Ministry of Commerce and Industry (MCI)  – Ministério da Indústria e do Comércio – de um plano de promoção para a indústria automobilística em agosto de 1964 – Promotion Plan for the Automobile Industry –, cuja finalidade era construir um setor de peças e componentes em torno de uma única montadora. Isso vai gerar uma forte concorrência entre as principais empresas industriais para assumir a Saenara, com a expectativa de monopolizar o mercado automobilístico. A licitação atraiu inicialmente cinco empresas, mas duas empresas se juntaram, Sammisa e Sinjin, ambas com fortes laços políticos com a coalizão governista para assumir a Saenara.

Sinjin assumiu a fábrica de Saenara em novembro de 1965 e em 1966 começou a montar um modelo Toyota Corona, sob um contrato de licenciamento, com um conteúdo local de 21%. Com a produção do Toyota Corona, a Sinjin viu seus ativos totais aumentarem mais do que dez vezes nos três anos seguintes, de 300 milhões de won em 1965 para 3,2 bilhões de won em 1968. O mercado doméstico de automóveis e veículos comerciais aumentou rapidamente, embora o número de veículos montados ainda estivesse no nível escasso de 30.096 unidades em 1968. A lucratividade de Sinjin atraiu o interesse dos grupos empresariais de segunda linha da Coreia do Sul, os quais procuravam maneiras de diversificar suas atividades. Tentados pela lucratividade de Sinjin, mas também sentindo o potencial de crescimento dos mercados automotivos no país, a recém-criada Hyundai Motors e a Asia Motors solicitaram ao Estado licenças para entrar no setor. Eles argumentaram que a Sinjin era muito dependente do capital e da tecnologia da Toyota, o que a impediu de contribuir para o desenvolvimento de um setor local de peças e componentes.

A Sinjin queria manter suas operações de montagem importando continuamente os kits Toyota SKD, em vez de substituir algumas das peças importadas por peças fabricadas localmente. Entretanto, essa posição, do ponto de vista político era insustentável, pois muitos setores da imprensa já haviam divulgado de forma ampla os lucros da empresa, afirmando que isso era resultado do poder de monopólio que a Sinjin tinha no país. O preço de um Toyota Corona atingiu 870.000 won, enquanto o mesmo modelo foi vendido no Japão por menos da metade desse preço. Embora o diferencial de preço fosse inevitável, dado o pequeno número de carros produzidos pela Sinjin que não tinha economias de escala, esse diferencial de preços provocou protestos públicos no país, permitindo que a Hyundai e a Asia Motors desafiassem o status de monopólio de Sinjin. Além do mais, Park e os burocratas da MCI estavam insatisfeitos com o lento crescimento da indústria local de peças e componentes, assim como em relação à estratégia da Sinjin de permanecer como um mero montador de kits da Toyota. O MCI avaliou que a Sinjin estava mais preocupada com a maximização do lucro no curto prazo e pouco interessado em contribuir para o desenvolvimento a longo prazo da indústria por meio de um aumento da produção do conteúdo local.  Diante desse cenário, o presidente Park autorizou a entrada da Hyundai Motors em 1967, seguida um ano depois pela entrada da Asia Motors. A Hyundai começou produzindo veículos com kits SKD importados e tecnologia da Ford, enquanto a Asia Motors produziu carros e ônibus de passageiros sob um contrato de licença de tecnologia com a Fiat. Em 1968, a indústria automobilística sul-coreana, portanto, tinha três montadoras – Sinjin, Hyundai e Ásia – com acordos de licenciamento com multinacionais japonesas, americanas e europeias, respectivamente.

O problema da entrada dessas empresas no mercado automobilístico coreano foi que houve uma grande variedade de modelos produzidos de maneira ineficiente com índices de conteúdo doméstico relativamente baixos, com as três montadoras prestes a se tornarem meras montadoras ineficientes controladas por multinacionais, como as da América Latina, situação esta que contrariava completamente os objetivos de fortalecimento nacional do setor do presidente Park. Para superar essa problemática, em dezembro de 1969, o MCI lança o Plano Básico de Promoção para a Indústria Automobilística – Basic Promotion Plan for the Automobile Industry. Para desenvolver a indústria de peças e componentes, o MCI estabeleceu cronogramas para aumentar o conteúdo local para cada modelo de carro de passeio. O ministério também listou as peças de automóveis escolhidas para a produção doméstica. Presumivelmente, a licença das montadoras para montar carros dependia de sua implementação do programa de conteúdo local. Simultaneamente, o Ministério das Finanças (MF) comprometeu-se em fornecer acesso preferencial a empréstimos estrangeiros e domésticos às montadoras que cumprissem os cronogramas de conteúdo local formulados pela MCI.

Em fevereiro de 1970, o MCI designou a construção de uma fábrica de motores como uma maneira concreta de atingir as metas do Plano Básico de Promoção – Basic Promotion Plan. Para evitar que o problema de excesso de capacidade aumentasse para um nível ameaçador, apenas uma montadora seria escolhida entre a Asia Motors, a Hyundai e Sinjin como produtora de motores para toda a indústria de automóveis de passageiros. Um dos critérios da escolha era estabelecer uma joint venture com uma multinacional na produção de motores, que exportasse motores e envolvesse o maior número possível de empresas fornecedoras domésticas no desenvolvimento de motores produzidos localmente. Esperava-se que a montadora escolhida se tornasse um produtor dominante, porque as outras duas montadoras usariam seus motores para seus produtos. Ao expressar sua preferência por uma operação de joint venture, o MCI também levou as montadoras a fortalecer suas alianças comerciais estrangeiras para garantir a tecnologia necessária. O setor de peças e componentes recebeu com satisfação essas políticas, considerando que o maior requisito de conteúdo local significava que elas seriam protegidas contra importações no desenvolvimento de peças-chave importantes.

Em meio às tentativas do governo coreano de estimular o crescimento da indústria automobilística local, em 1972 o governo Chinês vai exigir que as empresas japonesas interrompessem seus negócios com empresas coreanas antes de começarem a negociar com empresas chinesas. Com isso, a Toyota vai sair da Coreia e encerrar suas atividades, levando a Shinjin Motor a iniciar uma joint venture com a General Motors com o nome de General Motors Korea (GMK) e novamente renomeada em 1976 para Saehan Motor (KIM, 1997a). Lee (2011) afirma que o Presidente Park endossou de forma entusiasmada a parceria de Sinjin com a GM por razões não apenas econômicas, mas também de segurança. Isso porque a Doutrina Guam dos Estados Unidos, de 1969, que buscava a retirada militar dos EUA do leste da Ásia, gerou um sentimento de abandono por parte dos coreanos, de modo que a entrada de uma grande empresa americana como a General Motors, foi considerada como uma confirmação do compromisso contínuo dos EUA com a defesa da metade sul da península. Aproveitando essas preocupações de segurança, a General Motors conseguiu grandes concessões em suas negociações com Sinjin. A GM controlaria o financiamento, receberia royalties de 3% com base no total de vendas e cobraria uma taxa de administração de US$ 750.000 por ano. O resultado foi o nascimento de uma parceria entre a General Motors e Sinjin , criando a General Motors of Korea (GMK) em junho de 1972, uma joint venture 50-50 (fifty fifty) com a, cada uma investindo US$ 24 milhões.

É relevante lembrar que um acontecimento de grande relevância para a indústria automobilística nos anos 1970 foi  o 3° Plano Quinquenal (1972-1976), o qual tem como objetivo principal promover o avanço da indústria pesada e química, aliado a um desenvolvimento integrado do território nacional com equilíbrio regional e redução das diferenças entre áreas rurais e urbanas, é fundamental para o desenvolvimento e fortalecimento da indústria automobilística. Segundo Kim (1997b), o governo Park ao promover vigorosamente a indústria pesada e química, encontra razões para justificar seus objetivos em meio a um cenário internacional desfavorável, já que logo após o anúncio do 3° plano a economia mundial se defronta com a crise do 1° choque do preço do barril do petróleo em 1973. Umas das primeiras razões é a necessidade de incentivar a indústria militar com o intuito de fortalecer a defesa nacional, já que no início dos anos 1970, o Presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, anunciara que tiraria tropas militares americanas de muitas bases da Ásia, o que exigia por parte da Coreia do Sul, por exemplo, medidas para fortalecer a sua indústria militar como mecanismo de defesa nacional. A segunda razão seria por razões políticas internas, já que a eleição presidencial de 1971 exigia do governo Park medidas de estímulo à economia que atraíssem o apoio da população e do empresariado nacional ao governo.

Kim (1997a) afirma que o desenvolvimento da indústria automobilística foi fundamental para o ramo de equipamentos de transportes, que era um dos principais setores a serem desenvolvidos no 3º Plano Quinquenal. Com isso, o governo passou a apoiar de forma intensa a indústria automobilística usando a Lei de Promoção do Setor Automotivo (1962) e agora o Plano de Promoção da Indústria Automobilística a Longo Prazo lançado em 1973 – Long-Term Plan for the Promotion of the Automobile Industry (LTPPAI). Essa mudança está inserida em um cenário onde o governo coreano ampliava o leque de medidas concedidas ao setor automobilístico, como a concessão de isenção tarifária às importações de peças e componentes, isenção de impostos para as montadoras e criava medidas de proteção no mercado interno com relação à importação de veículos estrangeiros. Após a crise de 1973, o governo coreano muda a política para que a indústria automotiva evoluísse de um sistema de montagem de automóveis estrangeiros para um sistema de desenvolvimento de modelos nacionais, com a internalização do desenvolvimento de toda a parte de peças, equipamentos e componentes, impulsionando assim o setor de equipamentos de transportes. O governo coreano, associado com o Ministério do Comércio e da Indústria, foram os principais responsáveis pelo desenvolvimento da indústria automobilística, propiciando o cenário para o surgimento de grandes empresas de automóveis coreanas como a Hyundai, Kia e GMK (futura Daewoo).

Segundo Lee (2005a), o 3° Plano Quinquenal foi um sinal claro das autoridades coreanas em reconhecer a necessidade de promover aumentos adicionais nas exportações e para desenvolver sua indústria de defesa, a Coreia do Sul necessitava dar um upgrading na sua pauta exportadora a favor de bens de capital de alto valor agregado, de modo que a ideia principal do 3° Plano Quinquenal era completar o parque industrial da Coreia, dando ênfase agora à indústria química e pesada e, concomitantemente, promover um maior equilíbrio no processo de desenvolvimento econômico do país. A concepção da construção do Plano de Longo Prazo ocorreu através do MCI. O MCI criou três novos postos de vice-ministro assistente como parte de seu esforço para reorganizar suas funções, poderes e equipe de acordo com as linhas setoriais da indústria pesada e química. Dentre essas novas linhas, a indústria automobilística era uma delas, deixando em evidência o interesse do regime de Park em colocar a indústria automobilística em um novo patamar. Park exigia dos técnicos do MCI uma reavaliação crítica de suas tentativas anteriores de desenvolver montadoras de automóveis por meio de um alto grau de vínculo com a indústria local de peças e componentes, exigindo maior esforço para que esses objetivos fossem alcançados nessa nova fase. Vai ser essa cobrança do presidente Park que irá resultar  no ambicioso plano de longo prazo para a promoção da indústria automobilística – Long-Term Plan for the Promotion of the Automobile Industry (LTPPAI), que o MCI anunciou em abril de 1973 (LEE, 2011).

Em 1973, com o 3° plano quinquenal, o governo ao formular o Plano de Promoção da Indústria Automobilística de longo prazo e exigindo das três principais fabricantes de automóveis coreanos – Hyunday, Kia e GMK – que apresentassem, de forma minuciosa, o projeto de desenvolvimento dos seus modelos nacionais, deixa claro o propósito de fortalecer a indústria automobilística local era primordial para que a Coreia tivesse sucesso em sua trajetória de busca pelo aprofundamento da sua estrutura produtiva. Esses projetos foram rigorosamente supervisionados pelo governo para que as empresas selecionadas cumprissem suas metas e assim pudessem continuar a usufruir dos benefícios dados pelo governo (KIM, 1997a).  Na verdade, o LTPPAI vai expor um momento da história do desenvolvimento da indústria automobilística na Coreia muito importante, pois vai ficar em evidência que as decisões das empresas General Motors e Sinjin/GMK e da Hyundai irão fazer grande diferença em suas trajetórias futuras como grandes empresas do setor automobilístico. Isso porque, para romper com o círculo vicioso de erros em projetos anteriores, tais como excesso modelos, mudanças muito frequentes de modelos, mercado muito pequeno e poucos efeitos de ligação, o Plano de Longo Prazo propôs a fabricação de um modelo local sul-coreano com um tamanho de motor menor que 1,5 litros, considerado como um “carro cidadão” – “citizen car” – e produzi-lo em uma lógica de ciclo de vida muito mais longo do que os usados pelas empresas multinacionais. O plano também previa suprimir a demanda por carros maiores, aplicando um imposto de luxo e aumentando o conteúdo local de “citizen car” para mais de 95% em 1975. Além disso, o Plano prometeu promover a indústria de peças e componentes projetando uma zona industrial especial para o fornecedor empresas, bem como fornecendo empréstimos de acordo com a nova política. A projeção era de que mais de 80% da demanda doméstica total de automóveis de passageiros seria atendida por esses modelos locais por meio de diversos incentivos fiscais. Para proteger os produtores do modelo local “citizen car”, o plano também permitiu a montagem de modelos estrangeiros de carros de médio e grande porte com uma taxa de conteúdo local menor. A medida permitia que as montadoras recuperassem parte das perdas incorridas na produção dos “citizen car” com a venda de carros de médio ou grande porte mais lucrativos (LEE, 2011).

Quando o Plano de Longo Prazo vinculava os subsídios estatais à produção de modelos de carros locais e projetados de forma local, o plano coincidia com os interesses da Hyundai, que queria produzir seus próprios modelos sob uma marca nacional para o mercado de exportação após o colapso de sua negociação de joint venture com a Ford. De fato, a estreita aliança que se desenvolveu entre o MCI e a Hyundai com base em seus interesses comuns em desafiar a indústria automobilística global das multinacionais, fica nítido quando observamos que o Plano de Longo Prazo foi preparado por Kim Chae-gwan – que era um técnico do Korea Institute of Science and Technology (KIST) e foi nomeado vice-ministro assistente das indústrias pesada e química – e que tinha estreita relação com os executivosda Hyundai, de modo que essa relação vai influenciar na elaboração das metas e objetivos do Plano de Longo Prazo (LEE, 2011). . 

Por outro lado, a GMK/ Sinjin achou difícil seguir o exemplo da Hyundai Motor, mesmo com a promessa do estado de apoiar as empresas que assumiram os riscos. Em 1973, a GMK/Sinjin desfrutava da maior participação de mercado, 40%, e não tinha intenção de promover a exportação, o que poderia interferir na participação da General Motors no mercado mundial. Além disso, o plano de longo prazo enfraqueceu muitas das vantagens que a GMK/Sinjin desfrutava como produtora de automóveis. Com a introdução de regulamentos rígidos sobre o número de modelos e o ciclo de alterações de modelo que um montador poderia produzir e adotar, respectivamente, a GMK/Sinjin foi impedida de explorar sua maior fonte de vantagem comparativa, a diferenciação do produto.

Além do mais, o alto requisito de conteúdo local reduziu a vantagem de custo da GMK, forçando-a a confiar nas peças e componentes sul-coreanos tanto quanto sua rival Hyundai. O mais prejudicial de todos os interesses da GMK foi o objetivo do plano de desenvolver um modelo original, em vez de seguir a estratégia da GMK de montar qualquer um dos muitos modelos produzidos por meio de suas redes de produção em todo o mundo. Como parte de uma multinacional com interesse na maximização de lucros em nível global, a GMK acreditava que era economicamente irracional desenvolver um novo modelo apenas para o pequeno mercado sul-coreano. O parceiro sul-coreano da GMK, Sinjin, também relutou em seguir uma estratégia independente, porque lucrava com a montagem de modelos estrangeiros que batiam em qualquer carro da Hyundai. Os interesses da General Motors e da Sinjin, portanto, eram de manter seu status quo, sem correr grandes riscos com inovação – que era o objetivo do Plano de Longo Prazo do 3º Plano Quinquenal (LEE, 2011).

É importante considerar que não apenas a GMK/Sinjin, mas também a Kia, que controlava a Asia Motors, relutava em desenvolver modelos genuinamente originais, com medo de um aumento acentuado nos riscos dos negócios. Os dois optaram por apresentar os modelos anteriormente produzidos por seus licenciadores para os mercados europeus, com apenas pequenas modificações nas novas marcas de Camina e Brisa, respectivamente. Assim, a GMK e a Kia aprofundaram suas relações com os interesses do Regime Park de fortalecer a indústria automobilística nacional de forma parcial, fabricando modelos independentes, mas não originais. Por outro lado, a Hyundai Motors desenvolveu um modelo original, Pony, contra todas as probabilidades de que não daria certo, consolidando assim suas relações políticas com o Regime Park.

A partir do momento que a Hyundai decidiu correr os riscos e fabricar o modelo Pony, ela faz uma parceria com a Mitisubishi. A aliança Hyundai-Mitsubishi na indústria automobilística fazia parte da tendência maior da colaboração que surgia naquele momento entre as indústrias sul-coreana-japonesa. Além da semelhança cultural e da proximidade geográfica dos dois países, havia também a similaridade organizacional da coordenação de investimentos em grandes corporações entre o chaebol sul-coreano e o keiretsu japonês, aprofundando a densa rede de laços entre os executivos dos dois países ao longo dos anos, corroborando assim para o desenvolvimento de estreitamento de parcerias entre várias indústrias dos dois países (LEE, 2011).

Para Lee (2011), esse período deixa claro que a Hyundai Motors teve sucesso porque seus concorrentes erraram. Particularmente a GMK/Sinjin cometeu o erro estratégico de escolher o Chevrolet 1700, que era considerado ultrapassado como seu modelo de “citizen car”, e vendê-lo sob a marca local de Camina. O modelo era muito pesado, grande e ineficiente em termos de combustível para o mercado sul-coreano, onde o preço da gasolina era um dos mais altos do mundo. A crise do petróleo de 1973 afetou as vendas da Camina, reduzindo a participação de mercado da GMK que era 23% em 1975 e caiu para 16% em 1977. Com o declínio, o principal acionista sul-coreano da GMK, Sinjin, sofreu dificuldades financeiras e acabou vendendo sua participação ao Korea Development Bank em 1976.

Em 1978, a Daewoo vai adquirir parte da Shinjin na empresa e assumir o controle da joint venture em 1982, mudando seu nome para Daweoo Motor Company, formando a parceria Daweoo-GM, na qual a assistência técnica era sempre adquirida pela GM. Isso tem implicações relevantes para a dinâmica de transferência de tecnologia, já que a Daweoo vai ter que se submeter às metas globais da GM, dependendo inteiramente de sua tecnologia, mostrando pouco empenho no desenvolvimento de sua capacidade tecnológica e menos ainda no desenvolvimento de projetos de automóveis próprios (KIM, 1997).

Esse cenário vai ser essencial para que em 1983, um ano após a Daweoo ter adquirido o controle administrativo da GM, ela ter começado a apresentar um avanço significativo no desenvolvimento de produtos e processos e no seu desempenho de mercado. De acordo com Kim (1997), a Daweoo criou um amplo departamento de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), adotando o sistema japonês de Kanbans (Just-in-Time), melhorando assim sua produção, criando um programa de controle de qualidade e fortalecendo sua campanha de marketing. Mesmo com esses avanços, as divergências entre a Daweoo e a GM continuavam presentes, limitando a capacidade de crescimento e inovação da Daweoo. Por exemplo, de acordo com Kim (1997), quando comparamos o desenvolvimento da Hyundai com o da Daweoo, os investimentos no aperfeiçoamento de produtos e processos feitos pela Daweoo no período de 1976 e 1981 corresponderam somente a 19% da Hyundai, não obstante sua capacidade de produção correspondesse durante esse período a aproximadamente 70% da capacidade da Hyundai. Além do mais, a diferença de produtividade do trabalho de ambas era substancial, com a Hyundai apresentando uma produção de 8,55 automóveis por empregado, enquanto a produtividade da Daweoo era de 2,61 automóveis por empregado. A resultante desses diferenciais é que a participação da Daweoo no mercado interno de automóveis era de apenas 17%, diante de uma participação de 72% da Hyundai.

Portanto, a Hyundai, maior empresa do ramo durante os anos 1970 e 1980, é o melhor exemplo do sucesso da expansão da indústria automobilística da Coreia. A Hyundai exportou 65.592 automóveis para a Europa, Oriente Médio e Ásia, sendo responsável por 67% do total de automóveis coreanos exportados no período de 1976 a 1980, e por 97% do total de automóveis de passeio coreanos exportados para o período de 1983 a 1986. Além do mais, a participação da Hyundai no mercado nacional de automóveis de passeio saiu de 19,2% em 1970 para 73,9% em 1979.

A principal estratégia de nacionalização e substituição de importações nos anos 1970 era por meio da imitação por engenharia reversa, com o intuito de assimilar as tecnologias importadas no menor espaço de tempo possível.  O resultado dessa estratégia foi o crescimento do conteúdo local de 21% em 1966 para mais de 60% em 1972 e para 92% em 1981, transformando assim a operação de montagem baseada em peças e componentes nacionais (KIM, 1997a).

Esses indicadores mostram claramente o resultado das diferenças de estratégias da Hyundai em relação a Daweoo-GM (antiga GMK/Sinjin), a qual sempre teve a assistência técnica adquirida da GM. Isso é fácil de entender quando notamos que a transferência de tecnologias em pacotes ou por meio de uma joint venture tende a gerar uma atitude passiva por parte do destinatário do processo de aprendizado, já que o desempenho da tecnologia transferida é garantido pelo fornecedor. Por outro lado, quando uma empresa nacional recebe o pacote de tecnologias transferido e, de forma independente, responsabiliza-se em organizar as tecnologias e os componentes importados das várias fontes para integrá-los em um sistema de produção em série factível, o processo envolve riscos, mas isso estimula e até mesmo obriga os participantes locais a assimilarem as tecnologias estrangeiras de forma mais rápida e contínua, já que a responsabilidade de falhas nesse processo não poderá ser transferida para fornecedores estrangeiros, e sim será da empresa local. Essa é a grande diferença entre Daweoo-GM e Hyundai (KIM, 1997a). 

Segundo Ravenhil (2001), a estratégia de aquisição de tecnologia adotada pelas empresas coreanas variava muito entre as empresas do país e deve ser entendida de acordo com a estratégia da política industrial que predominou na Coreia ao longo dos anos 1960 e 1980, política esta que tinha como princípio dar ao país autonomia tecnológica. A Hyundai, por exemplo, estabeleceu uma política deliberada de evitar qualquer dependência em relação a parceiros na produção, com o claro objetivo de manter a autonomia da sua gestão e, com isso, lograr a autonomia tecnológica através da construção dos seus próprios mecanismos de pesquisa e desenvolvimento. A Hyundai rejeitou diversos acordos de aprendizado e transferência tecnológica, assim como alianças com a Ford, Volkswagen, Renault e Alfa Romeo, pois todas essas empresas tinham como objetivo construir uma relação de parceria com a Hyundai, fato este que era altamente rejeitado pela empresa em busca da sua autonomia. Mesmo considerando que a Hyundai foi parceira da Mitsubishi – com 10% de participação na empresa coreana em 1981 – a Hyundai não desistiu de manter seu controle de gestão ou sua busca de fontes alternativas de tecnologia. A Hyundai, em 1985, licenciou 54 tecnologias estrangeiras de oito países diferentes, mas em nenhum momento deixou de manter o controle da sua gestão e autonomia.  E quando não havia fornecedores estrangeiros dispostos a fornecer partes, peças e componentes,  a Hyundai conseguiu desenvolver o seu próprio. Como consequência dessa estratégia de promover a autonomia, a Hyundai elevou o conteúdo local mais rapidamente do que outros produtores coreanos, e assim estava livre para elaborar sua própria estratégia de exportação.

   Para  Ravenhil (2001), o Estado pode ter incentivado a Hyundai a evitar alianças mais complexas que limitassem a autonomia e nacionalidade da empresas. Entretanto, ele não fez nada para impedir que as outras empresas coreanas entrassem em alianças que compromotessem substancialmente a sua autonomia. Mas empresas coreanas que estabeleceram parceria entre os anos 1970 e 1980, muitas vezes, não tiveram os resultados desejados, como alcançado pela Hyundai, e isso fez com que predominasse uma política de busca por autonomia e independência. O exemplo mais notório é Daewoo, em que a GM tinha uma participação de 50% no início de 1978, estabelecendo uma parceria que termina em 1992. A GM determinou uma terceirização tecnológica que , não surpreendentemente, veio inteiramente de dentro de sua própria empresa, descontruindo assim qualquer laço de autonomia por parte da empresa coreana na estratégia de produção. No entanto, em comparação com a Hyundai, a Daewoo teve pouco investimento em melhorais de processo e produtos, e consequentemnte teve um desempenho global inferior aos seus concorrentes na própria Coreia e na economia mundial.             Mesmo depois de 1982, quando a Daewoo assumiu o controle da gestão da joint venture, a GM ainda colocou restrições significativas sobre o parceiro coreano. Os principais produtos da Daewoo foram derivados da GM Opel division, produtos estes que foram amplamente considerados  na Coréia como incorporação de tecnologia obsoleta.  Além do mais, as decisões sobre os mercados de destino das exportações ficaram sobre responsabilidade da GM, a qual não permitiu a Daewoo comercializar seus produtos na Europa Oriental, criando assim uma situação que levou ao fim da parceria entre as duas empresas em 1992. Posteriormente, tentou recuperar o tempo perdido, adotando a estratégia de diversificação de fontes de tecnologia como a Hyundai. A Daewoo comprou os motores da subsidiária australiana da GM, General Motors Holden e transmissões do grupo ZF da Alemanha e do Japão. A empresa também estabeleceu um centro de desenvolvimento de produtos em Worthing, no Reino Unido, que empregava mais de 300 trabalhadores,

em uma tentativa de recorrer a conhecimentos tecnológicos do mercado europeu. Embora tenha melhorado substancialmente suas capacidades tecnológicas até o momento em que a empresa fechou, a Daewoo ainda dependia fortemente de fornecedores estrangeiros para componentes.

Para efeitos de comparação entre o desenvolvimento da indústria automobilística na Coreia e na América Latina, Lee (2011) elenca 4 variáveis que foram substanciais para uma performance maior da Coreia:

  1. Primeiro – As montadoras estrangeiras não tinham força política na Coreia. Ao contrário da América Latina, onde as multinacionais geralmente derrotaram os esforços de seus governos anfitriões em desenvolvimento independente, na Coreia do Sul o estado prevaleceu por várias razões. Primeiro, como a General Motors entrou no mercado automobilístico sul-coreano apenas em 1971, sua joint venture não teve tempo de construir uma forte base política. O baixo conteúdo local de seus carros tornou seus negócios lucrativos, mas também enfraqueceu a influência política da GMK, privando-a da oportunidade de se cercar de produtores de peças e componentes com interesse em fabricar modelos GM.
  2. As alianças políticas da Sinjin fizeram com que ela perdesse espaço político no governo Park. Segundo Lee, como Peter Evans observou, o papel do parceiro local de uma multinacional reside no desenvolvimento de redes de segurança política para a joint venture, mas infelizmente para GMK, a influência política de Sinjin estava em declínio. O patrono político de Sinjin, Yi Hu-rak, não estava em posição de intervir ao lado do GMK. Antes de 1973, como chefe de gabinete do presidente (1963-1969) e diretor da Agência Central de Inteligência da Coréia (1970-1973), Yi Hu-rak tinha influência política para proteger Sinjin. Mas ele foi deposto do poder em 1973 depois de se envolver na “tentativa abortada de contra-revolução” do comandante de segurança do exército Yun P’il-yong de 1972. A Hyundai Motors, por outro lado, manteve uma estreita aliança de trabalho com os burocratas do MCI e desfrutou da confiança de Park. A estratégia de negócios de risco do Grupo Hyundai se encaixa bem no ambicioso plano de desenvolvimento da indústria pesada e química do Presidente Park e, consequentemente, o apoio da Hyundai ao plano de longo prazo fortaleceu a confiança do Park.
  3.   Terceiro – o Estado manteve os chaebols sob seu controle.  Apesar do relevante crescimento dos cahebols, o estado ainda gozava de uma vantagem sobre o setor privado. Com um rígido controle sobre os mercados de capitais e a imposição de altas barreiras comerciais não tarifárias, o Estado dispunha de amplos instrumentos políticos com os quais influenciava o setor privado. Em particular, o controle estatal sobre empréstimos estrangeiros permitiu que Park reformulasse os padrões de investimento do setor privado, além de aumentar a autonomia do estado em relação aos chaebols e às multinacionais. Além disso, dada a natureza do financiamento por empréstimos do crescimento dessas grandes corporações, a expansão dos grupos chaebol não significava que eles estavam se tornando mais independentes; pelo contrário, o aumento da relação dívida-capital os tornava ainda mais dependentes do Estado.
  4. Quarto – O forte compromisso do presidente Park com os princípios nacionalistas. O compromisso de Park com a política nacionalista de automóveis trabalhou mais decisivamente contra a GMK. Após a promulgação do yushin em 1972, Park exerceu autoridade absoluta sobre as escolhas políticas da Coreia do Sul. Em setembro de 1973, Park emitiu uma Diretiva para a Promoção da Indústria Automobilística – Directive for the Promotion of the Automobile Industry -, pela qual ele prometeu transformar os montadores dispostos em campeões nacionais com enormes empréstimos políticos. Com o apoio de Park ao Plano de Longo Prazo de 1973, surgiu uma poderosa coalizão nacionalista dos burocratas da MCI, apoiados pela equipe de coordenadores da Casa Azul de O Wôn-ch’ôl e pela Hyundai Motors, orientada pela independência do país. Juntos, eles competiram com a coalizão internacionalista da General Motors e Sinjin por participação de mercado.

As transformações no setor automobilístico a partir dos anos 1980

Durante o governo do Presidente Park na Coréia, o 4° Plano Quinquenal (1977-1981) é uma constatação que comprova o fato de que nos momentos de cenários internos e externos desfavoráveis para a economia, a Coréia sempre enfrentou as adversidades com medidas de estímulo ao crescimento econômico e a transformação estrutural da economia. Após a primeira crise do preço do petróleo, a Coréia começou a identificar alguns problemas para a sua economia, como o aumento no custo de combustível, matérias-primas e até mesmo as dificuldades nas importações de bens de capital. Esse cenário foi acompanhado por uma queda nos preços relativos das suas exportações de manufaturados, agravando os seus termos de comércio e obrigando a vender muito mais e a ganhar apenas um pouco mais. Embora a necessidade de importações tivesse se mantido quase inalterada, as possibilidades de expansão das exportações foram artificialmente constringidas de várias maneiras. A mais óbvia e também mais ameaçadora, foi o aumento do protecionismo nos mercados dos países desenvolvidos[1]. Diante desse cenário o governo decide implementar o 4° Plano Quinquenal e dar prosseguimento ao processo de desenvolvimento econômico do país.

            A estratégia do 4° Plano Quinquenal[2], na verdade, é uma extensão do alto padrão de crescimento aliado à transformação estrutural da economia, dando agora maior ênfase aos setores mais intensivos em tecnologia. Como nos planos anteriores, a meta de exportações continua sendo uma variável importante como força motriz do alto crescimento econômico. O governo continua dando prioridade às indústrias pesadas e químicas, aliada ao setor eletroeletrônico e a indústria automobilística na tentativa de dar ao país maior autossuficiência em indústria de bens intermediários e de bens de capital para com isso diversificar a pauta exportadora e intensificá-la em bens de alto valor agregado com alta intensidade tecnológica.

            A promoção da indústria de máquinas é especialmente enfatizada no 4° plano. A política de substituição de importações e promoção das exportações seria essencial para desenvolver a indústria de máquinas e equipamentos. Esse desenvolvimento deverá ser apoiado por meio de uma série de incentivos relacionados ao capital estrangeiro e indução de tecnologia, além da promoção da indústria nacional por meio de fundos de assistência. a substituição de importações, por exemplo, estava prevista para ser promovida por meio de maiores incentivos e estímulo para compra de máquinas produzidas internamente. Já no início de 1977 o governo estabeleceu um Comitê de Incentivo de Máquinas Locais constituído pelos chefes de todos os ministérios relevantes e presidido pelo Ministro do EPB (Economic Planning Board) para se empenharem no avanço da produção interna de máquinas. As principais propostas do Comitê de política apresentadas em março 1977, estabelecia o princípio de localização em um número crescente de subsetores de máquinas. As exportações seriam incentivadas por meio de créditos e aumento dos incentivos à exportação.

            A expansão da indústria mais intensiva em tecnologia foi associada à criação de mais de 20 parques industriais ao redor dos grandes centros populacionais e portos. Estes parques industriais foram classificados em grandes grupos, como zonas livres especiais de exportação, parques industriais para produção local e parques industriais para exportação. Um grande número deles foi dividido em subsetores, tais como máquinas e equipamentos, eletrônicos, metais não ferrosos, petroquímicos. O propósito de construir parques industriais era reduzir o custo de investimento em infraestrutura e instalações, maximizando os efeitos de difusão de ligação e tecnologia, assim como reduzir a poluição ambiental nos centros metropolitanos.  

Segundo Kim e Koh (2010), já no final dos anos 1970, dois problemas começam a emergir na indústria coreana: uma queda na rentabilidade e um excesso de capacidade de produção em decorrência da forte expansão das indústrias pesada e química.  Em resposta, o governo definiu um plano de coordenação de investimentos como parte do Programa de Estabilização Econômica e implementou o plano em dois momentos em 1980. O primeiro momento – 20 de agosto de 1980 – tinha como meta setores como o de gerador de energia, máquinas de automóvel e de construção, enquanto que o segundo momento – 07 de outubro de 1980 – o objetivo foi os setores relacionados a máquinas elétricas pesadas, eletrônica, motores a diesel e fundição de cobre. Nestas indústrias, a ideia era executar um plano de coordenação de investimentos para a fusão das empresas com o intuito de reduzir a capacidade excessiva de produção, além de garantir poder de monopólio se houvesse concorrência excessiva. Além da coordenação de investimento, uma série de programas de reestruturação industrial foi realizada na década de 1980 para ajudar setores superar as dificuldades. A indústria naval, por exemplo, sofreu várias rodadas de reestruturação – como dezembro de 1983, maio de 1984, julho de 1985 e dezembro de 1985 -, quando muitas companhias de navegação foram fundidas com a ajuda de benefícios fiscais e apoio financeiro do governo. A reestruturação da indústria da construção no exterior começou em 1984 e ganhou velocidade em 1986. A reestruturação industrial teve a sua base legal na Lei de Regulação de Isenção e Redução de Impostos e na Lei de Desenvolvimento Industrial. Essas leis permitiram que o governo designasse os setores industriais que seriam reestruturados por meio de diversos benefícios fiscais (como isenção de impostos sobre ganhos de capital) e apoio financeiro, além de regular a entrada no mercado e investimento.

            O período de racionalização foi previamente especificado para cada indústria. Nove indústrias foram racionalizadas depois de 1985 – automóvel (1986-1989), máquinas de construção (1986-1988), motor a diesel para navios (1986-1989), máquinas elétricas pesadas (1986-1989), metal de liga (1986-1989), têxtil (1986-1997) e fertilizantes (1987-1989). Segundo Kim e Koh (2010), o programa de racionalização industrial foi concebido para melhorar a competitividade das indústrias, mas causou também o aumento da capacidade de concentração do poder econômico nas mãos das chaebols. Em alguns casos, bloqueou a entrada de novos concorrentes e setores industriais chaves ficaram sob o domínio de algumas empresas. Os autores afirmam que esse processo representou outro exemplo de intervenção do governo, assim como ocorreu nos anos 1970 com a política de promoção das indústrias pesada e química. Outro ponto importante é que com o processo de racionalização, todo excesso de capacidade de produção foi destinado para as exportações como mecanismos de expandir a participação da Coréia no mercado internacional.

             Assim como nos anos 1970, as indústrias automobilística, eletrônica e de semicondutores serão fundamentais para a expansão da produção e das exportações de produtos relacionados ao ramo de bens de capital, a indústria automobilística, após a forte expansão dos anos 1970, passa por um momento delicado nos anos 1980, mas logo apresenta recuperação, pois, com a crise do petróleo em 1979, a indústria automobilística sofreu fortemente, porque os preços das gasolinas elevaram com as vendas de automóveis apresentando uma queda vertiginosa tanto no mercado interno, como também no mercado externo, o que explica a queda da participação do setor no valor total das exportações. O que chama a atenção durante os anos 1980 é que, mesmo com a queda de equipamentos de transporte no valor total das exportações, a queda da participação das importações está associada à nova estratégia de absorção de tecnologia, pois, se, nos anos 1970, a estratégia de nacionalização e substituição de importações era por meio da imitação por engenharia reversa, com o intuito de assimilar as tecnologias importadas, no menor espaço de tempo possível, nos anos 1980, a estratégia irá transitar para o modelo de imitação criativa, reduzindo, assim, mais ainda a dependência de importações (KIM, 1997a).

            As empresas do setor de equipamento de transporte, com o intuito de impulsionar a imitação criativa, criaram institutos de P&D para desenvolver projetos atualizados e redesenhos nacionais. O melhor exemplo dessa estratégia é a Hyunday, já que essa empresa, com o intuito impulsionar a inovação, criou em 1984, o Instituto Avançado de Tecnologia e Pesquisa para desenvolver seus próprios motores e sistemas de transmissão, criou o Centro de P&D para Automóveis de Passeio e o Centro de P&D em Automóveis Comerciais para o desenvolvimento de ônibus, caminhões e veículos utilitários. Essa política das empresas automobilísticas segue os objetivos propostos no 5° plano quinquenal o qual tinha como uma das metas principais fomentar a produção mais intensiva em P&D.

Os anos 1990 e 2000 serão de continuidade do processo de abertura da economia coreana, assim como a implementação de novas estratégias de desenvolvimento da indústria automobilística. Segundo Lee (1997), após intensas negociações comerciais com os EUA, em 1995, o governo coreano ampliou o mercado interno para a entrada de importações de automóveis, assim como de produtos automotivos. Para o autor, as alíquotas de importação e taxa de imposto sobre a aquisição de carros importados foram substancialmente reduzidos e os fabricantes estrangeiros passsaram a ter maior liberdade em construir estratégias de inserção no mercado coreano. As tarifas sobre carros importados na Coreia eram 60% em 1986, quando o  governo autorizou a importação de carros estrangeiros pela primeira vez. Depois de sucessivas  reduções, as tarifas de importações ficaram em torno de 8%, o que é um nível ainda mais baixo do que na União Européia e  outros  principais países em desenvolvimento com tarifas muito mais pesadas começando em 20%  no México e chegando a 100-120% na China.

Segundo Ravenhil (2001), na véspera da crise, a Coreia tornou-se o quarto maior produtor mundial de automóveis, tendo ultrapassado gigantes europeus, como a França e o Reino Unido. Este rápido crescimento da produção foi gerada por empresas de capital nacional – as chaebols – e pode ser considerada uma conquista significativa, dadas as barreiras à entrada em uma indústria caracterizada por economias de escala e pela rápida evolução das tecnologias de produtos e processos. Para o autor, a Coreia sendo considerada uma economia de industrialização tardia, alcançou no final dos anos 1980 um patamar de grande exportador de automóveis com cerca da metade da produção nacional total destinada aos mercados de exportação, sendo que as exportações de automóveis da Coreia, em sua grande parte, foi de automóveis com sua própria marca, como Hyundai, Daweeo e Kia. Entranto, esse crescimento do setor esteve associado a uma rápida expansão da capacidade de produção no início dos anos  1990, criando assim enormes problemas estruturais para as montadoras coreanas. O investimento para a expansão da capacidade de produção esteve associado a um excessivo endividamento por parte das empresas automobilísticas. Ao terem acesso fácil ao crédito, houve um crescimento excessivo do endividamento por parte das empresas. Para citar um exemplo extremo: no final de 1996, a Ssangyong Motors, uma empresa especializada principalmente em veículos de quatro rodas motrizes, tinha uma dívida em relação ao patrimônio em torno de 10,496%. Para Ravenhil (2001), a crise que atingiu a economia coreana em 1997-1998, no entanto, foi mais do que apenas uma crise financeira, foi  sistêmica de uma estratégia de desenvolvimento que tinha incentivado as empresas a confiar excessivamente em empréstimos bancários, com o objetivo de diversificar fora do núcleo de suas áreas de competência, fazendo com que as empresas buscassem quotas de mercados em vez de lucratividade. Quando surge a dificuldade de uma especialização em setores em que a capacidade excedente mundial estava crescendo, houve dificuldades para as empresas coreanas entrarem em  mercados de economias industrializadas. Essa dificuldade de inserção externa em novos mercados resulta em uma queda no comércio externo coreano, associado a uma queda do mercado interno e ao endividamento excessivo das empresas, resultando em uma crise de rentabilidade das empresas coreanas que foram afetadas severamente na década de 1990, agravado com a crise de 1997.

            Como as condições econômicas se deterioraram e o serviço da dívida tornou-se impossível, primeiro Kia, em seguida, Ssangyong, e  a terceira maior chaebol coreano, Daewoo, procuraram proteção de credores. A Samsung Motors fez uma parceria com  francesa Renault – Grupo Renault Samsung –  e a Daewoo comprou a Ssangyong, posteriormente adquirida American General Motors (GM Korea). Para Ravenhil (2001), a decisão do grupo Kia em julho de 1997 em pedir concordata ilustra as vulnerabilidades da indústria automobilística coreana no início dos anos 1990. O Grupo Kia foi o sétimo maior chaebol. Embora tenha  diversificado suas ações em onze setores industriais,  o seu core buseness foi a fabricação de veículos. A Kia teve a segunda maior capacidade de produção de automóveis do país –  o primeiro é a  Hyundai Motors –  e foi um exportador significativo (mais de 250 mil unidades por ano). Junto com sua subsidiária de veículos pesados​​, a Asia Motors, com cerca de 7.500 subcontratados, com um total de mais de 600.000 funcionários, também diversificou suas atividades em setores como construção e  aço, fato este que juntamente com os problemas de excesso na indústria automobilística, tornou-se sua ruína.         Em julho de 1997, o grupo Kia havia acumulado dívidas superiores a US$ 10,7 bilhões.  Após vários meses de indecisão, o governo Kim Young Sam  acabou concordando em leiloar ativos da Kia. A Kia foi vendida para o maior lance, da Hyundai, sob alegações de que o nacionalismo econômico seria uma solução mais racional de vender a montadora do que aceitar ofertas de empresas estrangeiras como a Ford. A fusão da Hyundai com a Kia formou um conglomerado Hyundai-Kia com participação de 72% no mercado de automóveis coreano.

Jung (2008) afirma que, mesmo considerando o momento delicado pelo qual passou a indústria automobilística coreana em meados dos anos 1990, é importante levar em consideração que  a indústria automobilística coreana está entre os principais produtores de automóveis  no mundo, após o Japão e os Estados Unidos.  Além disso, a indústria automobilística coreana ocupa posição de destaque no cenário nacional, pois a partir de 2005, foi responsável por 8,9% do total de empregados, 11,5%  do produto bruto,  e 10,3%  no  volume de exportação no setor manufatureiro do país. O setor cria em torno de 1,57 milhão de empregos diretos e indiretos. Além disso, o superávit comercial do setor registrou US$ 29,9 bilhões em 2006, tornando-se a maior indústria de exportação da Coréia.

            Dado a relevância da indústria automobilística coreana para a economia do país, Salas-Porras e López-Aymes (2013) afirmam que com o processo de abertura ao investimento estrangeiro, assim comoa a abertura em relação ao capital financeiro e à política comercial, as empresas coreanas foram expostas a nova competição no mercado interno e no mercado externo, exigindo delas, particularmente a indústria automobilística, uma reavaliação da sua inserção nas cadeias globais de valor.

            Lee (1997) afirma que as fabricantes de automóveis coreanas têm sido agressivas nos últimos anos na expansão de suas operações no exterior. As empresas coreanas, com o objetivo de ficar entre as maiores produtoras na economia mundial, estão agora entrando em uma nova fase, onde todos os esforços são baseados na ideia de gestão global, com cada  fabricante buscando estratégias diferentes para avançar no exterior para construir a produção e operação local.  A Hyundai vem estabelecendo um sistema de produção local abrangente de fabricação de peças e componentes em países com grandes mercados, mas mantendo independência em seus negócios.  A Daewoo, incorporada a GM Korea, que tem sido o mais agressivo de todos os fabricantes coreanos na prossecução  em sua estratégia de internacionalização, está avançando no mercado estrangeiro, quer através da construção de plantas locais com capacidade de produção de 200 mil unidades por ano, ou em joint ventures com empresas locais. A  Kia, por outro lado, tem como principal  estratégia de globalização a construção de um conjunto de plantas locais no exterior.

O crescimento da participação dos países asiáticos na produção mundial de veículos tem como um dos principais protagonistas a Coreia do Sul. Como já citado anteriormente, as empresas de automóveis coreanos têm sido agressivas nos últimos anos na expansão de suas operações no exterior. As empresas coreanas, com o objetivo de ficar entre as maiores produtoras na economia mundial, estão agora entrando em uma nova fase, onde todos os esforços são baseados na ideia de gestão global, com cada  fabricante buscando estratégias diferentes para avançar no exterior para construir a produção e operação locais.

Isso pode ser constatado quando se observa que as vendas domésticas de carros, considerando apenas carros coreanos, tiveram uma taxa média de crescimento de 9,0% entre 2004/2013. Do ponto de vista do comércio exterior, enquanto as exportações de veículos da Coréia do Sul tiveram uma taxa média de crescimento de 64,8% ,  as importações tiveram taxa média de crescimento de  62,8% para o mesmo período[3]. Com isso, como mostra os indicadores da Korea Auto Industries Coop. Association (KAICA), observa-se que da produção total de veículos da indústria automobilística coreana, em 2003, 57,1% da produção era destinada para as exportações, enquanto 41,5% era destinada para as vendas domésticas e 1,5% eram carros importados.

Com a estratégia de voltar mais a produção para o mercado externo, a participação das exportações como destino da produção de automóveis sai de 57,1% em 2013, saltando para 68,3% em 2013, sendo que ao longo do período em análise, essa participação chegou a 70% em 2008, caindo para 61,2% em 2009 em decorrência da crise da economia mundial, mas apresentando recuperação já em 2010, fato este que mostra que a estratégia de voltar a produção para o mercado externo da indústria automobilística coreana tem logrado êxito.

Por outro lado, com o aumento da participação das exportações, as vendas domésticas como destino da produção de veículos coreanos têm apresentado declínio ao longo do período, pois em 2003 a participação era de 41,5% e em 2013 fica em 30,6%.  Vale notar que, com o processo de abertura da economia, já citado e discutido no primeiro capítulo desta pesquisa, o governo coreano abriu o mercado interno para a entrada de importações de automóveis, assim como de produtos automotivos. As alíquotas de importação e taxa de imposto sobre a aquisição de carros importados foram substancialmente reduzidos e os fabricantes estrangeiros passsaram a ter maior liberdade em construir estratégias de inserção no mercado coreano. As tarifas sobre carros importados na Coreia eram 60% em 1986, quando o  Governo autorizou a importação de carros estrangeiros pela primeira vez. Depois de sucessivas  reduções, as tarifas de importações ficaram em torno de 8%, o que é um nível ainda mais baixo do que na União Européia e  outros  principais países em desenvolvimento com tarifas muito mais pesadas começando em 20%  no México e chegando a 100-120% na China[4]. Com isso, as importações de carros apresentaram uma elevada taxa média de crescimento, como consta os indicadores da Korea Auto Industries Coop. Association (KAICA), resultando em crescimento em sua participação no comércio de automóveis na Coreia do Sul, saindo de uma participação de 1,5% em 2003 para 3,0% em 2012 e 2,9% em 2013.

A contrapartida da dinâmica das taxas de crescimento econômico é a evolução da participação dos países na produção de veículos total a motor. Segundo dados da tabela 2, a Coreia do Sul tinha uma participação de 15,7% em 1997, auge da crise da economia asiática, apresentando recuperação entre 1999 e 2001, quando sua participação ficou entre 16% e 17%. Mas a partir de 2002 há constantes quedas na participação até ficar entre 11% e 10% nos anos 2000. Se no início dos anos 1990 a Coreia era o segundo país com maior participação na produção de veículos na região Ásia-Oceania (com participação de 15,7% em 1997), em 2013, a Coreia passa a ser a terceira maior produtora de veículos a motor da região (com participação de 9,9% em 2013). Essa queda na participação não se limita a Coreia, mas também ao Japão que deixa de ser o país como principal produtor de automóveis da região para ser o segundo com maior participação na produção total de veículos (em 1997, a participação do Japão era de 60,2%, e em 2013 caiu para 21,0%). O grande diferencial na região Ásia-Oceania é a economia chinesa, que ao longo dos anos 1990 e 2000, com elevadas taxas de crescimento em sua produção, passa a ser o país com maior volume e líder de produção de veículos a motor na região, saindo de uma participação de 10,9% em 1999 e chegando ao patamar de participação de 48,3% em 2013.

É importante observar que, entre 2012 e 2013, a queda na participação da Coreia na produção mundial de veículos está associada a um pequeno arrefecimento do seu principal mercado de destino das exportações, ou seja, a China. Isso aponta mais uma vez para a relevância do crescimento da economia chinesa para a dinâmica da produção da indústria automobilística coreana. Por outro lado, ao mesmo tempo em que a participação do Japão cai no valor total da produção, assim como da Coreia, as participações da China, Índia, e Tailândia apresentaram forte crescimento na participação ao longo do período 1997/2013, fato este que mostra que tanto o Japão, como a Coreia, ao aproveitar  o dinamismo das economias dessas regiões para exportar seus produtos automotivos, simultaneamente passa a ter também fortes concorrentes na região Ásia-Oceania, assim como na economia mundial.

Em todos os indicadores apresentados até aqui é inquestionável que a dinâmica da produção da indústria automobilística coreana apresentou uma queda substancial, principalmente a partir de 1997, quando comparado com a China e a Índia. Entretanto, é importante levar em consideração que mesmo com a queda, a Coreia permanece entre os principais produtores de automóveis do mundo, além de ter duas empresas automobilísticas coreanas entre as principais empresas do mundo. Segundo o ranking das principais empresas automobilística do mundo, a Kia sai da posição de 21° em 1998, para a 15° maior empresa do mundo na produção de automóveis em 2006. Já a Hyundai, em 1998, era a 15° maior empresa do mudo na produção de automóveis, saltando para 10° em 2006, 8° em 2008 e em 2012, a Hyundai ficou na 4° posição como maior empresa automobilística na economia mundial, ficando atrás por ordem de classificação apenas da Toyota, GM e a Volkswagen. É relevante notar que, em 2012, a Hyundai teve uma participação de 41,8% na produção total de veículos a Coreia do Sul, enquanto a Kia tem uma participação de 34,8%, ou seja, as duas empresas dominam 76,6% da produção de automóveis no país. Em 2012, a GM Korea tinha uma participação no mercado interno de 17,2%, enquanto a Renault Samsung teve participação de 3,4% e a Ssangyong de 2,6%[5].

Um fator relevante a ser notado é que o crescimento das economias da China e Índia, assim como de outras economias asiáticas como a do Japão, é fundamental para a indústria automobilística coreana, já que 68,3% da sua produção é voltada para as exportações, tendo nesses países um dos seus principais mercados. Além do mais, esses indicadores apontam para o fato de que a queda da participação da Coreia do Sul em todos os indicadores apresentados até aqui, principalmente quando comparado com a China e a Índia, tem como um dos principais motivos a crise de algumas empresas coreanas em 1997. Por outro lado, essa queda é compensada com a ascensão da Hyundai e Kia como umas das principais empresas automobilísticas na economia mundial. Se Kim (2005a) talvez tenha se equivocado ao afirmar que a indústria automobilística coreana estava em pleno vapor e sucesso, contrariando as perspectivas de analistas do setor, por outro lado ele estava correto se for levado em consideração a performance de empresas especificas e não do total de empresas automobilísticas do país, principalmente a Hyundai.

Para Jung (2008), a lógica da política de controle, autonomia e independência criou uma relação  de transção vertical entre os fabricantes coreanos e os fornecedores de componentes, onde as montadoras construíram um forte controle sobre os fornecedores de componentes.  A estrutura de contrato da indústria automobilística coreana antes da crise financeira é  basicamente caracterizado pela componente de abastecimento das montadoras de suas afiliadas ou  subsidiárias, uma estrutura exclusiva de sistematização vertical e com uma estrutura de divisão do trabalho em camada única.

Nessa lógica de transação exclusiva e vertical, o núcleo de fornecedores de componentes automotivos foram adquiridos pela  coligadas (afiliadas) e controladas (subsidiárias) chaebol.  As afiliadas significam as sociedades que pertencem ao  mesmo grupo de empresas e estão diretamente relacionados entre si no grupo em termos de  propriedade do capital. Subsidiárias, por outro lado, são os fornecedores de componentes que  pertencem e são geridos pelos familiares dos fundadores ou acionistas controladores das  chaebols, mas não têm as relações de propriedade. Exemplos das subsidiárias da Hyundai são o grupo Mando Machinery Cooperation, Halla Climate Controle Corporation  e  SungWoo  Group. Estas afiliadas e subsidiárias estão relacionadas na oferta de produtos automotivos, tais como ar condicionado, componentes de audio, baterias e similares, assim como itens mais intensivos em capital. Em  meados dos anos 1990, o fornecimento das afiliadas e subsidiárias representaram 41% a 46%  da oferta total de componentes para as montadoras. Essa relação deixa nítido que as montadoras  tinham uma estrutura de abastecimento de componentes e peças muito fechada, com a obtenção dos produtos automotivos somente através de suas afiliadas e subsidiárias[6].

Essa relação cria transações exclusivas entre as empresas de montagem e os fornecedores de componentes através da sistematização vertical com pleno controle por parte das empresas coreanas. Em 1995, das 1.150 transações de fornecimento de componentes para montadoras, 657 transações foram feitas com apenas uma montadora, ou seja, 57,1%  das transações entre fornecedores e montadoras estavam envolvidos em operações exclusivas. Outras 21,3%  das transações de fornecimento de componentes entre fornecedores e montadoras  aconteceram com apenas duas montadoras. Isso mostra o forte controle das montadoras sobre os fornecedores, criando uma estrutura de transação exclusiva. Para Jung (2008), este sistema resultou em baixa benefício deeconomia de escala e os fornecedores de componentes permaneceram em  em pequena escala, pois cada montadora tinha seu próprio conjunto de fornecedores de componentes exclusivos.

Assim, a estrutura contratual da indústria automobilística coreana antes do financeiro  da crise de 1997 foi construída sobre uma sistematização vertical e caracterizado pela relação de transação exclusiva e fechada.  Com a crise de 1997, a depressão da indústria automotiva causada pela falência da Kia Motors em 1997,  seguido da reestruturação das montadoras com as fusões e aquisições discutidas no primeiro capítulo deste pesquisa, deixou em evidência o acúmulo de problemas crônicos com essa estrutura vertical, tais como exclusividade da estrutura de fornecimento de componentes e pequenas escalas de fornecedores de componentes. É importante lembrar que a crise de 1997, pela qual passa a economia coreana, está associada às transformações no mercado global da indústria automobilística com a nova lógica de CGVs.

Com o processo de fusão e aquisição, diminuindo o númedo de montadoras na Coreá de oito par cinco,  mudou a  estrutura da transação exclusiva que tinha sido apontado como um problema crônico do  indústria automobilística coreana. Outro fator também contribuiu para  a mudança da estrutura de concorrência da indústria de componentes automotivos doméstica, pois muitos fornecedores de componentes especiais estrangeiros entraram no mercado coreano, iniciando a realização de  investimentos nas empresas fornecedores de componentes nacionais. O número de estrangeiros investindo em  empresas fornecedores de componentes saiu de 148 em 2003 para 176 em 2006[7].

Com as mudanças,  muitas transações controladas no passado através do sistema de subsidiária foi drasticamente enfraquecida. Por exemplo, com a falência da  Halla Climate Controle Corporation   –  grupo que tinha o controle sobre os fornecedores de componentes essenciais, tais como Mando Machinery Cooperation e Halla Climate Controle Corporation – houve um enfraquecimento do sistema de integração vertical em que predominava o forte controle das montadoras sobre seus fornecedores. A Hyundai Mobis tornou-se a maior  subsidiária de fornecimento de componentes de Hyundai Motors no lugar da Mando Machinery Cooperation. Como resultado, cria-se um novo sistema de fornecimento de componentes baseado na relação central-filial, com o sistema de produção passando a ser modularizado.

A Hyundai e Kia Motors começaram a promover o sistema de modularização da produção em 1999. Isto significa que os fornecedores entregam  bens montados em módulos que permite  o uso comum, propiciando a produção em grande escala e a terceirização dos componentes, ampliando o processo de relação entre fornecedores e montadoras, tornando a relação mais horizontal. Além do mais, esse novo sistema promove a diversificação do canal de transação dos fornecedores de componentes, reduzindo e eliminando as transações exclusivas. Em  1990, os fornecedores de componentes das quatro montadoras que tiveram apenas um parceiro na  transação atingiu 66,9% , mas essa proporção diminuiu para 55,4% em 2001[8].

Para Jung (2008), as mudanças no mercado da indústria automobilística coreana deve ser vista como resultado de quatro fatores básicos que promoveram a redução da operação exclusiva e contribuiram para a diversificação dos canais de transação, quais sejam: 1) incorporação da Kia com a Hyundai  promoveu a abertura do canal de transação entre os dois fabricantes de automóveis e os fornecedores de componentes para que os fornecedores da Hyundai pudessem receber ordens da Kia e  vice-versa; 2) a GM e Renault que adquiriu a Daewoo e Samsung promoveram as  transações de seus próprios fornecedores de componentes com as outras montadoras nacionais com o objetivo de introduzir incentivos para o desenvolvimento de fornecedores de peças e componentes; 3) Com os fornecedores estrangeiros  de peças e componentes avançando para o mercado coreano, os fornecedores de componentes  passaram a buscar  novos canais de distribuição, que não ficasse limitado apenas ao mercado coreano, diversificando assim as relações com outros mercados e empresas; e 4) houve um aumento de importações de componentes de automóveis vindo de outros mercados, como do Japão, China, EUA e Alemanha.

Segundo Lee (1997), a explicação para a diversificação e parcerias entre montadoras coreanas e fornecedores, é o fato de quea globalização dos fabricantes coreanos está associado a ampliação da relação comercial entre montadoras coreanas e fornecedores, assim como na expansão do investimento em outros países em centros de pesquisa, o que resulta em uma maior intensificação de exportação e importação de produtos automotivos. No Japão, a Kia expandiu e reorganizou o Japan Research Institute e estabeleceu a Kia Tokyo P&D Center. Nos EUA, a Kia estabeleceu uma relação de cooperação com Detroit Research Institute e LA Design Research Institute. A Hyundai  estabeleceu um instituto de pesquisa de tecnologia nos EUA em 1986, o primeiro realizado por uma montadora coreana fora do país. Na Alemanha, ao criar um centro de P&D em Frankfurt em 1994,com o objetivo de  desenvolver a tecnologia e os produtos adequados para o mercado europeu, a Hyundai estabeleceu sua
rede de P&D, que atende também os EUA, Japão e o próprio mercado global. A Daweoo, incorporada a GM Korea, reforçou seus laços de cooperação mútua com várias outras empresas relacionando o Worthing Technology Center que adquiriu do IDA Group do Reino Unido, com o Munich Research Institute da Alemanha.

Essas três montadoras coreanas têm estabelecido uma rede global de sourcing que liga os EUA, Japão e Alemanha.  A Kia criou uma rede de ligação de institutos de pesquisa e com fornecedores para produzir peças e componentes em Detroit, relacionada com a uma empresa KME na Alemanha e um centro de pesquisa em Tóquio.  A Daewoo criou  um sistema de produção e fornecimento de peças e componentes, com motores passando a ser fornecedidos a partir de  Índia, pequenos dispositivos da Roménia,  partes principais, incluindo motores e transmissões, vindo da China e fornecido para a região do Leste Asiático. Hyundai também tem construído fábricas de peças em  países em desenvolvimento, a fim de fornecer peças para suas plantas locais.

Referência:

KIM, Dohoon; KOH, Youngsun.Korea’s Industrial Development. In: SAKONG, II; KOH, Youngsun. The Korean Economy. Six Decadesof Growth and Development. Seoul: Korea Development Institute (KDI), 2010. Disponível em: www.kdi.re.kr Acesso em: 08/05/2011

KIM, Eun Mee. Big Business, Strong State. Collusion and Conflict In South Korean Development, 1960-1990. New York: State University of New York Press, 1997b.

KIM, Kwan S. The Korean Miracle (1962-1980) Revisited: Myths and Realities in Strategy and Development. (Working Paper). University of Notre Dame : Kellogg Institute, 1991. Disponível em: www.kellogg.nd.edu/publications/workingpapers/WPS/166.pdf Acesso em: 04/08/2010

KIM, Linsu. Imitation to Innovation: The Dynamics of Korea’s Technological Learning. Harvard Business Review Press (March 1, 1997a).

JUNG, Sung Chu. Korean Automobile Industry’s Production Network in China. 2008. Disponível http://www.eria.org/publications/research_project_reports/ Acesso em: 15/10/2014

LEE, Daechang. Korean Automotive Industry in Transition. 1997. Disponível em: http://dspace.mit.edu/bitstream/handle/1721.1/1453/163a.pdf Acesso em: 15/10/2014

LEE, Kong Era. O Aprendizado Tecnológico e o Ingresso de Empresas Usuárias de Bens de Capital na Coréia do Sul. In: KIM, Linsu; NELSON, Richard R. (orgs.). Tecnologia, Aprendizado e Inovação. As Experiências das Economias de Industrialização Recente. Campinas: Editora da Unicamp, 2005a.

LEE, Nae-Young. The Automobile Industry. In: The Park Chung Hee era: the transformation of South Korea / edited by Byung-Kook Kim and Ezra F. Vogel, 2011.

LEE, Won-Young. O Papel da Política Científica e Tecnológica no Desenvolvimento Industrial da Coréia do Sul. In: KIM, Linsu; NELSON, Richard R. (orgs.). Tecnologia, Aprendizado e Inovação. As Experiências das Economias de Industrialização Recente. Campinas: Editora da Unicamp, 2005b.

LIMA, Uallace Moreira. A Inserção da Coreia do Sul na Cadeia Global Automobilística: Foco Sobre as Políticas Públicas. In: Ivan Tiago Machado Oliveira; Flávio Lyra Carneiro; Edison Benedito da Silva Filho. (Org.). Cadeias Globais de Valor, Políticas Públicas e Desenvolvimento. 1ºed.Brasília: IPEA, 2017, v. 1, p. 207-268.

LIMA, Uallace Moreira. Desenvolvimento Capitalista e Inserção Externa na Coréia do Sul: A Economia Política da Diversificação Industrial e do Comércio Exterior de Bens de Capital (1974-1989). Campinas, UNICAMP. Tese de Doutorado, 2013.

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RAVENHILL, John. From National Champions to Global Partnerships: The Korean Auto Industry, Financial Crisis and Globalization. 2001. MIT Japan Program: Working Paper Series 01.04. Disponível em: http://web.mit.edu/mit-Japan/outreach/working-papers/WP0104.pdf Acesso em: 15/10/2014

RITTER, Larissa. The Rise And Competitiveness Of South Korean Automobile Manufactures – A Comparative Study With German Auto Producers. 2010. Disponível em: www. http: // http://aut.researchgateway.ac.nz/handle/10292/1025 Acesso em: 15/10/2014


[1] Ver Kim (1991)

[2] Para uma maior análise de todos os objetivos e metas do 4° Plano Quinquenal, ver o estudo do Banco Mundial (1977).

[3] Ver Korea Auto Industries Coop. Association (KAICA).

[4] Ver Lee (1997)

[5] Ver Annual Report Korean Automobile Industry, 2013.

[6] Ver Jung (2008).

[7] Ver Jung (2008) e Ritter (2010)

[8] Ver Jung (2008).

1 thought on “Como o General Park criou a indústria de carros na Coréia e ajudou a Hyundai (não ficou na plantação de arroz!)”

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