O crédito no Brasil tende a reforçar as desigualdades presente na nossa sociedade e por isso a necessidade de políticas públicas e algum nível de direcionamento de recursos privados. A figura 2 abaixo do BCB retrata a concentração de crédito nos níveis de renda mais altos da sociedade – o saldo de crédito acumulado pelos 10% da população de renda alta foi de aproximadamente R$1 trilhão, cerca de quatro vezes a carteira da faixa de menor renda. Somente o saldo do 1% com renda mais alta foi de R$396 bilhões, maior, portanto que os R$ 258 bilhões de crédito dos 50% de baixa renda. As razões para tamanha concentração são muitas, desde as clássicas falhas de mercado resultado das assimetrias de informações entre tomadores e fornecedores de crédito até o contexto brasileiro de concentração bancária em poucos grandes bancos passando pela dificuldade natural de constituição de garantias e colaterais. Segundo o Relatório de Economia Bancária do Banco Central em 2020 os 5 maiores bancos brasileiros concentram 81,8% de todo o crédito do país e 79,1% dos depósitos. Considerando que o crédito é uma fonte de crescimento da renda e investimentos da economia, faz-se necessários políticas públicas indutoras de desconcentração bancária, de inclusão financeira e direcionamento de crédito. Além das ações de caráter regulatório do Banco Central, os bancos públicos e o Sistema Nacional de Fomento (SNF) são importantes atores nesse processo. Com a recente redução da capacidade de financiamento do Bancos de Desenvolvimento, as Cooperativas de Crédito se tornaram o principal vetor de redução da concentração bancária. Apesar da participação dessas instituições financeiras no mercado de crédito do Brasil serem menos relevantes que numa comparação internacional, as cooperativas de crédito foram as únicas que após a crise de 2008 aumentaram consistentemente sua carteira de crédito e vêm contribuindo para redução da concentração bancária brasileira (Gráficos abaixo SNCC-Sistema Nacional de Crédito Cooperativo versus SNF- Sistema Financeiro Nacional). Por serem formadas por 11,9 milhões de cooperados associados, as cooperativas de crédito concentram suas operações em pessoas físicas e micro/pequenas empresas. A presença em regiões remotas do país e o atendimento ao setor de agricultura familiar conferem às cooperativas uma contribuição relevante também no quesito desenvolvimento regional.
O setor financeiro foi um dos mais impactados pelas mudanças tecnológicas em curso, o que traz a expectativa de aumento da concorrência. O surgimento de bancos 100% digitais, os aplicativos que substituem as agências bancárias físicas e a multiplicação de fintechs são apenas alguns elementos mais visíveis da transformação em curso, que foi bastante acelerada como efeito da necessidade do lockdown durante a pandemia. Boa parte da expectativa gira em torno das fintechs, do aumento da concorrência bancária, das finanças abertas e descentralizadas e da solução de um problema clássico no mercado de crédito que são as assimetrias de informação e o risco moral. As fintechs podem ser definidas como um conjunto de novas tecnologias empregadas no setor financeiro ou como uma empresa que oferta serviços financeiros digitais, também conhecidos pela sigla DFS (Digital Financial Services) segundo relatório publicado pelo Banco Mundial. Há uma ampla bibliografia nacional e internacional que tem estudado as fintechs e seus efeitos, com destaque para publicações do FMI, OCDE, Banco Mundial e consultorias renomadas. É ponto comum que as fintechs desempenham um papel importante na ampliação da inclusão financeira e no desenvolvimento e aprimoramento dos sistemas financeiros. Por isso, também constam da agenda BC# do Banco Central do Brasil como uma prioridade[1]. O BCB relaciona como principais benefícios das fintechs o aumento da eficiência e concorrência no mercado de crédito, a diminuição de burocracia e a criação de condições para a redução do custo do crédito. No Brasil, as fintechs são regulamentadas por resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) e são divididas em Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEPs), que são autorizadas a realizar operações de crédito – também conhecidas como peer-to-peer lending – entre pessoas físicas, e as Sociedades de Crédito Direto (SCDs) que executa operações de crédito com recursos próprios, por meio de plataforma eletrônica. Segundo levantamento da FintechLab, em agosto de 2020 existiam 771 fintechs mapeadas[2].
As transformações do setor financeiro em curso no Brasil não seguem somente o caminho de impulsionada pela tecnologia (“technological driven”), igualmente importante tem se mostrado as transformações induzidas pelo ambiente regulatório e o Banco Central do Brasil (BC) acelerou nos últimos anos o estimulo via regulamentação. No último ano a agenda de maior impacto conduzida pelo BC certamente foi a introdução do PIX. O PIX é um meio de pagamento eletrônico instantâneo e gratuito lançado oficialmente no dia 5 de outubro de 2020 com início de funcionamento integral em 16 de novembro de 2020. Por meio do PIX, os recursos são transferidos de modo seguro entre contas em poucos segundos, 24 horas por dia. Pode ser realizado a partir de uma conta corrente, conta poupança ou conta de pagamento pré-paga. De acordo com a 13ª Pesquisa de Impacto da Pandemia do Coronavírus nos Pequenos Negócio, realizada pelo Sebrae em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV)[3] no final de novembro, 86% dos pequenos negócios já utilizam o PIX. O número é nove pontos percentuais superior ao detectado na edição anterior da pesquisa realizada em agosto, quando 77% dos entrevistados afirmaram ter aderido a esse meio de pagamento. Quando separado por porte, os microempreendedores individuais (MEI) e os donos de micro e pequenas empresas estão entre os maiores usuários, 87% e 85%, respectivamente, já fizeram a adesão.
Outra agenda regulamentada pelo BC em 2020 e que deverá gerar grande impacto no setor financeiro com aumento de concorrência e geração de novos negócios é Open Banking, ou sistema financeiro aberto[4]. Como ocorreu em outros países que já implementaram o Open Banking, abre-se a possibilidade de clientes de produtos e serviços financeiros compartilharem suas informações financeiras entre diferentes instituições. Como resultado, há uma redução na assimetria de informações entre clientes e instituições de crédito e aumento da concorrência, com possíveis derivações para redução de taxas de juros e ampliação de acesso ao crédito. Contudo como bem apontou o Professor Lauro Gonzales, o Open Banking não é uma “bala de prata” para aumentar a concorrência bancária. E ainda seus efeitos tendem a ser diferentes entre o grupo dos “incluídos” no setor bancário e os “excluídos”. Para o primeiro grupo, as novas tecnologias bancárias tendem a trazer maior oferta de produtos e serviços e podem promover concorrência bancária a partir da criação de novos modelos de negócio. No mercado de crédito, entretanto, as fintechs são “uma gota no oceano”. Já o segundo grupo enfrenta dois tipos de exclusão: a financeira e a digital. As pessoas de mais baixa renda e regiões remotas possuem acesso limitado a serviços de internet, seja pelo custo seja pelo provimento de infraestrutura de telecomunicação. Para Gonzales, uma mudança inclusiva dependeria além de novas tecnologia e regulamentação (como PIX e Open Banking) que as políticas públicas lidasse tanto com o acesso ao sistema quanto com o custo para o pequeno tomador.
Artigos e entrevistas recentes do Professor Lauro Gonzales:
https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/afinal-quem-criou-o-pix/
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-uso-politico-do-microcredito.ghtml
[1] BCB (2019 a).
[2] FINTECHLAB (2020)
[3] https://fgvprojetos.fgv.br/artigos/o-impacto-da-pandemia-de-coronavirus-nos-pequenos-negocios-13a-edicao-do-sebrae-dezembro
[4] BCB (2019b)
Fonte: Relatório de Cidadania financeira 2021 – BCB