Coreia do Sul, caso único de sucesso de política industrial?

*escrito por Lavinia Barros de Castro – Professora do Ibmec RJ

Muito se tem discutido sobre a Coréia ter sido um caso único de sucesso de política industrial. A resposta é sim, apenas no sentido de que todas as experiências de desenvolvimento têm elementos únicos, singulares. A resposta é não, quando se considera que o país usou de instrumentos e criou instituições comuns a diversas experiências bem-sucedidas. Como se sabe, a Coreia teve seu território dividido, em 1948, sendo na sequencia devastada por uma Guerra Civil (1951-53). Em 1954, foi criado o Banco de Desenvolvimento Coreano (Korea Development Bank – KDB), inicialmente chamado de Banco de Reconstrução Coreana com objetivo primário de garantir crédito de médio e longo prazo para a indústria. Ao final de 1955, o KDB já representava 40% do crédito bancário do país. Diversos países criaram Bancos de Desenvolvimento no pós-Guerra, em esforços de reconstrução – inclusive a Alemanha, com o KfW, em 1948. Outros, os criaram para transformar suas estruturas produtivas de economias agrícolas para industriais. Foi o caso do Brasil, com BNDES (1952). A Coréia, portanto, não é caso único nem, muito menos, um ser mítico, um “unicórnio”. No contexto da Guerra Fria, a Coreia recebeu abundantes recursos de ajuda externa americana. Controlando fontes de financiamento domésticas e externas, manipulando restrições à importação, bem como estabelecendo tetos de preços domésticos, o governo coreano usou de poderoso conjunto de instrumentos para afetar a rentabilidade das atividades produtivas e assim estimular investimentos. Esses instrumentos e práticas eram comuns no pós-Guerra. Grande parte da literatura sobre a Coréia dos anos 1950 (ex.Krueger (1984) e Lal (1983) só enxergam o que caracterizaram por uma sociedade rent seeking (acesso privilegiado a licenças e quotas de importação, contratos públicos não competitivos etc., em ambiente altamente inflacionário). Entretanto, os dados mostram que, mesmo nos anos 1950, houve sim desenvolvimento industrial e um crescimento de 5,5%, em média (1954-1958). Ali, nos anos 1950, foram lançadas as bases institucionais para o financiamento do desenvolvimento que caracterizaria o país no período 1950-80. O papel dos bancos públicos estava, porém, por ampliar-se (Castro, 2006).

Durante a década de 1960 importantes reformas financeiras foram feitas, incluindo o retorno dos bancos privados à propriedade do governo (estatização); a criação de novas instituições bancárias e não bancárias; uma reforma monetária (considerada unanimemente mal concebida) e a reforma dos juros em 1965 (elevação dos juros). Paralelamente a esse conjunto de reformas, o Governo buscava fomentar o Mercado de Capitais, sem grande sucesso. É, porém, errôneo supor que, porque o país aderiu à ideia de reforma das taxas de juros ou porque fomentou o mercado de capitais, o governo coreano tivesse adotado uma orientação financeira liberal. Ao contrário, o sistema financeiro coreano remanesceu sob estrito controle do governo após a Reforma. Na década de 1960, o país “decolou” (Korea takes-off) porque possuía três dos quatro pré-requisitos para o “take-off” (Woo, 1991, p.74):  a) o requisito tecnológico (com sua mão-de-obra qualificada, e uma capacidade pouco usual para absorver tecnologias); b) um emergente setor manufatureiro (liderado nos anos 1960 pela indústria têxtil); c) uma forte liderança política (personalizada na figura do General Park Hee) com capacidade de implementar projetos ambiciosos de desenvolvimento. O quarto pré-requisito, amplos recursos financeiros de longo prazo, foi adquirido após as reformas. O período que se estende de 1961-1971 compreende dois Planos Qüinqüenais. No primeiro (1962-66), o crescimento médio verificado foi de 8,3%; no segundo (1967-71) foi de 11,4%. Houve uma verdadeira transformação: o setor primário declinou sua participação de 44% em 1961 para 26,5%, em 1971. Apesar dos efeitos nefastos da primeira crise do Petróleo, os resultados do Terceiro Plano (1972-76) elevaram o crescimento a taxas de 11%, excedendo a meta (8,6%). A taxa de investimento médio atingiu 27% e as exportações quadruplicaram. Por volta de 1976, entretanto, o país representava ainda 0.6% do comércio mundial. Veio então o Quarto Plano Qüinqüenal, lançado em dezembro de 1976, que reuniu esforços para diversificar produtos e mercados de destino. O país “ousou” continuar crescendo a elevadas taxas, promovendo a etapa mais difícil da industrialização, em um contexto pós-choque do petróleo. Essa história lhe lembra a de algum outro país? (spoiler: II PND no Brasil). O Estado Coreano ao: 1) garantir retornos positivos sobre os investimentos; 2) ao fornecer crédito abundante; 3) ao criar uma convenção do crescimento, através da fixação de metas nos Planos Qüinqüenais de Desenvolvimento; e 4) ao criar instituições para o financiamento deste desenvolvimento, contribuiu de forma substantiva para garantir um vigoroso crescimento puxado pelo investimento privado. Na experiência Coreana não houve tanto a figura do Estado-empresário (atuando na produção), como em outras experiências de industrialização tardia – mas sim a de um Estado banqueiro e planejador. Sim, cada experiência de desenvolvimento é única – mas há, certamente, muitos fatores comuns de sucesso.

Referências:

CASTRO, Lavinia Barros de. “Financiamento do desenvolvimento: teoria, experiência coreana (1950-80) e reflexões comparativas ao caso brasileiro.” Tese de Doutorado (2006).
KRUEGER, Anne. “Trade Policies in Developing Countries” em Handbook of International Economics, vol., Edited By R.W Jones and P. Kenen, 1984.
LAL, Deepak. A Pobreza das Teorias Desenvolvimentistas, Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1983.
WOO, Jung-en. Race to the Swift State and finance in Korean Industrialization. Studies of the East Asian Institute. New York: Columbia University Press, 1991.

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