No antigo regime do padrão ouro, sempre que uma moeda ficava muito valorizada o ajuste deveria ser feito via deflação de preços. Ou seja, a alta cotação da moeda doméstica em relação ao ouro e demais moedas do mundo deveria ser corrigida por uma queda de preços internos. Essa excessiva valorização da taxa de câmbio reduzia a competitividade das exportações e aumentava muito as importações criando déficits externos e eventualmente saídas de capital. Pelas regras do padrão ouro, os fluxos de saída de capital significavam uma redução da base monetária que acabava resultando num aumento das taxas de juros locais. Toda essa dinâmica provocava uma recessão com aumento do desemprego e queda do nível de preços que poderia corrigir lentamente a taxa de cambio sobrevalorizada.
O problema iniciado no setor externo ia se alastrando e contaminando toda a economia, com redução do produto, renda, emprego, desativando espiritos animais e aumentando a preferência pela liquidez. O problema desse tipo de ajustamento, como bem apontou B. Eichengreen no clássico livro Globalizando o Capital, é que o tamanho da crise necessário para o ajustamento do câmbio não era suportado pelos governos. Em outro termos, a explosão do desemprego e recessão acabava derrubando o presidente ou primeiro ministro antes que a redução de preços pudesse corrigir o desajuste do câmbio real. Nesses eventos, o ajustamento acabava vindo por outra via: a desvalorização do câmbio nominal, ou seja, o abandono do padrão ouro. Essa história se repetiu ao longo do século XX e esta presente até hoje. Alguns casos clássicos foram os anos Churchill, que insipiraram Keynes a escrever o texto “The economic consequences of Mr Churchill”, ou ainda a própria sobrevalorizacao da libra no governo de John Major ate 1992. Em ambos os casos observou-se uma sobrevalorização da moeda inglesa que acabou numa grande desvalorização; no início dos anos 30 foi o abandono final de Inglaterra do padrão ouro e no início dos 90 foi o abandono do mecanismo monetário europeu conhecido à época como ERM.
Um caso bem próximo nosso foi a valorização da moeda brasileira nos anos 90. Ou ainda para ficar na América Latina, o caso chileno dos Chicago boys de 1978 a 1982 e o mais recente episódio da conversibilidade argentina 1990-2000. Em todos esses casos a história se repete. Uma sobrevalorização da moeda começa a causar déficits em conta corrente, preocupação dos investidores, subida de risco e de juros, estagnação econômica, queda do investimento e aumento do desemprego até que eventualmente o governo cai, a moeda é desvalorizada e o problema se resolve. O óbvio problema dos PIGS hoje (Portugal, Grécia, Espanha e Itália), que segue em detalhes o roteiro das conseqüências econômicas da sobrevalorização da moeda, é que eles não têm moeda para desvalorizar. Nos casos extremos a desvalorização cambial resolve o problema pois volta a ativar o sistema econômico, acionando o circuito de criação de renda e emprego. Depois de algum tempo o PIB volta a crescer puxado por exportações, a renda aumenta, o governo volta a arrecadar, os investidores se acalmam. No caso dos PIGS, a crise mundial atrapalhou ainda mais pois forçou um aumento de gasto público para defender o nível de produção que somado a queda de arrecadação acabou por desestruturar as contas públicas. Os PIGS tem agora um grande déficit publico e um grande déficit externo, mergulhados numa recessão.
É muito difícil ver uma solução para esse caso sem: i)anos de recessão e deflação capazes de reposicionar os preços dos PIGS em relação ao resto da Europa e do mundo, ii)aumento de preços e salários na Alemanha de modo a reequilibraar as contas correntes intra-euro. A política de contenção de salários e preços na economia alemã dos últimos anos acabou por forçar um aumento de competitividade em relação à Grécia, Portugal, Espanha e Itália. Enquanto esse desequilíbrio nao for resolvido, a saída para Europa será difícil. Durante o período de transição deverá haver uma grande coordenação de políticas de financiamento entre países europeus. Algum ajuste fiscal precisa ser feito, mas se usado em exagero poderá derrubar ainda mais o PIB dos PIGS. A solução final passa mesmo por um ajuste de preços relativos entre países da Europa. Levará muito tempo ainda.
ver também uma breve historia do Euro e ótimo paper sobre o tema
Belo artigo Gala, bem didático professor!
Ótimo artigo Gaia.
Me pergunto também se não seria a saída menos dolorosa se esses países optassem por sair da zona do Euro e retomassem suas antigas moedas, dessa forma, seria possível toda essa dinâmica que você citaste.