Os dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) sobre conteúdo tecnológico de nossa balança comercial continuam apresentando dados preocupantes. Os produtos das atividades de alta intensidade da balança comercial apresentaram déficit recorde em 2010. A apreciação cambial e a demanda muito aquecida contribuíram para o déficit maior no complexo eletrônico. Quanto aos bens de média-alta intensidade tecnológica, o déficit também foi recorde em 2010. Nosso superávit em balança comercial está totalmente dependente de preços de commodities. Nossos termos de troca, a relação de preços entre o que vendemos e o que compramos do resto do mundo, estão no melhor nível dos últimos 10 anos! Nossas commodities valem ouro no mercado internacional. E as manufaturas que compramos estão baratas graças a crise mundial.
A deterioração do nosso saldo comercial na faixa de média-baixa intensidade tecnológica também impressiona. Após atingir superávit no ano de 2006, esse saldo caiu até o déficit atual de US$ 6,4 bilhões. O segmento de baixa intensidade tecnológica, produtos simples e sem sofisticação, permanece capaz de atenuar os déficits das demais faixas e produz ainda superávit. As atividades industriais de produção de alimentos, bebidas e fumo contribuíram muito para esse superávit. As atividades madeireiras e de papel e celulose também tiveram papel positivo. Já o grupo das indústrias têxtil, de vestuário, couro e calçados, embora ainda com saldo positivo continua com o saldo se deteriorando. São os efeitos da economia aquecida e câmbio sobrevalorizado.
O gráfico abaixo mostra a evolução de nossa balança comercial dividida por categorias tecnológicas (cálculos do IEDI). Chama a atenção o enorme déficit da indústria em 2010. O aumento nas importações de bens industriais e queda das exportações é contrabalançado por vendas de produtos agropecuários e de extração mineral. Basicamente o Brasil vende commodities ao mundo para poder comprar bens manufaturados. Qual o problema dessa configuração de comércio externo? Em primeiro lugar agrava nossa dependência do mercado de commodities que, via de regra, tende a ser mais volátil do que o mercado de manufaturados. No modelo atual de crescimento mundial com grande destaque para China e India ainda resta espaço para seguir essa estratégia. China e Índia compram commdities ajudando nossa economia. Mas num eventual desarme de crescimento dos BRICs poderíamos ter problemas. Ou ainda uma eventual queda brusca no mercado de commodities traria grandes problemas para nosso setor externo.
Os grandes casos de sucesso de desenvolvimento econômico (EUA, Alemanha, Japão, Sudeste Asiático) seguiram a rota da produção manufatureira e não de commodities. A produção de alto valor agregado ocorre em geral no setor manufatureiro ou no setor de serviços sofisticados que depende da produção manufatureira. Preocupa então essa dinâmica observada no Brasil de hoje. Para resumir estamos hoje dependendo dos elevados preços de ferro, soja etc… e dos fluxos financeiros para equilibrar a conta de dólares por aqui. O problema é que esses fluxos de capitais são muito pró-cíclicos. Quando tudo vai bem, sobra dólar por aqui, mas quando precisamos mesmo do dinheiro não fica ninguém.
Em 2010 5 produtos responderam por quase 50% das exportações brasileiras: ferro, soja, açúcar, petróleo e carnes. A discussão do desenvolvimento a partir do setor de commodities se arrasta entre economistas há pelo menos uns 60 anos, desde as discussões dos clássicos do desenvolvimento econômico – Furtado, Hirschman, Rosenstein Rodan, Prebisch, Kaldor, Nurkse. Essa discussão vem até os dias de hoje e os chamados economistas da linha estruturalista ou cepalina acreditam que o desenvolvimento econômico só é possível a partir do desenvolvimento de uma base industrial forte e parruda. Os empregos de qualidade e que pagam altos salários estão nesse setor. Mas e os países que se desenvolveram a partir de commodities? Austrália, Canadá e Noruega? Esses também desenvolveram uma indústria significante, principalmente ligada à área de extração de commodities. Na Noruega a construção de navios e plataformas para exploração de petróleo. Nórdicos em geral com maquinaria para a cadeia da madeira e assim por diante.
Mas se olharmos a pauta exportadora, alguns países ricos tem muita intensidade ainda em commodities. Por exemplo a própria Noruega ou aqui na América Latina o Chile. Nesses países há uma base de recursos natural desproporcionalmente maior do que a população. Então é claro que o grosso da produção local vai para o mercado mundial e engorda muito as exportações. Mas os países de sucesso conseguiram fazer isso sem sofrer os males da doença holandesa. De novo a Noruega é um belíssimo exemplo. Fizeram um fundo soberano e depositaram os dólares do petróleo. Tem hoje o equivalente 50% do PIB em valor nesse fundo. O gráfico abaixo ajuda a mostrar o ponto. Apresenta uma correlação entre produção manufatureira per capita e PIB per capita. São ricos os países que tem alta produção industrial per capita. Sem indústria não há desenvolvimento.
*world development indicators
ver Complexidade no Brasil e na China, Doença holandesa, aspectos teoricos e Doença holandesa no Brasil
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