Desorganização das cadeias produtivas e volta da inflação: efeito Forrester?

*escrito por Osmar Cervieri Júnior

A partir da eclosão da pandemia da Covid-19, o mundo experimentou uma grande escalada de preços de produtos típicos de elos iniciais de supply chain — como chips de semicondutores e commodities agrícolas, minerais, químicas etc. —, cujo reflexo inflacionário a jusante está amplamente visível nos dias de hoje. Parece claro que o início dessa dinâmica se deve tanto às restrições de oferta decorrentes dos lockdowns que paralisaram fábricas e atividades produtivas diversas, quanto à velocidade da retomada da demanda mundial, proporcionada pelo rápido avanço da vacinação a partir de meados de 2021. Por outro lado, à medida que esses choques iniciais vão ficando para trás no tempo, a persistência da inflação de insumos tem sido cada vez mais creditada à desorganização das cadeias produtivas globais, subentendida como uma espécie de sequela econômica da pandemia. No entanto, o debate econômico atual parece estar destinando pouca atenção na exploração dessa noção de “desorganização” de supply chain. Afinal, qual é exatamente o problema? Quando voltaremos à normalidade? Diante dessas provocações, cabe levantar a hipótese de que a pandemia da Covid-19, ao gerar quedas abruptas de demanda agregada em todos os países, de forma praticamente simultânea, teria desencadeado um grande efeito Forrester disseminado por toda a economia mundial. Se tal hipótese for verdadeira, estamos diante de um componente de incerteza não desprezível quanto à duração dos atuais problemas de desorganização das cadeias globais de suprimentos e dos seus reflexos inflacionários.

Efeito Forrester (efeito chicote)

No início da década de 60, Jay Wright Forrester era um destacado engenheiro da computação no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) — laureado pelo desenvolvimento da tecnologia precursora da memória RAM — quando recebera um convite da empresa General Eletric para desenvolver estudos sobre flutuações de cadeias de suprimentos. Em seu trabalho, Forrester (1961) demonstrou que existe uma certa dinâmica de volatilidade que tende a ser crescente para empresas mais a montante nas cadeias de suprimentos. Segundo o autor, a principal causa desse problema é uma tendência racional e perfeitamente compreensível, de cada um dos diferentes elos na cadeia, de gerenciar suas taxas de produção e níveis de estoque de maneira independente. Todos os estágios da cadeia de suprimentos trabalham com o princípio de que devem manter estoque equivalente à demanda de um período. Trata-se de uma simplificação não muito grosseira, pois muitas empresas mantêm seus níveis de estoque proporcionais a suas taxas de demanda. Assim, quanto mais à montante na cadeia de suprimentos estiver a empresa, mais drásticas serão as flutuações causadas por uma mudança relativamente pequena na demanda do cliente final.

 

estoque_finalt  =  demandat (Eq. 1)
estoque_inicialt  =  estoque finalt-1 (Eq. 2)
produçãot  =  demandat  –  estoque_inicialt  +  estoque_finalt (Eq. 3)
Obs.: a demanda de cada elo é a produção do elo subsequente, ou o consumo final no caso do 4° elo.

 

A seguir, a Tabela 1 apresenta um exemplo numérico do fenômeno e as Equações de 1 a 3 detalham suas premissas básicas.

Na Tabela 1, as áreas hachuradas destacam que a volatilidade na produção se propaga em ondas — daí a alusão a um “efeito chicote”. Nesse exemplo, uma queda no patamar da taxa de demanda final (-5%) ocasionou, no mesmo período, quedas de produção cada vez mais acentuadas em direção ao início da cadeia (-10%, -20%, -40% e -80%). Além disso, nos períodos subsequentes, a volatilidades da produção foi cada vez mais duradoura também em direção ao início da cadeia. O 1° elo atingiu o novo patamar de produção (95 unidades) apenas no oitavo período, enquanto que o 4° elo (que vende ao consumidor final) atingiu esse novo patamar já no quinto período.

https://blog.netstock.co/how-to-mitigate-the-effects-of-the-bullwhip-phenomenon

Referências:

FORRESTER, J. W., Industrial Dynamics. MIT Press, 1961.

SLACK, Nigel; CHAMBERS, Stuart; JOHNSTON, Robert. Administração da Produção. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

1 thought on “Desorganização das cadeias produtivas e volta da inflação: efeito Forrester?”

Deixe uma resposta