*escrito com Felipe Augusto
O exemplo da produção de telas OLED flexíveis na China mostra o que importa na construção de setores high-tech em países emergentes: estratégia, ambição, política industrial pesada, curva longa de aprendizado, concentração de mercado, encadeamentos domésticos, transbordamentos tecnológicos, economias de escala e riscos de obsolescência. Estratégia: o governo chinês pretende transformar o país em uma potência de alta tecnologia e dominar as tecnologias do futuro, reduzindo sua dependência de tecnologia estrangeira. O apoio à produção de telas OLED flexíveis foi reiterado pela poderosa Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, em 6 de junho, enviando um sinal claro para empresas, bancos e autoridades locais de que o governo continuaria apoiando o setor.
Ambição: De acordo com consultores do Display Supply Chain Consultants (DSCC), espera-se que a BOE Technology, baseada em Pequim, saia dos atuais 1,3% de participação de mercado em telas OLED para 18% em 2023, enquanto que a Visionox deve sair dos 2% atuais para 9,1%. No que tange às telas flexíveis, a ambição é ainda maior, já que a BOE pretende alcançar 27% da capacidade instalada total, ante 32% da líder Samsung. Segundo a própria BOE, em 2018 ela vendeu 2,7 milhões de telas e prevê saltar para 30 milhões ainda em 2019 e 161 milhões em 2023. Política industrial: empresas chinesas se beneficiam da concessão do uso de terras, de custos baixos de energia e de empréstimos de bancos públicos, além da injeção direta de fundos governamentais. A Visionox, por exemplo, acertou uma joint-venture em que 55% pertence ao Governo da Província de Hefei e o resto é financiado com dívidas da empresa. A BOE reportou USS 310 milhões de subsídios e a Tianma registrou US$ 140 milhões.
Curva longa de aprendizado: Segundo o DSCC, apenas uma em cada dez telas da Samsung apresentam defeitos. Para produtores de baixa qualidade, por outro lado, este índice chegaria a nove em cada dez. A investidores, executivos da BOE afirmaram que a planta de Chengdu estaria gerando 70% de telas sem defeito, mas analistas de mercado consideram o índice exagerado. Concentração de mercado: atualmente, a Samsung controla aproximadamente 95% do mercado de telas OLED. A empresa coreana deve continuar na liderança por alguns anos por causa da sua relação com a japonesa Canon-Tokki, a qual possui um virtual monopólio na produção do equipamento de evaporação a vácuo crucial na fabricação de telas OLED
Encadeamentos domésticos: Os produtores chineses de telas OLED vêm se beneficiando da emergência das empresas chinesas de eletrônicos de consumo, que estão ganhando participação de mercado e buscando reduzir sua dependência de tecnologias estrangeiras. A BOE fornece telas flexíveis para os modelos Mate 20 Pro e P30 Pro da Huawei, enquanto a Visionox trabalha em conjunto com a Xiaomi. Transbordamentos tecnológicos: Estas empresas de eletrônicos de consumo vêm aumentando o grau de cooperação com seus fornecedores com o objetivo de inovar, melhorar a tecnologia, a produtividade e a experiência do consumidor. O setor é muito importante para a China, segundo analista da BOCOM Schroder Asset Management, porque está muito proximamente relacionado a semicondutores, televisores e smartfones.
Economias de escala: Entre 2018 e 2023, os produtores chineses investirão US$ 4,3 bilhões em aumento de capacidade, o que representaria 88% do total mundial. Segundo o analista da BOCOM, esta indústria é muito capital intensiva, de modo que, sem o apoio do governo, não haveria como os chineses competirem com empresas estrangeiras. Riscos de obsolescência: Telas de micro-LED são alegadamente superiores às de OLED e a Apple e a Samsung estão investindo fortemente na nova tecnologia. Por enquanto, eles são difíceis e caros de serem produzidos em larga escala, mas há um risco de as empresas chinesas somente conseguirem dominar a tecnologia OLED quando ela se tornar obsoleta.
Matéria do financial times sobre o tema:
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