*escrito por Felipe Augusto para o BLOG
No dia 29 de novembro, o piloto de Fórmula 1 Romain Grosjean da scuderia americana Haas perdeu o controle do carro na saída da terceira curva do GP do Bahrein e se chocou contra o guard rail a 221 km/h. O carro quebrou ao meio e a parte onde se encontrava o piloto se incendiou. Alguns analistas consideram que este foi o pior acidente da história do automobilismo. Vinte e nove segundos depois, Grosjean saiu do fogo apenas com ferimentos leves. Como o piloto sobreviveu ao inferno? Em uma palavra: tecnologia. Especialistas concordam que equipamentos como os macacões, a célula de sobrevivência e o halo acabaram sendo determinantes. Uma análise da história desses equipamentos mostra o papel fundamental da parceria entre o Estado e o mercado para o avanço tecnológico. Os macacões são feitos de tecido Nomex, nome comercial do composto sintético desenvolvido pela gigante química americana Du Pont. O Nomex apresenta resistência a ácidos, a descargas elétricas e, principalmente, ao calor. O segredo da proteção térmica está no fato de que, quando expostas ao fogo, as fibras engrossam e acabam carbonizadas, absorvendo toda a energia térmica do ambiente. O Nomex, criado no contexto da corrida espacial durante a Guerra Fria, tem como seu principal cliente o governo, que compra equipamentos de proteção para bombeiros, policiais, militares e astronautas.
O Nomex é uma evolução do tecido Kevlar, também criado pela Du Pont no mesmo período. Esse tecido é conhecido pela alta resistência à tração e é matéria-prima dos coletes à prova de balas. Na F1, o Kevlar é incorporado à célula de sobrevivência, cápsula que protege o piloto dos pés até meio metro atrás do encosto, que se manteve intacta no acidente. A Du Pont, aliás, empresa bicentenária, deve grande parte da sua ascensão à relação extremamente próxima com o governo dos EUA. Fundada no início do século XIX, ela iniciou e se expandiu produzindo pólvora e explosivos espacialmente para as Forças Armadas. Estima-se que até metade da pólvora usada pelo Exército da União durante a Guerra Civil Americana foi fornecida pela Du Pont. A empresa somente começaria a se diversificar no século XX, quando uma nova guerra a catapultou. Na véspera da Primeira Guerra Mundial, a indústria química alemã era a mais desenvolvida do mundo. Com o início das hostilidades, a dependência da indústria química alemã tornava os EUA vulneráveis. Era fundamental, portanto, criar alternativas nacionais. Protegidas das importações, empresas como a Du Pont tiveram mercado cativo para desenvolver e fornecer ingredientes químicos aos Aliados. Na Segunda Guerra Mundial, a Du Pont foi a 15ª empresa que mais fez contratos com o governo americano. Como inventora do náilon, a Du Pont contribuiu para a produção de matérias-primas para paraquedas, sacos de pólvora e pneus. Aliás, a empresa foi fundamental para o Projeto Manhattan, que construiu a bomba nuclear, sendo responsável pelo design, pela construção e pela operação da planta de plutônio de Hanford. Em 1950, a Du Pont também concordou em construir a fábrica de Savannah River na Carolina do Sul como parte do esforço para criar uma bomba de hidrogênio. No Programa Apollo, 20 das 21 camadas das roupas espaciais que protegiam os astronautas continham materiais da DuPont, incluindo Nomex, Kapton, Teflon e neoprene. A bandeira americana fincada na Lua também foi feita do náilon da DuPont.
Aliás, o setor aerospacial, altamente dependente do planejamento e do estímulo governamental no mundo inteiro, também contribuiu para a implementação do halo, dispositivo feito de titânio grau 5 que impediu que a cabeça de Grosjean fosse esmagada contra o guard rail. Como mostra reportagem da FIA, o halo se beneficiou da expertise das empresas que produzem componentes para o setor aeroespacial: “Temos uma longa história no esporte motorizado, estando envolvidos desde os anos 1990, mas temos uma formação ainda mais longa em materiais aeroespaciais”, disse um funcionário da CP Autosport, uma das três empresas autorizadas pela FIA a produzir o halo. Depois do acidente, Grosjean afirmou não saber se a palavra “milagre” poderia ou não ser usada para explicar sua sobrevivência. Talvez mais importante do que a palavra “milagre” seja a palavra “parceria”, aquela entre o Estado e o mercado que gerou as tecnologias que o salvaram.
[1] https://www.youtube.com/watch?v=4Pvmsd6M_k0
[2] https://interativos.globoesporte.globo.com/motor/formula-1/materia/renascido-do-inferno
[3] https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/como-romain-grosjean-sobreviveu-ao-inferno-no-gp-do-bahrein/
[4] Munroe, John A. History of Delaware. Fifth Edition. Newark, DE. University of Delaware Press, 2006. 138
[5] https://wwionline.org/articles/chemists-war/
[6] Peck, Merton J. & Scherer, Frederic M. The Weapons Acquisition Process: An Economic Analysis (1962) Harvard Business School p.619
[7] https://web.archive.org/web/20140212193825/http://invention.smithsonian.org/centerpieces/whole_cloth/u7sf/u7materials/act4_6.html
[8] https://www.dupont.com/now/our-place-in-the-universe.html
[9] https://www.dw.com/en/airbus-boeing-wto-dispute-what-you-need-to-know/a-49442616
[10] https://www.fia.com/news/how-make-f1-halo
acidente aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=ZQ7_En2xEm4&feature=youtu.be