*escrito por Felipe Augusto
É fascinante a queda de braço entre Estado e gigantes de tecnologia na China. Expõe uma das maiores tensões do processo de desenvolvimento econômico: a necessidade de gerar campeões nacionais mantendo-os alinhados à estratégia de desenvolvimento nacional. A geração de campeões nacionais, especialmente em setores de alta complexidade tecnológica, é um dos fatores que melhor explicam a superação da armadilha da renda média. Japão e Coreia do Sul, com seus respectivos Keiretsus e Chaebols (conglomerados), são exemplos clássicos. Nesses países, o Estado buscou convencê-los a seguir as estratégias de desenvolvimento nacionais, o que em grande medida significava investir intensamente na aquisição de capacidades produtivas e tecnológicas. Só que isso leva tempo, custa caro e é arriscado. Assim, não bastava apenas apelar para o nacionalismo do empresariado. O controle sobre a economia, em especial sobre o sistema financeiro, dava enorme poder de barganha ao Estado, que poderia lançar mão de vários instrumentos para alinhá-los aos objetivos nacionais. Subsídios, compras públicas, tarifas, tudo convergia para gerar aprendizado produtivo. Deu certo. Empresas como Toyota e Mitsubishi e Samsung e Hyundai se expandiram, viraram referências mundiais e contribuíram para o enorme aumento do nível de vida nos seus respectivos países. Só que a correlação de forças começou a mudar. Tornaram-se “too big to fail”. Passaram a oferecer resistência às estratégias estatais. Pouco a pouco, defenderam maior liberalização, buscando independência do Estado nas fontes de financiamento e nas decisões de investimento. Na Coreia a Federação dos Chaebols chegou a defender a redução drástica do Estado a só 2 ministérios: Defesa e Relações Exteriores. A crise asiática, causada em grande medida pela liberalização financeira, recuperou em parte o prestígio estatal, mas a tensão continua forte. Na China, Big Techs como Alibaba, Tencent e Baidu prosperaram sob proteção da concorrência externa. O Grande Firewall garantiu a elas um mercado de centenas de milhões de usuários, enquanto concorrentes como Amazon, Facebook e Google foram virtualmente excluídos. Políticas antitruste e de proteção à privacidade de dados foram relaxadas para permitir o surgimento dessas campeãs nacionais. Não dá pra dizer que não funcionou. Elas rivalizam cada vez mais com suas rivais americanas. Só que elas também se tornaram poderosas. Em 2015, logo após estrear na Bolsa de Nova Iorque, a Alibaba fez um órgão regulador chinês excluir relatório que criticava a empresa por não se esforçar em eliminar produtos contrabandeados de suas plataformas. No final do ano passado, poucos dias antes do IPO da sua subsidiária de pagamentos digitais Ant, que seria o maior da história, o fundador da Alibaba Jack Ma fez um discurso criticando os órgãos reguladores pelo conservadorismo financeiro. A reação veio. Por ordem de Xi Jinping, o IPO foi suspenso. Além da multa por condutas anticompetitivas, diversos órgãos preparam medidas que devem reduzir o poder da Alibaba, como a regulação dos serviços financeiros, o fornecimento de dados ao Estado e até mesmo o desmembramento da empresa. Resultado. Jack Ma sumiu. Ofereceu filiais ao Estado. Perdeu o posto de mais rico da China. Sua imagem pública, que inspirava jovens, está arranhada. Pony Ma da Tencent vem pedindo regulações mais rígidas. Líderes da Ant e da Pinduoduo pediram para sair. Por ora, o Estado chinês retomou o controle. Também parece ter mais instrumentos à disposição do que Japão e Coreia em estágios similares de desenvolvimento. Das 124 maiores empresas do país, 91 são estatais. Sistema financeiro segue forte sob controle do Estado. As Big Techs não possuem a importância dos Keiretsus e Chaebols no Japao e Coreia (Alibaba é a 33ª maior do país). Porém, seu domínio sobre dados é estratégico, e enquanto o país continuar se desenvolvendo, mais campeões nacionais virão, e a queda de braço deve ficar mais acirrada.
fontes:
Lee, Keun. The Art of Catching-up, 2019.
Studwell, Joe. How Asia Works, 2013.
CSIS. Chinese Companies in the Fortune Global 500, 2020.
Naughton, Barry. Is China creating a new type of economic system? Apresentação no youtube, 2021.
https://twitter.com/globaltimesnews/status/1380701214019481600?s=20