*escrito por Mario Bernardini e Tarcísio de Oliveira
O etanol é o caminho mais inteligente para o Brasil fazer a transição energética, para a mobilidade elétrica. Os veículos híbridos são uma solução, para os próximos anos, até para que nós possamos desenvolver nossa capacidade de produzir sistemas de propulsão elétrica, com respectivos softwares, e baterias de alto desempenho. Assim, o governo já deveria ter desenhado uma política focada em veículos híbridos, e não perder tempo com carros populares, ou com incentivos à redução de emissões de motores a combustão interna. Entretanto, o que é bom para o Brasil, neste caso, não serve para o mundo. Salvo, talvez, a Índia nenhum país tem terras disponíveis, e condições climáticas adequadas, para “plantar” etanol. Ninguem irá plantar cana no lugar de alimentos, e ninguém irá substituir a dependência de petróleo por dependência de etanol importado. Daqui a vinte anos, os principais mercados consumidores de automóveis serão integralmente elétricos, o que significará que o Brasil, ou migrará para o carro elétrico ou ficará fora do mercado mundial.
A Nissan está fazendo testes com carros elétricos que dispensam a necessidade de recarga externa para as baterias. Em vez disso, o dono apenas abastece o tanque com etanol, como em qualquer veículo existente hoje. A diferença é que o etanol sofre um processo chamado de reforma-vapor, no qual este composto reage quimicamente com a água, produzindo uma mistura gasosa cujo componente principal é o hidrogênio. A eficiência desse processo situa-se na casa dos 80%. Uma vez disponível, esse hidrogênio pode ser utilizado energeticamente em motores de combustão interna, turbinas a gás e células a combustível. Este último dispositivo é um reator eletroquímico que converte o hidrogênio e o oxigênio do ar em eletricidade, calor e água, com elevada eficiência de conversão (em torno de 50%), que é o caso da tecnologia da Nissan. A eficiência global da combinação etanol, hidrogênio e veículos com células a combustível está por volta de 40%, quase o dobro daquela verificada nos veículos com motores de combustão interna a álcool (cerca de 25%), sendo que em todo seu ciclo de produção e utilização não há praticamente nenhuma emissão de poluentes. Pode ser empregada também em aplicações aonde o etanol não vem sendo utilizado diretamente, como veículos pesados (ônibus e de carga) e geração distribuída de eletricidade (sistemas isolados e rurais, sistemas complementares à rede elétrica, de segurança, etc). A UNICAMP, através de seu Laboratório de Hidrogênio do Instituto de Física Gleb Wathagin (IFGW), já havia vislumbrado e pesquisado essa tecnologia há quase 20 anos, com resultados satisfatórios. Entretanto, nossos pesquisadores e acadêmicos visionários mais uma vez foram deixados na berlinda por ausência de uma política industrial integrada a nossos centros de pesquisa.
Foco e urgência é o que diferencia política industrial de tecnológica: comentários sobre a questão da escolha da motorização para os próximos 20 anos
Comentários de Gustavo Galvão*
O artigo de Mario Bernardini e Tarcísio de Oliveira publicado neste blog (do Paulo Gala) vai no âmago da questão central da política industrial brasileira: qual fonte de energia será usada nos próximos 20 anos e como ela será transformada em movimento. Perto disso, as demais preocupações de política industrial são secundárias ou menos urgentes. Infelizmente, talvez nossos bravos bandeirantes da política industrial não estejam vendo essa questão da mesma forma que nós. Por acaso, escrevi há 15 anos um artigo (cujo download pode ser feito no link abaixo) que fala exatamente sobre isso, com um alerta bem antecipado e que poderia ter ajudado a impedir ou desacelerar a grande desindustrialização que sofremos nesse período.
Acredito que esse artigo não só continua atual, 15 anos depois, mas talvez, possa ainda estar à frente das posições majoritárias sobre política industrial atuais no Brasil, mesmo em nosso campo. Política industrial é algo diferente de política tecnológica e política de inovação não é nem uma coisa e nem outra, porque é um conjunto vazio. Infelizmente acredito nossos amigos ainda estão confundindo um pouco essas coisas e cometendo alguns pequenos erros semelhantes aos que foram cometidos nos dois primeiros mandatos de Lula e no primeiro de Dilma.
Política industrial não é seguir o que outros países estejam fazendo ou que grandes autores internacionais sugerem. Não era assim que Vargas, JK e os militares fizeram com grande sucesso sem nenhum técnico com doutorado em política industrial no exterior.Política industrial é concentrar forças nas imensas cadeias já existentes no país e introduzir novas cadeias que fortaleçam as cadeias já existentes. A competição internacional é forte demais para ser superada desconcentrando energia.
Vantagens competitivas não são criadas por inovação, mas por acumulação consciente e sistemática de forças. O carro híbrido e o carro a célula combustível acumulam forças a nossa estrutura produtiva. Uma aposta exclusiva no carro elétrico puro hoje destrói nossa estrutura produtiva antes que outra seja construída. Por esses motivos, ao contrário do que dizem os críticos, o Presidente Lula, o Ministro do MDIC e suas equipes técnicas acertaram em cheio ao dar sim importância ao carro popular comum, pois é o que nossas cadeias produtivas podem fazer hoje e elas precisam ser reerguidas, pois sem elas não haverá forças para investir no próximo passo tecnológico.
O investimento em tecnologias novas é política tecnológica, e não política industrial. Ele não gera resultado imediato e não resolve os desafios econômicos necessários para o desenvolvimento a curto e médio prazo, portanto, também não pode nos salvar sozinho a longo prazo. O foco principal da política tecnológica não deve ser o novo ou que está na moda em outros hemisférios, mas os gargalos nas tecnologias existentes das cadeias reais em operação no país ou nas cadeias que sejam muito competitivas e baratas para serem rapidamente introduzidas.
Eu acho que esses equívocos podem ajudar a entender por que as políticas industriais elaboradas por gente com muito menos diplomas nos anos 30 a 80 tinham grande eficácia em industrializar o país, enquanto um exército de especialistas desenvolviam muitos estudos e propostas sobre o assunto nos últimos 30 anos, enquanto nos desindustrializávamos a taxa mais alta da história global. Não que os técnicos estavam errados. Não estavam, fizeram ótimas análises e ótimas propostas e até políticas reais muito boas nesse período. Entretanto, em administração pública foco é tudo. Consertar algumas janelas no meio de um furacão não deve resolver nossos problemas.
Uma coisa é alertar que a China e os EUA estão acertando ao investir em XYZ, outra é a gente querer competir nessas tecnologias de ponta sem instrumentos à altura enquanto a indústria existente no Brasil pena a míngua.
*Funcionário do BNDES e Doutor em economia pela UFRJ
Refs:
so tem um problema. a petrobras, que prefere furar mais camadas de pre sal no norte amapaense