*escrito por Luis Felipe Giesteira
Para quem trabalha com economia da inovação tecnológica como eu soa absurdo dizer que o 2º PND acabou em pobreza. Há um amplo consenso na literatura especializada internacional de que o crescimento a longo prazo é liderado pela inovação. A inovação é um processo mediado por instituições sem as quais o “conhecimento”, por assim dizer um insumo não sujeito a rendimento marginais decrescentes, não pode ser apropriado, ao fim e ao cabo, pelas empresas. De forma simples, não basta aumentar a escolaridade ou “learning by doing”, há que constituir uma malha institucional adequada que viabilize às empresas acessar o conhecimento criado e que parte das externalidades geradas pelo esforço tecnológico das firmas seja por elas apropriada. Naturalmente, há matizes e sutilezas em como o Estado participa (em particular até que grau deve ser pró ativo na construção desse sistema de “aprendizado interativo”), mas ao menos a OCDE e o Bco Mundial são muito eloquentes na necessidade de se criar tal conjunto institucional. No Brasil, há consenso de que “o grosso” do que temos no Brasil foi criado durante o IIo PND. Ninguém nega que houve erros, desbalanços e exageros localizados, mas não se acha pesquisador sério da área que não reconheça que algo como ¾ de tudo que foi construído nessa direção foi feito no âmbito do IIo PND e do IIo PBDCT, sua perna tecnológica. O Brasil dispõe desde então de uma posição descolada dos demais países comparáveis, tendo acelerado sua produção científica, esforço de P&D, complexidade econômica e até mesmo patenteamento em relação a todos latino americanos (que anteriormente nos davam uma surra em diversos indicadores de economia do conhecimento). Poderíamos estar melhor? Sem dúvida: em boa medida porque o esforço realizado no IIo PND, que ia da universidade até o estímulo ao investimento e ao uso do poder de compra do Estado (foi assim que a Embraer, por exemplo, começou!). Em poucas palavras, se nosso crescimento não tem sido uma Brastemp, parece-me difícil negar que seria muito menor caso as estruturas legadas pelo II PND não existissem, ao menos às conectadas a áreas que lideraram o esforço tecnológico nacional (além da aeronáutica, mineração, agropecuária, exploração oceânica, eletricidade, construção pesada, metalurgia, petroquímica etc etc).
Apresento algumas evidências exploratórias. Fiz um exercício simples: comparei as taxas de crescimento do Brasil com a média mundial (todos países para os quais havia dados em cada período). O Brasil cresce muito mais do que a média mundial no período do IIo PND. O “argumento” ortodoxo é que isso gerou um custo, que acabou diminuindo o crescimento futuro. Infelizmente, pelo melhor de meu conhecimento, os economistas ortodoxos não explicam como exatamente, nem, muito menos, como testar essa afirmação (por exemplo: qual o período apropriado, qual o canal de transmissão, como isolar outros efeitos como a forte turbulência politica dos anos 80 e a segunda crise do petróleo etc etc). O texto que faz isso com mais cuidado é ainda o de Antônio Barros de Castro. Ele basicamente admite que o custo do IIo PND foi a dívida externa e afere apenas seu efeito no balanço de pagamentos (caso um desequilíbrio forte e persistente tivesse se estabelecido seria apropriado dizer que a aceleração gerada antes acabou custando um freio subsequente por esse canal). ABC salienta que na verdade há 2 efeitos exógenos que nada tem a ver com o plano que deterioraram o balanço de pagamentos para muito além do que qualquer evidência pré existente pudesse sugerir: o Plano Volcker e a Segunda Crise do Petróleo. Ainda assim, ainda seguido o autor, as divisas geradas a mais ou poupadas mais que compensaram o aumento das transferências brasileiras aos credores até meados dos anos 80. Parece-me um argumento sólido. Naturalmente, pode-se admitir que um custo rent seeking, por exemplo, formou-se ali. Pode ser. Certamente uma externalidade complexidade-com-inovatividade tambem. Enfim, vamos aos dados (qq um pode refazer: base Maddison 2020, USD fixos de 2011). Usei só renda per capita para isolar efeito demográfico, e olhei vários períodos: o do PAEG, o Milagre, IIo PND, um período que chamei de “ABC” (homenagem ao Castro), que abarca todo IIo PND mais crise da dívida e o período de dominância ortodoxa de 1994 a 2006. Deu isso:
Parece-me que os dados são claros. Durante o PAEG, período de claro domínio ortodoxo, o Brasil cresceu menos que a média mundial. Não há surpresa, e podemos serenamente admitir que um freio de arrumação era necessário, a inflação era muito alta. O país vinha de uma longa turbulência, algumas instituições haviam se tornando disfuncionais etc. Segue-se o Milagre com sua impressionante média de 8,2% de aumento anual da rpc. Mesmo sendo esse um bom período globalmente, o Brasil cresce 134% a mais q a média global. É um período de forte ativismo estatal e de crescimento muito modesto da dívida externa (Davidoff mostra que de fato o Milagre foi feito apenas com financiamento interno). Contudo, trata-se de um ativismo, por assim dizer, “horizontal” e com uma ação mais estimulante. do que discrionária do estado. Segue-se o tal IIo PND, no qual a taxa de crescimento é ainda muito alta, de 4,4% a.a. Observe-se que embora menor do que no Milagre, a diferença do Brasil para o resto do mundo é de 120%, bastante próxima da anterior. Segundo a ortodoxia, o Milagre não necessariamente, mas o IIo PND teria gerado mesmo empobrecimento. Em outras palavras, o que se ganhou ali se perdeu com juros e correção adiante. Difícil averiguar algo assim. Aconteceram muitas coisas nos anos 80. Tivemos 2 anos muito duros, mas o mais duro deles, 1983, foi na verdade resultado da virtual destruição do sistema de financiamento no 3º mundo gerado pela moratória mexicana de 1982. Mesmo assim, sabemos que já em 1984 o Brasil volta a crescer forte. Juntando todo período – delimitei o final da crise da dívida em 1989, seja pq neste ano o Brasil acerta um programa de ajuste que é cumprido sem grandes solavancos seja pq em 1990 temos um evento muito mais forte sobrevindo, o Plano Collor – o resultado é bem interessante: ainda assim, o Brasil cresceu significativamente acima da média mundial (inclusive com países não endividados), em 37%. Ou seja, não apenas não empobreceu como enriqueceu mais que os outros. Para completar, adicionei um período que chamei de “semi ortodoxo”. Claro, o receituário Thomas Sargent não poderia ser 100% aplicado, até ele admitiria (uso o Sargent pq o Lucas tem um Mark 2). Mas vamos admitir que mesmo Malan-Gustavo-Murilo Portugal não são, assim, totalmente ortodoxos, e que FHC não era, assim, tão completamente convertido aos consensos de boas práticas da época. Mas acho que todos podemos admitir que aqui o efeito empobrecimento do IIo PND já estava bem atenuado, que a politica econômica foi bem mais ortodoxa do que no passado, e, finalmente, que 1994 a 2006 é tempo pra caramba para seus resultados “enriquecedores” aparecerem. Mais eis que passamos a ficar 32% abaixo da média mundial.
Olá, Paulo e Luis, vocês sabem se os originais do II PBDCT, em especial, e do II PND tão disponíveis online? To caçando o documento e tá osso de achar. Obrigado e abraço.