*escrito por Luís Felipe Giesteira
Há uma ampla gama de estudos brasileiros em Ciência Política, História, Sociologia e em Relações Internacionais que aborda a “questão militar”, nascida logo após a Guerra do Paraguai. Grande parte é descartável e de baixa qualidade, raramente indo além do especulativo ou da aglomeração de “casos”. No entanto, há um conjunto de textos de altíssima qualidade, em parte devido a brasilianistas (o próprio René Dreifuss não era brasileiro), em parte a brasileiros. Um tema contumaz, que Leandro Couto, Thiago Borne e eu abordamos em um capítulo do volume sobre “governança orçamentária no Brasil” (IPEA-Consultoria do Congresso), no prelo é o do paradoxo do gasto militar. Ao contrário do que boa parte dos estudos especulativos continua a sustentar (inevitavelmente trazendo à lembrança o muito bom “Não olhe para cima”), via de regra, o gasto militar proporcionalmente tendeu a cair em períodos de maior protagonismo dessa burocracia. Mas uma coisa é desinformação sobre o passado, outra coisa é o que vem se assistindo atualmente. Jornais de grande circulação vêm repetindo ad nasaeum que uma sistemática expansão do gasto brasileiro com defesa está em curso. A pobreza é tamanha que sequer se indagam se não haveria motivos outros que de fato apontam a necessidade de aumentá-lo – por exemplo, porque o resto do mundo está fazendo isso e aumentando o alcance e efetividade de suas armas (como os exercícios em teoria dos jogos predizem ser o provável desdobramento). No entanto, a novidade é que especialistas em contas públicas e/ou estudos militares se uniram aos picaretas de sempre em confirmar essa, digamos, hipótese. A mais recente divulgava que a Defesa foi agraciada com aumento de gastos (em meio a dificuldades fiscais gravíssimas). Um mínimo de curiosidade permite saber que na verdade o aumento em questão ocorre no grupo de natureza da despesa “investimentos” e basicamente porque o contrato de aquisição dos Gripen foi esticado até o limite e acabou coincidindo com forte desvalorização cambial. Um pouco mais de curiosidade – há ao menos dois sistemas de acesso livre aos dados – mostra, apesar dessa pressão no programa dos Gripen, o vem acontecendo com o orçamento miltiar no Brasil (como % do OGU total, 2022 = planejado, 2021 até 23/dez; fonte = Siga Brasil)
Um passo adicional levaria o curioso a estender a série. O que vem à tona é que o único período de crescimento consistente do gasto militar no Brasil como proporção do orçamento total na Nova República se deu de … 2003 a 2010:
Possivelmente a explicação dessas tendências paradoxais inicia-se com um passo atrás lógico muito simples: o que explica fundamentalmente o gasto militar não é nem a ocupação de cargos de confiança por militares nem a verborragia dos mandatários eleitos, mas a percepção de qual é/deve ser o “lugar do Brasil no mundo”. É quase enfadonho lembrar, mas é necessário: o governo atual é de direita, em alguns aspectos de extrema direita, mas NÃO É NACIONALISTA. Nesse aspecto, não apenas se distancia como se opõe a governos como o de Erdogan, Duterte, Putin e mesmo Trump. Na verdade, a forma como lidou com as FA diversas vezes, buscando cooptar, estimulando a cisão entre baixa e alta patente, vulgarizando sua imagem (junto coma de ouros símbolos nacionais) coloca-o na contramão do longo processo de amadurecimento dessa burocracia – em mais um aspecto do atual governo q lembra práticas da República Velha. Ademais da impossibilidade de um país como o Brasil – grande e atrasado – se desenvolver sem alguma assertividade estratégico-militar, outro aspecto mal compreendido é que diferentemente da quase totalidade dos países não ricos, este possui uma significativa base tecnológica de defesa. Além de ser um razoável exportador global, grosso modo mais de 90% das compras militares do Brasil são de produtos nacionais (quase 50% se focarmos apenas em “grandes sistemas”). Segundo dados do Observatório da Defesa Sul-americana
quase 3/4 de todas as empresas de defesa do subcontinente são brasileiras, e há aqui empresas em todas as subáreas. Elas investem o quádruplo do restante da indústria em P&D (http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/2623/1/TD_1878.pdf) e a infraestrutura pública de pesquisa da área é a que mais coopera com o setor empresarial entre todas áreas/setores
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=27203
Finalmente, mas muito importante, 85% do investimento público na área destina-se a projetos de alta tecnologia (dados do SIOP), como o míssil de cruzeiro AV-TM 300, o cargueiro C-390, o submarino nuclear, o Sisfron e o próprio GripenBr, entre outros. Talvez tenhamos três ou quatro projetos comparáveis em outras áreas.
Cuidado com esses investimentos em Defesa que dizem trazer “transferência de tecnologia” no seu bojo!
Há um desses, por exemplo, caríssimo, que de transferência tecnológica de fato não vai trazer praticamente nada, ou nada de real interesse ao País.