*escrito para o BLOG por Julio Leão da Acceitec, Doutor em Microeletrônica
O desenvolvimento de uma indústria de semicondutores em qualquer parte do mundo envolve três investimentos essenciais: alto aporte financeiro para construção de uma fábrica e compra de equipamentos de custo elevado; investimentos em políticas públicas para desenvolver a indústria e, principalmente, capacitação de recursos humanos qualificados em áreas específicas e que exigem os mais altos níveis de especializações como, por exemplo: física de semicondutores, química de alta pureza, mecânica de precisão, projeto e produção de circuitos integrados e desenvolvimento de produto e aplicações baseadas em semicondutores, são apenas algumas delas. Vamos ater-se ao caso específico da Ceitec, empresa federal de semicondutores, criada em 2009 e localizada em Porto Alegre/RS e que, na última década, constituiu um capital intelectual singular para o Brasil. Possui um quadro de concursados formado de seis (6) pós-doutores, sete (7) doutores, 40 mestres, 46 pós-graduados, 48 graduados e 25 técnicos, totalizando 172 concursados1, ou seja, apenas nesta instituição pública estão investidos, atualmente, mais de R$30 milhões e quase 1.000 (mil) anos de formação de RH altamente qualificado para produzir tecnologia nacional e tornar o país independente de importações em diversas áreas estratégicas para o desenvolvimento da nação. A estes números somam-se R$13,5 milhões e mais 431 anos de formação em quadro de pessoal já evadidos da empresa. Todos estes profissionais tiveram, em sua grande maioria, suas formações e especializações financiadas pelo Estado, ou seja, altos investimentos em educação e muitos anos de treinamento e qualificação para desenvolver profissionais de excelência e fazer girar a roda da economia no Brasil. Para se chegar a esta cifra milionária e tempo de desenvolvimento de RH tão significativo, foram considerados o nível de formação, o investimento e os anos de formação para cada nível, conforme a descrição abaixo.
Investimento e tempo de formação médio para cada nível de escolaridade | |||||
Nível de formação | Graduação | Pós Graduação | Mestrado | Doutorado | Pós-Doutorado |
Investimento (R$) | 150.000,00 | 200.000,00 | 230.000,00 | 330.000,00 | 380.000,00 |
Anos de formação | 5 | 6 | 7 | 11 | 12 |
Tamanho investimento em capital intelectual, um dos bens intangíveis mais valorizados em grandes nações, parece ter menor relevância no Brasil, ao tempo que é sugerida a extinção da Ceitec e incentivada a fuga para o exterior destes profissionais para que possam atuar em suas áreas de formação. Importante destacar que, entre as 18 estatais dependentes, a Ceitec é a empresa que possui maior percentual (57%) de colaboradores com pós-graduações, mestrado e doutorado. A busca por profissionais formados e treinados no país na área de semicondutores por outros países desenvolvidos fica evidente quando se tem um mercado aquecido de semicondutores no exterior com grande demanda por especialistas qualificados.
Ao mesmo tempo, no Brasil, de 2013 a 2019, a Ceitec amarga uma triste evasão de profissionais concursados para o exterior. Mais de 30% dos colaboradores (59) do quadro inicial da empresa já saíram, 28 destes estão atuando em empresas líderes de mercado com alcance mundial como ERICSSON, ARM, QUALCOMM, APPLE, NXP, DIALOG e INFINEON; os demais 31 foram para outras empresas no Brasil, inclusive para atuarem em áreas que não as de suas especializações. A admissão em empresas deste porte demonstra o alto nível de qualificação que estes profissionais alcançaram graças à excelência das instituições de ensino brasileiras e a capacitação que a Ceitec proporcionou. Em valores, essas evasões corresponderam a um investimento de R$ 13,5 milhões e 431 anos de formação que a empresa já perdeu. Entre as possíveis causas que podem ter contribuído para a evasão de profissionais da Ceitec, além do mercado mundial que vem investido pesadamente em desenvolver empresas de semicondutores, elenca-se também a desilusão com os rumos da empresa, os muitos anos de dedicação em projetos encomendados pelo próprio Governo Federal, projetos estes que nunca foram comprados e estão estocados nas prateleiras da empresa, além da falta de critérios estáveis e objetivos para os processos de promoção e progressão de carreira internos.
Por fim, mas não menos importante, está a possível liquidação da Ceitec que vem sendo encaminhada pelo Ministério da Economia e que pode ser a motivação final para que o Brasil encaminhe uma das maiores fugas de capital intelectual da história do país. Somente em 2020, após a publicação da resolução opinativa em favor da liquidação, em julho, mais cinco (5) profissionais anunciaram sua saída da Ceitec, sendo quatro (4) para o exterior. Além dos milhões investidos e décadas de formação, são pesquisas, conhecimento, brasileiros que deixam o país para fazer girar a economia de outras nações e desenvolver tecnologias para que retorne ao Brasil como produtos importados, reforçando a ideia de um país extrativista e dependente. Qual é o futuro que queremos para o Brasil? Um país eternamente dependente do agronegócio ou independente em tecnologias avançadas?
referencias:
https://www.facebook.com/acceitec/
Como digo é o retorno a passos largos para a República Velha
Reconheço a importância do desenvolvimento intelectual e da importância para o Brasil em ter a sua propria tecnologia. Indiscutivelmente seria a saída para o Brasil se desenvolver com suas proprias pernas. Infelizmente os governos passados ao criarem estas estatais não estavam preocupadas com o desenvolvimento do Brasil, estavam na verdade preocupados em criar uma imagem perante a sociedade, e a segunda era a pior, fazer como a maioria dos orgãos publicos, criar cabine de emprego, altos salários, e roubalheira. Digo isso pois neste ano de 2020 li uma matéria que relata os anos seguidos de prejuizos, e como não se bastasse, é alvo da PF. Na minha opnião é um equivoco dizer que o atual governo é responsável por acabar com a Ceitec, uma vez que precisamos arrumar a casa, limpar a sujeira. Temos um pais quebrado, falta dinheiro para tudo, e infelizmente e com muita tristeza perderemos sim estes profissionais maravilhosos para outros paises. Volto a dizer, isso é reflexo da atitude e conduta de governos passados, que recaem sobre o atual governo que esta tendo coragem para limpar a sujeirada.
Eu discordo, Marcio. Os governos passados definitivamente não tem bom histórico de administração ou de conduta moral. Porém, desfazer anos de trabalho e infraestrutura apenas por bairrismo político não gera nada além de prejuízo absoluto para todos os envolvidos.
Não faz sentido dizer que a criação desse plano só aconteceu para criar uma boa imagem perante a sociedade. Pouquíssimos grupos sabem do que se trata a indústria de CI no Brasil, então não tem valor eleitoral criar esse tipo de programa. O que acredito que aconteceu foi que um grupo criou um projeto visionário para o país, mas ao longo do tempo esse projeto esbarrou nos males que assolam nosso país: desorganização, burocracia e corrupção.
Se o atual governo realmente quisesse fazer o país crescer, trabalharia junto ao CEITEC, através de fiscalizações e auditorias, de maneira a enxugar a estrutura e trabalhar para que o instituto se tornasse auto-sustentável e dinâmico para o mercado.
O que eles estão fazendo é apenas destruir e manter o que é de interesse para os grandes lobbys: agronegócio e commodities. Isso vai ajudar no curtíssimo prazo, apesar de que sabemos do risco enorme de crise que corremos nos próximos anos, mas vai destruir com a competitividade do país nas próximas décadas.
Seremos apenas mais um país subserviente.