Governos em busca da indústria 4.0

*escrito com  Tarcisio Romero

Seja na mídia, nas discussões a respeito de economia ou política, muito tem se usado a expressão “Indústria 4.0”. Na verdade, o numeral 4.0 parece ter sido adotado por marqueteiros em geral para representar tudo que é inovador, disruptivo, na fronteira tecnológica: Agronegócio 4.0, Gestão 4.0, Banco 4.0. Mas afinal, mais que um “hype”, o que é, como surgiu e o que significa a Indústria 4.0? O foco da Quarta Revolução Industrial é a melhoria da eficiência e produtividade dos processos. A Indústria 4.0 facilita a visão e execução de “Fábricas Inteligentes” com as suas estruturas modulares, os sistemas ciber-físicos monitoram os processos físicos, criam uma cópia virtual do mundo físico e tomam decisões descentralizadas. Com a internet das coisas, os sistemas ciber-físicos comunicam e cooperam entre si e com os humanos em tempo real, e através da computação em nuvem, ambos os serviços internos e intra-organizacionais são oferecidos e utilizados pelos participantes da cadeia de valor. Estas novas tecnologias trazem inúmeras oportunidades para a agregação de valor aos clientes e aumento de produtividade de processos, mas sem o enfoque adequado podem desperdiçar grandes investimentos, com poucos resultados

Perspectiva estratégica e ações governamentais

O poder econômico da Alemanha em comparação a outros países europeus é notável: nos últimos 30 anos este país foi campeão mundial de exportação em várias ocasiões e sua indústria teve um papel fundamental neste desenvolvimento. Em nenhum outro lugar existem tantas indústrias com um papel de liderança no mercado mundial: Daimler, Krones, Siemens, Schott, Bosch, Haver&Boecker, Festo, são apenas alguns destes nomes que tornam a Alemanha um líder na produção de bens de consumo mas também um grande fornecedor para outras indústrias com suas máquinas e equipamentos (Participação dos setores de serviços, indústria e agricultura no PIB da Alemanha (Fonte: Banco Mundial/Statista – https://www.statista.com/statistics/375569/germany-gdp-distribution-across-economic-sectors/). Além disso, a Indústria na Alemanha tem um forte impacto econômico e social, tendo sido responsável direto por 26,82% de seu PIB e empregando 7,4 milhões de pessoas que representam 18,9% da população economicamente ativa em 2019. Evidente que com tamanho impacto financeiro e social o Estado Alemão não poderia ficar passivo diante do crescimento que ocorria em outras grandes países industrializados do mundo ao longo dos anos 2000, especialmente a China, não só em termos de produtividade e participação no mercado mundial, mas também na cópia de suas ideias e patentes. Era necessário entender a situação de suas empresas industriais e de tecnologia e criar uma resposta adequada para manter-se ainda no topo no futuro.

Desta maneira em 2011 surge, por iniciativa do Ministério Federal da Economia e Energia (BMWi) juntamente com o de Educação e Pesquisa (BMBF), o projeto “Industrie 4.0” (Indústria 4.0 em alemão). Este projeto, que também se tornou um termo, pretendia não apenas ser uma visão concreta, mas o foco compartilhado para investimentos orientados para o futuro no setor de tecnologia e produção industrial. Um relatório desse comitê de trabalho é apresentado ao Governo Federal com as primeiras recomendações para implementação já em abril de 2012. Nesse momento, a descrição formal do que consistia a “Indústria 4.0” era desconhecido para muitos países. Além disso, faltava a especificação e definição de possíveis caminhos de desenvolvimento para que este novo patamar pudesse ser atingido. Portanto, as diretrizes estratégicas recomendadas na política, indústria, pesquisa e organizações para proteger a indústria alemã em face da competição internacional ainda não puderam ser formuladas suficientemente neste trabalho sendo então requisitado um aprofundamento neste detalhamento.

Somente em 8 de abril de 2013, o grupo de trabalho “Industrie 4.0” apresentou uma série de recomendações concretas à Chanceler Federal Angela Merkel na Hannover Messe. O relatório final do Grupo de Trabalho estabelecido pela Aliança de Pesquisa da Indústria-Ciência do BMBF definiu os requisitos para uma transição bem-sucedida para a quarta era industrial. No dia seguinte, em 9 de abril de 2013, as associações BITKOM (Associação digital da Alemanha. Fundada em 1999 em Berlim, representa mais de 2.700 empresas da economia digital), VDMA (Associação da Indústria de Engenharia Mecânica da Alemanha, com 3.300 membros) e a ZVEI (Associação da Indústria de Engenharia Eletroeletrônica, com 1.600 membros) estabeleceram a “Plattform Industrie 4.0” para coordenar o desenvolvimento da Alemanha como um mercado e fornecedor líder de tecnologia de fabricação de última geração. A Academia continuaria a apoiar ativamente a implementação deste projeto estratégico. O Comitê Consultivo Científico da “Plattform Industrie 4.0”, que é coordenado pela acatech (Academia Nacional de Ciências e Engenharia), realizou sua reunião inaugural em junho de 2013. O Comitê é composto por professores oriundos das áreas de produção e automação, ciência da informação, direito e sociologia do trabalho. O porta-voz do Comitê Consultivo Científico também faz parte do comitê gestor da plataforma. Subsequentemente foi iniciado ao longo de 2013 o projeto “Industrie 4.0 – International benchmark, options for the future and recommendations for manufacturing research (INBENZHAP)” (Indústria 4.0 – Avaliação comparativa internacional, opções para o futuro e recomendações para pesquisas em manufatura). Além da equipe principal formada pelo Instituto Heinz Nixdorf, participaram também o Laboratório de Máquinas, Engenharia, Ferramentas e Produção na RWTH Aachen University e a acatech envolvendo cerca de 80 especialistas com formação em economia e pesquisa e membros de vários grupos sociais. O objetivo comum era desenvolver uma estratégia nacional para a Indústria 4.0. Subsequentemente mais de 200 especialistas de diferentes países foram incluídos no processo, especialmente provedores de tecnologia e automação industrial. Como resultado do benchmark internacional e análise de previsões para o futuro, 44 recomendações foram formuladas para ajudar a manter a Alemanha em sua posição de liderança industrial na Europa, garantindo assim a prosperidade do país.

Evidente que um projeto deste tamanho e importância não passaria em branco perante outros países industrializados do mundo. Na França, também em 2013, foi lançado pelo presidente Hollande o “Industrie du futur”, posteriormente tendo sua segunda fase conduzida por Emmanuel Macron. Nos EUA criou-se o “The U.S. Advanced Manufacturing Initiative”6, e na China um programa que não só contemplava os aspectos tecnológicos inerentes a modernização da gestão da produção e engenharia, mas um conjunto amplo de grandes realizações em termos de desenvolvimento de bens de consumo (os mais expressivos ligados a mobilidade e  carros elétricos e autônomos) : o “China Manufacturing 2025”7. Já no Brasil, somente em 2018 surgiu uma iniciativa do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, com o apoio da FGV Projetos, para criar uma agenda voltada para a Indústria 4.0, porém sem maiores detalhamentos disponíveis ao público.

referências:

Industrie 4.0 – International Benchmark, Options for the Future and Recommendations for Manufacturing Research (INBENZHAP)

Recommendations for implementing the strategic initiative INDUSTRIE 4.0. Final report of the Industrie 4.0 Working Group

http://english.www.gov.cn/2016special/madeinchina2025/

 

 

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