O cenário mais provável para a trajetória de juros nos EUA em 2022 é de 7 altas de 0,25% a partir de Março. Não se trata de um choque de juros, mas também não é coisa pouca. Os juros básicos por lá, ou FED funds, devem sair de 0% para terminar o ano em 1,75%. A última vez que isso ocorreu foi em 2016 quando essas taxas saíram de 0% para bater 2,5% em 2018. Naquele momento a economia americana não reagiu bem. A atividade começou a desacelerar, o preço dos imóveis começou a cair e as bolsas entraram em correção. Foi o bastante para o Banco Central já começar a cortar juros durante 2019, parando em torno de 1,75%. A grande crise da Covid-19 fez com que o FED levasse essa a taxa a zero em março de 2020; de onde não saímos até hoje. Alguns economistas pedem altas de 0,5% já a partir da próxima reunião, alegando que o BC americano está muito “atras da curva”, ou seja, não quis aumentar os juros ainda apesar de o mercado ter aumentado as taxas futuras. Há aqui uma divergência entre tesoureiros e gestores e os diretores do FED. A inflação nos EUA roda em 7% ao ano segundo medidas de preços ao consumidor. Os preços do atacado sobem 9% ao ano em 12 meses acumulados. Uma inflação como essa não se via por lá desde o início dos anos 80. O mercado de trabalho americano está aquecido, tendo criado quase 1 milhão de vagas desde dezembro passado. Os dados de vendas no varejo e produção industrial de janeiro vieram com crescimento mensal superior a 1%, bem aquecidos. O preço dos imóveis sobe quase 20% ao ano. Os aluguéis e carros novos e usados apresentam altas de preço de mais de 15% nos últimos 12 meses. Alimentos, gasolina, moveis, tudo sobe. Segundo críticos do FED não há por que não subir os juros mais rapidamente.
O outro lado dessa história é o peso da dívida nas famílias americanas. Hoje as dívidas privadas estão no maior nível da história dos EUA, bem acima do que se via nos anos 80 e 90. As dívidas de mortgages com casas, dívidas estudantis para ir a faculdade, dívidas de automóveis e cartões de crédito chegaram a níveis impressionantes, com acréscimo de mais de 1 trilhão de dólares durante a pandemia. Os efeitos de alta de juros hoje são muito mais poderosos do que eram nos anos 80 e 90 quando os juros estavam na casa de 6%; além do temor de correção muito violenta em preços de ações e imóveis. O grande receio do FED é errar na dose da alta de juros e colocar os EUA em recessão, por isso a cautela. Também a expansão do balanço e impressão monetária entram nessa conta. Para socorrer os bancos em 2008 o FED lançou um enorme programa de impressão monetária comprando seus ativos “podres”. De uma forma ou de outra esses programas seguem até hoje, tendo sido intensificados novamente durante a pandemia. Subir juros com força num contexto desses pode resultar em nova crise como a que se viu em 2008 por exemplo.
A última vez em que o FED implementou uma alta de 0,5% nos juros foi em 2000, partindo de um nível já elevado de 6%. A economia americana não aguentou esse tranco monetário e acabou caindo em recessão em 2001. Foi o famoso momento do estouro da bolha “.com” quando a NASDAQ despencou de 5.000 pontos para quase 1.000. Desde então o FED nunca mais subiu os juros em 0,5% numa única tacada. De 2004 a 2006 novo ciclo de alta foi promovido, tirando os juros de 1% ao ano para 5,25%. Novamente a economia americana não aguentou e entrou em recessão. Dessa vez mergulhando na catastrófica crise da bolha imobiliária que estourou em 2008 arrastando bancos como Bear Sterns e Lehman Brothers para o buraco. A farra financeira de crédito barato, derivativos fartos e baixíssimo padrão de controle de crédito criou um frenesi imobiliário muito bem documentado e relatado nos filmes Big Short e Inside Job, por exemplo. Após o estouro dessa bolha, a banco central americano do então presidente Ben Bernanke levou os juros para zero que assim ficaram até 2015. A resposta do FED a essa crise inaugurou a era de “quantitative easing”, um nome “técnico” para impressão monetária para comprar ativos públicos e privados. Desde então balanço do FED passou de U$800 bilhões para mais de U$8 trilhões, 10x de aumento!
O que está na mesa hoje é a interrupção da expansão desse balanço, também conhecido como “tapering”. Isso deve ocorrer até final de março. O próximo passo então será o início da contração do balanço. O FED já anunciou que fará isso de maneira lenta a partir do segundo semestre. Para tanto, basta deixar vencer os títulos públicos que tem na carteira recebendo os recursos do tesouro. Ao não comprar novos ativos públicos e privados, a quantidade de moeda na economia americana será gradualmente reduzida. A grande pergunta fica mesmo com o tamanho e ritmo das altas de juros em 2022. O cenário mais provável continua sendo o de altas pequenas de 0,25% por reunião, mas permanentes até que a taxa básica de juros por lá chegue próxima a 2,50%. Isso não seria um choque de juros. Mas também não podemos dizer com certeza que outro caminho mais duro não poderá ser tomado pelos diretos do banco central americano.
Ideias chave:
1)O cenário mais provável para alta de juros nos EUA hoje é de 7 altas de 0,25% nesse ano a partir de Março para tentar controlar a inflação elevada por lá
2)A inflação nos EUA roda em 7% ao ano segundo medidas de preços ao consumidor.
3)Os preços do atacado sobem 9% ao ano em 12 meses acumulados. Uma inflação como essa não se via por lá desde o início dos anos 80.
4)O mercado de trabalho americano está aquecido, tendo criado quase 1 milhão de vagas desde dezembro passado.
5)Os dados de vendas no varejo e produção industrial de janeiro vieram com crescimento mensal superior a 1%, bem aquecidos.
6)O outro lado dessa história é o peso da dívida nas famílias americanos. Hoje os americanos têm muitas dívidas com casas, dívidas estudantis para ir a faculdade, dívidas de automóveis e cartões de credito
7)Por isso o grande temor do FED é errar na dose da alta de juros e colocar os EUA em recessão ao encarecer demais o custo de financiamento da economia