Nos últimos 10 anos os empresários brasileiros se especializaram em produzir commodities, bens agrícolas, serviços não sofisticados e prédios. Quais foram os negócios que mais prosperam no país da última década? Shopping centers, prédios comerciais e residenciais, lojas de varejo de todo tipo (cabelereiros, restaurantes, vestuário, concessionárias de automóveis, etc). Grandes obras de infra-estrutura, petróleo, etanol, café e minério de ferro. Esses negócios prosperaram graças ao boom de credito, redução do desemprego, transferências de renda pelo estado e elevados preços de commodities em dólar no mercado mundial por conta da descomunal expansão da economia chinesa. Umas das principais consequências desse movimento foi a apreciação cambial real e nominal no Brasil.
A taxa de cambio nominal saiu de R$4 no início do governo Lula para R$1,50 antes da crise de 2008. O preço dos serviços domésticos aumentou fortemente, contribuindo para a apreciação do cambio real. Essa combinação de alta de preços de serviços, alta de preço de commodities em dólares e apreciação cambial aumentou muito a rentabilidade das atividades de importação em geral, serviços, varejo, construção civil e produção de commodities. A produção domestica de manufaturas e bens industrias perdeu muita rentabilidade e regrediu. Ate 2007 a indústria brasileira conseguiu ainda acompanhar o boom de demanda aumentando a produção, ainda na esteira da desvalorização cambial de 2002. A partir da crise de 2008 a indústria brasileira sucumbiu à concorrência internacional, aos aumentos de custo de produção em reais (principalmente salários) e a forte apreciação do cambio nominal e real. A expansão de PIB observada no pós 2008 foi toda baseada em serviços não sofisticados e construção civil (quadro típico de doença holandesa). A demanda por bens industriais foi totalmente suprida por importações. Sem estímulos para produzir domesticamente o empresário industrial brasileiro passou a ser importador, montador ou simplesmente encerrou seu negocio. Houve enorme perda de complexidade produtiva da economia brasileira como mostra o gráfico abaixo. A produtividade total da economia caiu e vai continuar caindo. Ate mesmo os serviços sofisticados (bancos, marketing, design, logística, advocacia) começam a regredir por conta de dependência que tem em relação ao setor industrial complexo. O quadro para o futuro e’ alarmante pois graças ao que se conhece como histerese (em física e economia) a reconstrução do tecido produtivo brasileiro será lenta e dolorosa. A desvalorização cambial não produzira imediatamente a reconstrução do setor de bens transacionáveis não commodity brasileiro. Ou seja, o que o cambio apreciado destruiu em 5 anos não será reconstruído com desvalorização cambial nos próximos 5 anos.
Como bem ressalta o economista argentino Roberto Frenkel num trabalho recente, aquele que se queima com leite vê uma vaca e chora! (ditado argentino). Será muito difícil convencer os empresários brasileiros a voltarem a investir no setor de bens transacionáveis não commodities depois de uma década de sobrevalorização cambial. Sem esses investimentos não haverá aumento de produtividade e complexidade e nossa renda per capita mal conseguira crescer, se é que vai crescer nos próximos anos. As inovações e mudanças tecnológicas ocorrem no setor de transacionáveis não comodities principalmente. Então de nada adianta melhor burocracia, infra, etc… se os preços macro estiverem desalinhados. Vale dizer, a inovação não virá do setor de serviços não sofisticados. E os serviços sofisticados dependem muito da indústria e dos setores complexos. Ou seja, sem rentabilidade para se investir em tradables não há inovação; daí vem a importância dos preços relativos (cambio). Por outro lado, o ajuste de preços relativos entre bens e serviços transacionáveis e não transacionáveis levara tempo para produzir seus efeitos.
Nesse contexto o ajuste de contas externas continuara pela via da desvalorização cambial e da recessão. Nossa conta corrente esta passando por uma melhora significativa, mas o ajuste se faz principalmente pela via da enorme retração da demanda domestica nesse ano e no próximo. Esse movimento provoca grande queda das importações e reequilibra a balança comercial e contas correntes. Estruturalmente não existe ainda praticamente mudança. Se a economia voltar a crescer, as contas externas voltarão a ser pressionadas ate que a estrutura produtiva brasileira seja capaz de reagir com “substituição de importações”; e para isso um cambio mais competitivo continuara sendo necessário nos próximos anos. O canal de financiamento externo se agravou por conta da dinâmica fiscal. Sem volta do crescimento não haverá arrecadação, o que complica muito o reestabelecimento de uma dinâmica de divida publica sustentável. O ajuste fiscal pela via do corte de gastos e criação de novos impostos e’ importante mas não resolve a questão. Somente o retorno de taxas de crescimento mais elevadas trará tranquilidade fiscal no longo prazo. Ate lá o risco pais e CDS continuarão pressionados, as taxas de juros curtas e longas também e o cambio depreciado seguira pressionando a inflação.
ver A exaustão do ciclo CCC no Brasil, Por que a produtividade não aumenta no Brasil?, Sobrevalorização cambial no Brasil na última década, Mapa da produtividade, Construindo complexidade, Doença holandesa: algumas definições, paper que formaliza a discussao
[mc4wp_form id=”6441″]
Paulo, tudo bem?
Fui seu aluno recentemente na FGV, e achei uma matéria interssante o WSJ que lembrei de sua aula, fala sobre juros negativos! Bem interessante!
http://br.wsj.com/articles/SB12562007126186774444704581406353943401090?tesla=y
abs
Thanks!
Trágico. Mas pode ser aproveitado para uma reestruturação do parque produtivo brasileiro para novas indústrias próprias da Era da Informação. O Brasil estava crescendo numa plataforma econômica do século passado. Era inevitável um desastre no caminho. O Brasil precisa urgentemente legalizar o jogo e fazer como a China fez com a indústria de manufatura, absorver de fora indústrias na área médica pra produzir os melhores fármacos do mundo.
Deflacionando o dólar com o IPC-A e com o IPC estadunidense, chega-se a um valor próximo a R$ 6.40, em 2003, o que mostra um abismo ainda maior com Jul/2011 (que também deflacionado da mesma maneira, chega a R$2.00).