Uma simples tabela que explica a crise de 2008 e a recuperação americana

Lance Taylor, talvez um dos economistas mãos brilhantes do final do século XX, nos explica com clareza o que ocorreu nos EUA dos últimos 10 anos usando uma simples tabela. Para entender é simples. Sempre que um setor econômico (governo, privados ou estrangeiros) começa a gastar mais do que ganha, algum outro setor precisa financiá-lo. Por exemplo, quando o setor privado investe mais do que poupa, emite dívida contra os estrangeiros ou contra o governo. Quando o próprio governo gasta mais do que arrecada precisa colocar dívida junto ao setor privado ou setor externo. Quando os estrangeiros financiam o setor privado ou o governo estão na verdade comprando menos bens internamente do que vendem, acumulam créditos.

Nos EUA a tabela nos mostra que desde 2007 os estrangeiros sempre ajudam a financiar o setor público e privado americano. Depois da crise, a “poupança externa” caiu de 5% do PIB para em torno de 2,5%. Em 2007 o setor privado americano se endividou em quase 1% do PIB, com investimentos maiores do que poupança. Ainda nesse ano o setor público tinha um déficit de 4% do PIB. O PIB americano em 2007 foi de U$15.580 trilhões (dollars de 2012), com investimento de U$2,65 tri, gastos do governo de U$3,15 tri e exportações de U$1.82 tri. Depois que a crise de 2008 estourou, o investimento privado despencou para U$1.87tri em 2009 e o PIB caiu para U$15.13 tri, o estrago só não foi pior pois o gasto público aumentou para U$3.33 tri e o déficit primário do governo foi a 12,4% do PIB. As exportações aumentaram a U$1.93 tri e o déficit externo caiu para 2.6% do PIB. O setor privado virou de um déficit de 1% do PIB para superávit de 1%: o que causou a grande crise de 2008 foi a interrupção de gastos privados, numa tentativa desesperada de desalavancagem. A poupanca do setor privado passou de 18% do PIB em 2007 para 22,4% do PIB em 2018.

Passados 10 anos a economia americana se recuperou. O PIB foi a U$18,77 tri em 2018. O setor privado americano continua poupador, agora com investimentos da ordem de U$3.47 tri e um superávit de 4% do PIB. O setor público continua bem deficitário, tendo a situação se agravado com o corte de impostos de Trump; o déficit primário americano em 2018 foi a 6.6% do PIB (a arrecadação de tributos caiu de 16,1% do PIB em 2007 para 10,4% do PIB em 2018). As exportações aumentaram para U$2.55 tri e os estrangeiros continuam financiando os domésticos dos EUA em 2.6% do PIB. O motor de gasto americano na margem passou a ser o setor público desde 2009. Os privados poupam mais do que investem e os estrangeiros vendem mais do que compram. Como diria Keynes, se ninguém gasta o PIB afunda.

Ver Tabela:

artigo aqui:

https://www.ineteconomics.org/perspectives/blog/macroeconomic-stimulus-%C3%A0-la-mmt

gravei uma aula sobre o tema:

3 thoughts on “Uma simples tabela que explica a crise de 2008 e a recuperação americana”

  1. A analise de Lance Taylor usando agregados esta’ muito boa e correta mas um caveat me parece relevante para entender a crise e suas antecedentes bolhas de ativos. Conforme abordado pelo BIS e inicialmente seu economista chefe – Hyung Song Shin- enquanto esteve no FMI, as bolhas foram alimentadas pela intermediacao de bancos europeus – alem de outros domesticos – captando no mercado monetario e sustentando estruturas de ativos de “longo prazo” (hipotecas) via SPVs, CDOs de CDOs and all that stuff. O problema e’ que isso, em termos de Balanco de pgtos,, ficava escondido por se cancelarem como saida de K de CP dos EUA para Europa com simultaneo re-ingresso nos EUA como capital de LP. Isso e’ importante porque nega a tese de que as bolhas e o dinamismo de absorcao nos EUA pre-crise – levando a bolhas e crise – poderiam ser explicados por “ingresso de poupanca externa” (Savings Glut de Bernanke). Subjacente `a dinamica capturada ex-post pelos agregados macro deve-se considerar a dinamica financeira nem sempre perceptivel quando sao canceladas macroecontabilmente.

  2. Paulo, U$15.580 trilhões isso no texto vira quatrilhões. Gosto muito de seus posts. Economista Jeferson de Castro Vieira, PUC GO

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