Libertarianismo: doença infantil dos liberais

*Escrito por Bruce Bastos Martins

Um libertário lhe dirá que os “founding fathers” dos EUA são exemplos históricos de sua doutrina. Estes defendiam os direitos fundamentais à vida, à propriedade e à liberdade, ou seja, os mesmos direitos apresentados como naturais por John Locke, no seu “Segundo Tratado”. Mas, qual é a explicação para um libertário como Thomas Jefferson, cuja assinatura consta na Declaração da Independência dos EUA, defensor do direito fundamental à liberdade e à vida, ser proprietário de escravos? Como é possível um libertário ser um escravagista? A resposta, lhe dirá um libertária, está no fato dele não reconhecer os negros como “sujeitos-de-direito”. É uma questão formal, não de conteúdo. Isto explicaria por que libertários como os “founding fathers” descumpriam, na prática, seus próprios ensinamentos. Acontece que este argumento ilustra muito bem como são meramente formais e, por isto, manipuláveis, na prática, para qualquer fim, os discursos pomposos sobre o que seja o bem supremo para essa figura jurídica, o indivíduo. É assim que o libertário se torna a doença infantil do liberalismo.

Vejamos um exemplo: se na defesa abstrata dos direitos fundamentais (à vida, à liberdade e à propriedade) eu me torno um libertário, definindo-me como “sujeito-de-direito”, sem prescrever, concretamente, a aplicação desses direitos, excluindo, conforme o caso, os que são apenas sujeitos de fato, como fizeram os “founding fathers” com os negros, então eu posso ser um tirano, na prática, e um libertário na forma, pela defesa dos direitos libertários. É tautológica e distante de qualquer concretude a definição dos libertários. O libertarianismo comporta todo tipo de regime, inclusive o autocrático, desde que exclua todos da forma jurídica “sujeito-de-direito”, pois este são os únicos cujos direitos à vida, à propriedade e à liberdade devem ser protegidos (por Deus, talvez? Quem sabe pelo Estado, mas só enquanto um “mal necessário”).

Hegel tem um parágrafo ótimo para esse tipo infantil de discurso, que faz do vazio o argumento mais forte na defesa do bem supremo, independente do que se passa no curso-do-mundo: “Declamações que só enunciam este conteúdo determinado: o indivíduo que pretende agir por fins tão nobres e leva adiante discursos tão excelentes, vale para si como uma essência excelente. [Tudo isso não passa de] uma intumescência, que faz sua cabeça e a dos outros ficarem grandes, mas grandes por uma oca flatulência.” A defesa do libertarianismo é a doença infantil dos liberais. É a decadência de um conjunto de princípios que, desde o início, embora se ocupasse com a questão formal, nunca teve coerência com a sua prática. Só lhe resta culpar o Estado.

1 thought on “Libertarianismo: doença infantil dos liberais”

  1. É por isso e outras, que eu o chamo de feudalistas. E não libertarianistas, ou qual for o nome que eles se auto intitulam, defendem ser senhores feudais e sem ninguém interrompendo nas suas propriedades. Mesmo sendo venda de crianças, na ausência de um orfanato e um imparcial pra resolver o litígio, quem ficará com a criança? A essência do libertarianista, é o oposto da defesa da Liberdade, mas é o empoderamento de ser escravo da sua própria propriedade, como Rosseau sempre criticava e o Hegel na dialética de Mestre e Escravo.

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