Lições para o Brasil: os subsídios a inovação funcionam?

*escrito por Luis Felipe Giesteira

Ao longo de 2022 e no início de 2023 inevitavelmente o país debaterá temas como teto de gastos, autonomia do banco central, auxílios assistenciais e alocação setorial dos gastos, entre outros. A alocação setorial dos gastos remete ao tema da política industrial e confirma aquela máxima com que até mesmo economistas bovinamente ortodoxos (não todos) concordam: todos países as praticam, diferenciando-se apenas pela consciência e qualidade dessas. No caso do Brasil, podemos ver isso pela distribuição do chamado “gasto tributário”, dos incentivos creditícios e, claro, da carga tributária (sendo este último aspecto quase sempre negligenciado, pois há setores que possuem muitas renúncias, mas tb pagam muito imposto). Na hora de “aperfeiçoar” ou (não custa nada torcer) fazer com que o resultado desse conjunto de incentivos e impostos se torne mais progressista – ou seja, incentivando setores q inovam mais, geram empregos de melhor qualidade ou cuja elasticidade-renda é maior – é importante observar como foi a resposta dos diferentes ramos aos estímulos recebidos em anos recentes. Um pequeno parêntese. Frequentemente destaco o caso da agropecuária brasileira, saudada como caso de inabalável sucesso e usada como exemplo de como dá certo seguir vantagens comparativas, quando na verdade é um setor que praticamente não paga impostos, recebe apoio financeiro carimbado e maior que todo o resto da economia somado (via crédito agrícola) e ainda tem quase toda sua P&D “dada de presente” pelo setor público, via Embrapa e Ematers, principalmente. Nada contra a agropecuária, mas tudo contra a fábula que contam para explicar seu sucesso: o agro brasileiro é intensivo em recursos naturais, mas é intensivíssimo em política industrial e de CT&I! Fecha o parêntese.

Por outro lado, o P&D executado diretamente pelo agro é quase nada. Por isso, e porque o foco era mesmo comparações intraindústria, concentrei-me nos “setores” (na verdade, “divisão” e “grupo” na nomenclatura CNAE) industriais. O dado utilizado é o da proporção de pessoal empregado diretamente ligado a pesquisa, desenvolvimento e engenharia (PD&E) (sobre o total do emprego formal). No Ipea, designamos esta variável por PO e aquela por “POTec”. Portanto, falamos de POTec/PO. O primeiro a ser dito é que o indicador sugere tanto uma melhora expressiva do indicador entre 2007 e 2015 como uma queda pronunciada (captada pela Pintec divulgada em 2020) do esforço tecnológico das empresas após a reversão dos estímulos, de 2016 a 2019. Também é revelador que a indústria de transformação (IT) respondeu mais que proporcionalmente aos estímulos. É importante se ter em conta que esse intervalo foi marcado por forte expansão do emprego formal. Por outro lado, embora praticamente coincida com as duas PIs recentes (a PDP e o PBM), é provável que o efeito geral positivo deva muito ao pacote lei da inovação + lei do bem, de 2004-2005 (cujos efeitos possivelmente demoram uns 5 anos). Por outro lado, o desempenho das divisões e grupos dentro da IT tem bastante diferenças. No gráfico, destaco alguns – não todos – dos que receberam tratamentos especiais:

É notável que a IT sofre imediatamente a reversão das políticas de apoio (e da recessão) a partir de 2016, a qual reduz os empregos ligados ao esforço tecnológico mais que o emprego total. O oposto ocorre em outros setores, em parte refletindo a maior estabilidade de instituições não empresariais e o avanço das start ups ligadas à TICs – daí a discrepância IT vs “toda economia”, com essa sustentando a expansão, embora mais lentamente após 2016 (tb no gráfico 1). No entanto, o segmento eletrônico (a parte de manufatura das TICs), cujo grosso dos incentivos está ligado à ZFM, não apenas não responde tanto às políticas quanto “devolve” rapidamente o progresso a partir de 2016. Movimento semelhante se dá com a química (que recentemente teve suspenso seu regime especial próprio, o REIQ), ademais do “desengajamento” da Petrobras, iniciado ali por 2011. Outro setor que tem aparecido muito na mídia por conta da pandemia é o farmacêutico. Alega-se que se a decidida política levada a cabo na PDP e no PBM, que contou com um verdadeiro combo de incentivos – apoio da FINEP, consolidação patrimonial (mais BNDES), compras públicas, parcerias e offsets – tivesse sido mantida poderia ter incrementado a resposta à Covid e mesmo ter dado protagonismo internacional ao Brasil. Os dados de POTec não validam essa hipótese – ao menos não totalmente. A farma aumenta apenas 12% sua intensidade de P&D de 2007 a 2016 – um terço do geral da indústria. Todavia, não “sente” a redução dos incentivos. Ao contrário, quase dobra essa intensidade depois daí. Apesar de no conjunto do período, o resultado ainda parecer pífio, essa resiliência pode sugerir efeitos defasados fortes bem como que a consolidação patrimonial (elemento ausente de outras medidas voltadas para setores ou atividades progressistas) faz muita diferença na sustentabilidade de políticas de CT&I.

Por outro lado, no segmento de equipamentos de precisão e optrônicos talvez as politicas industriais para saúde tenham feito muita diferença. O grupo teve um resultado estrondoso, com crescimento – q sem manteve após 2016 – de 177%. Trata-se de um nicho muito pequeno no Brasil. O POTec dele era de … 43 empregados em 2019. Ademais, também pode ter sido beneficiado pela política industrial/de inovação da defesa. O grupo mais diretamente afetado pelos programas estratégicos de defesa, de equipamento bélico teve um desempenho que também salta aos olhos, com um aumento total da intensidade de POTec (2007 a 2019) de 159%, novamente expandindo esse percentual em plena recessão de incentivos. O outro grupo também afetado significativamente pelas políticas tecnológicas da defesa é o aero (por intermédio dos programas KC-390 e FX-2, entre outros). Seu crescimento foi maior que o da IT, mas modesto, de 40%. Não fosse a desastrada tentativa de venda para a Boeing, que desorganizou o setor entre 18 e 19, talvez o resultado tivesse sido melhor.

Destaque negativo foram os equipamentos elétricos – grupo no qual o Brasil é ainda bastante competitivo internacionalmente e está baseado em grupos nacionais. É o único em houve queda na comparação 2019 vs 2007, seguindo um desempenho frágil até 2016. Apesar da presença da impressionante WEG, não teve políticas diretas de incentivo, ficando a reboque de borbotões de recursos destinados à geração eólica, por exemplo. Sem olhar estratégico e com câmbio desfavorável, possivelmente optaram por compras chinesas e aí uma andorinha só não faz verão. Outro setor que deve ser olhado para ver o que não fazer é o automobilístico. Até 2012, se encaixa no caso das “benefícios sem contrapartidas”. Daí em diante recebeu um programa específico – o Inovar Auto – que essencialmente atendeu às reivindicações das empresas – quase todas múltis – em um show de espírito democrático e em um fiasco de falta de observação da experiência internacional (PI não é fazer o que os empresários do setor querem, é fazer “o quê” o estado, de acordo com suas prioridades e plano de governo consagrado nas urnas lhe dá legitimidade para definir, ouvindo lideranças e especialistas para especificar “como”). O resultado é que apesar do tratamento carinhoso, a automobilística apresentou resultados abaixo da média tanto até 2016 como de 2007 a 2019.

Lições não faltam – facilmente esse exercício pode ser expandido para outros segmentos (como o de semicondutores, beneficiado pelo PADIS, ou para os “intensivos em trabalho” beneficiados pelas famosas desonerações da folha) e aprofundado (por exemplo para dados sobre investimento, patentes e exportações). O importante é vontade política e disposição de olhar as evidências com alguma isenção, despido da intenção de a priori justificar vantagens para o setor favorito de cada um.

referências:

http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/5431

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