Manaus e Shenzen: duas estratégias distintas para o desenvolvimento econômico (maquila introvertida e base de exportação de manufaturas)

*escrito com Felipe Augusto

Vamos comparar as duas principais zonas especiais de atividade econômica da China e Brasil, ambas carregadas de incentivos fiscais de todo o tipo que se possa imaginar. A zona franca de Manaus foi criada para estimular a ocupação territorial de uma área remota do país. O objetivo principal era atrair empresas para produzir para abastecer o mercado interno brasileiro e por tabela ocupar a região. Não havia e não há metas de exportação, de upgrade tecnológico e tentativas de conquistar mercados no mundo. Shenzen, por sua vez, era uma vila de pescadores com menos de 100.000 habitantes que foi escolhida pelo governo chinês para virar a base exportadora para o ocidente, uma Hong Kong dentro da própria China (mainland). Foi escolhido por ser porto e por estar próxima de Hong Kong, com acesso privilegiado ao “mar asiático”. A cidade de Shenzen produziu em 2010 (u$122 bi U$), quatro vezes mais do que todo o estado do Amazonas (Manaus R$70 bi). Shenzen produz mais de 75% dos tablets do mundo. A zona franca de Manaus sempre teve o formato do processo de substituição de importações, com foco no mercado interno (segundo C. Pinkusfeld da UFRJ uma zona de processamento de importação, ou como disse Paulo Morceiro, nossa maquila introvertida!). Shenzen foi projetado pelo governo chinês desde logo para conquistar o mundo com seus produtos. Manaus x China: uma ótima metáfora de Brasil x China!

A Zona Franca de Manaus é um polo industrial na cidade de Manaus. Foi criada pelo decreto-lei número 3.173 de 6 de junho de 1957 e depois aprimorado por nova lei de 1967. Com o propósito de impulsionar o desenvolvimento econômico da Amazonia e Administrado pela superintendência da zona franca de Manaus (SUFRAMA), o polo industrial abriga hoje cerca de 600 indústrias concentradas nos setores de: eletroeletrônicos, químico e motocicletas. Nos últimos anos, o polo recebeu um novo impulso com os incentivos fiscais para a implantação da tecnologia de televisão digital no Brasil. Entre os produtos fabricados destacam-se: aparelhos celulares de áudio e vídeo, televisores, motocicletas, concentrados para refrigerantes, entre outros. Há também um pólo agropecuário abriga projetos voltados à atividades de produção de alimentos, agroindústria, piscicultura, turismo, beleza, beneficiamento de madeira, entre outras. As indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus recebem os seguintes benefícios fiscais: Isenção do imposto de importação e exportação, isenção de IPI, desconto no ICMS, e isenção temporária de IPTU.

Shenzhen é uma das maiores e mais importantes cidades da China, localizada na província de Cantão (Guangdong), no sul do país, ao norte de Hong Kong. Era uma vila de Pescadores com bem menos de 100mil habitantes nos anos 70, hoje tem mais de 15 milhões de moradores! Foi a primeira cidade chinesa a abrigar uma zona económica especial, implementada pelo governo chinês em 1979 e que transformou radicalmente a cidade, fazendo sua população crescer mais de 5000% nesses últimos 33 anos, e sua economia, mais de 9000% desde então. De fato, o poderio econômico e influencia populacional hoje apresentada por Shenzhen — figurando hoje como um dos principais centros financeiros, urbanos, culturais e administrativos da China atual — é fruto do investimento estrangeiro, baseado na política da “abertura para o Ocidente”. Em 2010, Shenzhen ficou na 4ª posição entre as grandes cidades mais ricas da China, ficando atrás somente de Xangai, em primeiro, da região autonoma de Hong Kong, em segundo, da capital Pequim, em terceiro.

Ao que parece, a ex-vila de pescadores que em 1980 tinha 30 mil habitantes e que virou o “Vale do Silício da China”, Shenzhen, superou a renda per capita do experimento liberal mais bem-sucedido do pós-guerra, Hong Kong, seu vizinho no Delta do Rio Pérola. O feito é impressionante por vários motivos. Escolhida como primeira Zona Econômica Especial para testar as reformas na China pós-Mao, Shenzhen iniciou seu crescimento, em grande medida, por meio de investimentos externos diretos de HK, que na época era industrializado. Colônia britânica até 1997, HK adotou uma via + liberal, oferecendo sua vantagem comparativa na época, a mão de obra barata, em troca de investimentos externos para produzir bens simples. Quando os custos aumentaram, as fábricas partiram para lugares como Shenzhen. Sem indústria, e com localização e topografia apropriadas, HK se especializou em serviços desde então.

Já Shenzhen, por meio de incessante planejamento governamental, tornou-se referência em alta tecnologia. Experimentos como o de HK somente parecem dar certo sob condições muito específicas: localização privilegiada, território pequeno com porto natural, baixa população e, principalmente, geopolítica favorável, como a tutela de uma Potência que garanta a sua sobrevivência. Recentemente o Governo chinês anunciou o Plano “Greater Bay Area”, que prevê a integração de HK à economia do Delta, liderada por Shenzhen, gerando temor em HK quanto à sua autonomia e desconfiança quanto ao papel que lhe caberia no Plano. Na verdade, unir-se à região + dinâmica da China pode ser uma saída para HK, que tem uma economia estagnada, um setor imobiliário inacessível, e já vê Shanghai rivalizando como maior centro financeiro da região. Autonomia, afinal, não parece ser uma real possibilidade para HK.

Documentário da Wired sobre Shenzen:

Comentários de Danilo A. Fernandes:

A Zona Franca de Manuas (ZFM), como alternativa baseada em zona de livre comércio, foi e continua sendo uma estratégia importante para se tentar estimular a criação de uma base industrial em regiões periféricas, como a Amazônia. O problema realmente é o modelo e a matriz industrial proposta desde o início como pano de fundo dessa estratégia. Na China o modelo foi bem mais criativo e ousado do que o nosso. Claro que a reprodução destes padrões de urbanização de Shenzen para a Amazônia seria um desastre ambiental de proporções catastróficas. Mas, pelo menos, os chineses ousaram em propor uma estratégia voltada para a exportação. Já no caso do Brasil, o modelo para a amazônia foi completamente diferente. Enquanto no Pará, com a SUDAM, o modelo foi exportador, mas com base em exportação de produtos primários (como o minério, madeira em tora, boi em pé e, agora, soja); no Amazonas, o modelo (apesar de mais limpo), também não ajudou a desenvolver uma base industrial ancorada em produtos da biodiversidade da região. Se na ZFM, pelo menos, o modelo não foi tão destrutivo (como no Pará, Rondônia, Tocantins e Mato Grosso) ajudando a preservar as suas florestas; por outro lado, o mesmo não conseguiu ir muito além de um projeto industrial de imitação de São Paulo. De uma forma geral, portanto, o problema do modelo brasileiro de industrialização e desenvolvimento para a Amazônia tem pecado recorrentemente em não conseguir estimular o desenvolvimento de suas potencialidades locais, incentivando quase sempre um modelo de industrialização exógeno, baseado em uma matriz tecnológica de pouca criatividade e completamente estranha à região. Focado apenas em ganhos imediatos e baixo estímulo à inovação e desenvolvimento de potencialidades locais. Claro que tudo isso tem muito a ver com o fato de que seu modelo industrial ter se baseado sempre no foco para o mercado interno, e não para a criação de mercados externos baseados em novas tecnologias e busca de competitividade sistêmica. Por isso, a tendência foi e continua sendo o desenraiamento completo do seu parque industrial em relação à realidade e aos verdadeiros potenciais ligados à biodiversidade da região amazônica. Investe-se muito em plantas industriais ligadas à mineração (no Pará) e produtos eletroeletrônicos (como na ZFM), enquanto se esquece do potencial da biodiversidade da floresta, seu principal diferencial em termos de potencial criação de uma base industrial realmente diversificada em enraizada socialmente. Em outras palavras, em vez de construirmos um modelo ousado de floresta industrializada, moderna, competitiva e inovadora; preferimos um modelo mais simples de imitação, sem aprendizado, e baseado na construção de ilhas de produção industrial desconectadas da realidade regional e/ou enclaves de grandes projetos de exportação de recursos naturais.

Shenzen 1980
Shenzen 2015

Para entender Shenzen na China: https://www.americasquarterly.org/rodrik

https://www.startse.com/noticia/ecossistema/china/55952/shenzhen-o-que-esta-por-tras-da-cidade-mais-tecnologica-do-mundo

Maquilapolis https://youtu.be/WUQgFzkE3i0

2 thoughts on “Manaus e Shenzen: duas estratégias distintas para o desenvolvimento econômico (maquila introvertida e base de exportação de manufaturas)”

  1. No Brasil fez-se o oposto, juros alto, câmbio valorizado, impostos favorecendo manufaturas importadas, produção para consumo interno distante dos centros consumidores. Contribuiu para a ocupação, mas poderia ter agregado mais benefícios econômicos e tecnológicos.

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