Missões para o desenvolvimento econômico, social e ambiental do planeta

*escrito por Lavínia Barros de Castro

A formulação contemporânea dos desafios do desenvolvimento como “missões” (MAZZUCATO, 2021) traz na sua essência um reconhecimento de que os desafios do desenvolvimento não devem (nem podem) ser vistos de forma “desenraizada” de questões sociais e políticas. No recente texto publicado, Mazzucato (2022) retoma questões levantadas em sua obra “Mission Economy” (Mazzucato, 2021). O que seria uma economia orientada por missões? O caso paradigmático seria a Missão Apollo americana – um exemplo histórico de um objetivo de governo que exigiu visão de longo prazo e grande ousadia por parte do governo, frente à incerteza de seus resultados, mas que trouxe inúmeras externalidades positivas. Tratava-se de estabelecer um objetivo claro, ambicioso e urgente, sem que houvesse clareza sobre os subprodutos que vingariam, nem, muito menos, elementos para fazer uma análise custo-benefício dos projetos, dadas as incertezas tanto dos custos quanto das receitas futuras (sem falar nas externalidades). Levar o “homem à lua” (uma “missão” autoimposta) exigiu que o governo americano atuasse em parceria com um número grande de empresas de todos os portes, com o governo guiando o processo (misson oriented). De acordo com ela, alguns dos grandes problemas do nosso tempo (saúde, desafios climáticos, desafios educacionais, proteger a privacidade num mundo de tecnologias digitais, entre outros) necessitam da mesma postura ousada. Porém, são ainda mais desafiadores, na medida em que não requerem apenas soluções tecnológicas, mas também sociais, organizacionais e políticas (MAZZUCATO, 2021, p. 5).

Para a autora, analogamente ao que foi feito nos anos 1960, recentemente teriam sido estabelecidas as 17 metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que poderiam ser vistas como 17 grandes “missões globais” – análogas à Missão Apollo, porém, insiste, ainda mais desafiadora. Isso porque cada um dos ODS é um problema complexo que envolve, simultaneamente, diversas dimensões: social, política, tecnológica e comportamental. Dessa forma, a “primeira leva” de missões (mission-oriented policies – como a Missão Apollo) teria seguido a máxima de “grande ciência se encontra com grandes problemas”. Para adaptar a ideia de pensar através de missões (mission-oriented thinking) aos nossos tempos, seria necessário também introduzir inovações institucionais a fim de criar novos mercados e redesenhar os já existentes – o que requer participação cidadã (p. 108). Portanto, ter a visão (como na Missão Apollo) é condição necessária, mas não suficiente – seria igualmente necessário engajar os cidadãos numa mesma direção.

Segundo Mazzucato, para enfrentar os grandes problemas do desenvolvimento será necessário, em primeiro lugar, a ousadia característica das “missões”. Será, porém, igualmente importante repensar o governo, incluindo suas capacidades e capacitações, bem como criar os instrumentos e as estruturas institucionais capazes de fazer face aos desafios que enfrentamos. Na sua percepção, uma das principais lições do Covid é: para que a atuação de governos em crise seja efetiva, é preciso que os governos sejam mais do que “consertadores de falhas de mercado” (fixers of market faillures) e que não sejam vistos meramente como “piores fornecedores” (worst outsources). Para que a atuação seja efetiva, governos necessitam criar e redesenhar mercados (market shapers and market makers). Antes é preciso, porém, que invistam em capacitação para explorar colaborações público-privadas que sirvam ao interesse público.

Para que os governos sejam efetivos na Agenda 2030 será necessário: 1) esforço para repensar como as políticas são desenhadas, mudar regimes de propriedade intelectual e redistribuir trabalhos de inteligência entre academia, governo, empresas e sociedade civil. Também é igualmente importante 2) estabelecer objetivos de forma tangível, com metas que interessem às pessoas – tendo em conta considerações de interesse público e não de lucro (MAZZUCATO, 2021 p. 6). Adicionalmente, 3) para que floresçam novas formas de colaboração entre o setor governamental e privado em torno de objetivos comuns (como para enfrentar os desafios do clima ou da saúde), será necessário dividir ambos: riscos e retornos – abandonando a ideia de que governos são apenas uma máquina burocrática, incapaz de inovar (p.7). Será ainda preciso: 4) engajar não apenas o setor privado, mas também os cidadãos, ao longo do processo. Por fim, 5) será necessário se perguntar: “que tipo de mercado nós queremos?”, ao invés de perguntar “qual o problema do mercado que precisa ser consertado?”. De forma análoga, ao invés de “quanto dinheiro há lá e quanto podemos fazer com ele?”, a pergunta certa é: “o que precisa ser feito e como podemos estruturar orçamentos para atender a esses objetivos?” (p. 8).

Uma vez tendo clareza de qual o desafio a enfrentar, é preciso formular a missão de forma clara e estabelecer objetivos e metas. Definidas as metas para investimento e inovação – que devem ser “ambiciosas, mas realistas” (p. 122) –, será preciso então identificar setores e estabelecer um conjunto de projetos prioritários, que se relacionam entre si. Finalmente, chega a etapa mais difícil: implementar a missão. Para tanto, é fundamental ter os instrumentos adequados de políticas que devem focar em resultados e impulsionar experimentação. “Compras públicas, recursos não reembolsáveis e empréstimos devem remunerar inovações pelo risco tomado para resolver problemas públicos”. Nesse sentido, menos ênfase deve ser dada no tipo de firma envolvida (por exemplo, PMEs e Startups) ou na solução tecnológica específica ou mesmo em qual setor a ser selecionado, mas sim formular os “grandes problemas” e selecionar os tipos de organizações, tecnologias e setores que podem (juntos) ajudar a solucionar as questões colocadas (pp. 124 e 125).

Além dos instrumentos, é preciso também uma mudança de perspectiva. Essa mudança requer colocar as finanças públicas como “investidores” (investors of last resort) e não como “emprestadores de último recurso” (lenders of last resort), que salvam o mercado, depois que esse colapsa. O setor público pode e necessita atrair investidores privados (crowd in), de forma a aumentar os efeitos multiplicadores de suas ações. Há condições para fazer isso, na medida em que o governo deixa claras as oportunidades e cria sinergias para atuação conjunta. Isso requer muitas vezes redesenhar contratos de forma a fomentar as novas ideias e reduzir a aversão a risco dos projetos nas diferentes instituições públicas. Para atingir essas missões é fundamental, por fim, dispor de e atrair recursos de longo prazo – é preciso encontrar quem abrirá mão da liquidez por um período grande de tempo, para colocar o desafio em termos keynesianos. Isto é, uma abordagem na forma de missões requer (além de ousadia e clareza nos objetivos) finanças pacientes. É preciso reunir recursos e os instrumentos corretos, para os diferentes estágios da missão.

referência: https://www.bnb.gov.br/s482-dspace/handle/123456789/1255

https://www.amazon.com.br/Mission-Economy-Moonshot-Changing-Capitalism/dp/0063273357/ref=asc_df_0063273357/?tag=googleshopp00-20&linkCode=df0&hvadid=379712558847&hvpos=&hvnetw=g&hvrand=7162429085331671021&hvpone=&hvptwo=&hvqmt=&hvdev=c&hvdvcmdl=&hvlocint=&hvlocphy=1001773&hvtargid=pla-1732400603671&psc=1

The Entrepreneurial State Must Lead on Climate Change by Mariana Mazzucato – Project Syndicate (project-syndicate.org)

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