Keynes e a MMT (modern monetary theory) na gestão de ativos

A discussão sobre MMT tem ganhado muito destaque no Brasil e no mundo. Correndo o risco de transformar uma discussão complexa em algo simplista, para efeito prático de gestão de recursos poderíamos resumir toda essa discussão na seguinte pergunta: em quais circunstâncias a emissão monetária e permanentes déficits públicos geram inflação? Se a reposta for sempre ou quase sempre, na condição atual do mundo pós-crise de 2008, com déficits públicos e bases monetárias em constante expansão, a consequência econômica natural seria: alta de taxas de juros curtas e longas, posições ganhadoras tomadas (ou compradas) em juros. Se junto com a MMT (sigla em inglês para a Teoria Moderna da Moeda) a reposta for emissão monetária e déficits públicos geram inflação apenas em situações muito específicas com pleno uso dos recursos produtivos de uma economia, o que deveríamos observar no mundo rico quase estagnado de hoje seria a inflação baixa e as posições ganhadoras de dinheiro dadas (ou vendidas em juros).

Um dos pilares da Teoria Moderna da Moeda nada mais é do que o poder soberano de denominar impostos na unidade de conta criada pelo próprio governo. Isso não justifica, obviamente, o gasto público irresponsável e ilimitado a qualquer momento – são duas questões ligadas, porém, distintas. A cobrança obrigatória de impostos (denominados na unidade de conta criada pelo governo) sobre uma população cria uma demanda pela moeda estatal. Essa demanda por moeda abre espaço para o governo gastar (monetização de déficit público) emitindo passivos (moeda), pois pode injetar um passivo “estéril” que as pessoas demandam para cumprir suas obrigações com o Estado e realizar transações monetárias.

John Maynard Keynes tratou deste tema, sem concordar totalmente com Abba P. Lerner, considerado o pai da MMT, quando destacou a importância da moeda e da liquidez para a proteção da riqueza. Por que bancos, empresas e pessoas demandam moeda? Para ficar líquidos, para proteger a riqueza, para saber quanto, de fato, vale o patrimônio; para liquidação imediata de dívidas e contratos (no caso da corrida bancária). Ficar líquido tem muito valor no sistema capitalista. Então, a impressão de moeda primeiro abastece a demanda por liquidez. Depois, via juros baixos, eventualmente a moeda chega na inflação se a economia estiver aquecida e o mercado de trabalho apertado; ou se o câmbio se desvalorizar muito em ataques especulativos. Claro que se o governo imprimir moeda demais e gerar inflação, ninguém vai querer o dinheiro puro – neste caso, o governo pode, sim, gerar indexação no sistema e até hiperinflação. Tudo isso Keynes explicou de maneira detalhada em seus trabalhos dos anos 1920 e 1930: cunhou o termo preferência pela liquidez para justificar a demanda por moeda.

Desde 2014, analistas de mercado preveem juros de 10 anos nos EUA acima de 3% por conta da impressão monetária, déficits crônicos, ameaças inflacionárias e ciclo de alta de juros do Federal Reserve. ; as taxas teimam em fechar os anos desde então abaixo dos 3%.  Os “bond vigilantes” não se cansam de dizer que os déficits e a dívida pública fora de controle nos Estados Unidos provocarão uma explosão das taxas de juros longas. O fundo de Bill Gross (o “bond king”) apostou neste cenário em 2018, errou e perdeu muito dinheiro, assim como vários outros hedge funds. Bill Gross se aposentou. No Brasil, as apostas de alta de juros longos por conta do aumento da dívida pública interna também vêm se provando erradas nos últimos três anos. Muitos fundos perderam dinheiro com essa aposta em 2016 e 2017. O debate acadêmico e entre policy makers no Brasil e no mundo continua. Em gestão de ativos é mais fácil separar o “certo” do “errado” e resolver a controvérsia. Comprou? Vendeu? Ganhou ou perdeu dinheiro com essa ideia? Se vale a MMT, uma posição mais vendida em juros parece hoje mais ganhadora tanto no Brasil quanto no mundo desenvolvido.

Ps: hj bancos e empresas têm depositado no BC em operações compromissadas de curto prazo R$1.2 trilhões. No FED os depósitos remunerados passam de 10% do PIB

ótima crítica à MMT de Thomas Palley:

http://thomaspalley.com/?p=1145

James K. Galbraith analisa MMT:

https://www.project-syndicate.org/commentary/modern-monetary-theory-opponents-misunderstanding-by-james-k–galbraith-2019-03

Otimo texto sobre o tema: https://www.valor.com.br/cultura/6195793/uma-critica-pos-keynesiana-ao-mmt-negligencia-do-papel-da-confianca

https://www.valor.com.br/cultura/6195793/uma-critica-pos-keynesiana-ao-mmt-negligencia-do-papel-da-confianca

Keynes a Lerner sobre as finanças funcionais “it’s the art of statesmanship to tell lies but they must be plausible lies” (Colander, 1984, p. 1574). Referências Colander, D. “Was Keynes a Keynesian or a Lernerian?” “Journal of Economic Literature”, XXII, (1984): 1572-1577.

https://www.jstor.org/stable/2725382

resumo:

https://www.bloomberg.com/news/features/2019-03-21/modern-monetary-theory-beginner-s-guide?utm_source=twitter&utm_content=business&utm_medium=social&cmpid=socialflow-twitter-business&utm_campaign=socialflow-organic

Introduction to Post-Keynesian Economics do Marc Lavoie (2009) – Palgrave Macmillan

Belo texto de Andre Lara Resende sobre o tema:

1 thought on “Keynes e a MMT (modern monetary theory) na gestão de ativos”

Deixe uma resposta