10 teses sobre o novo desenvolvimentismo

Em Maio de 2010 um grupo de economistas de tradição keynesiana e estruturalista, liderados pelo ex-ministro e professor emérito da Fundação Getulio Vargas, Luiz Carlos Bresser-Pereira, se reuniu em são Paulo para discutir teses de uma estratégia nacional de desenvolvimento capaz de encurtar o caminho para o desenvolvimento econômico. As teses desenvolvem o argumento apresentado no livro Competição e Globalização publicado por Bresser-Pereira em 2010. A reunião fez parte do projeto de governança financeira e desenvolvimento econômico financiado pela fundação Ford. O projeto tem como pano de fundo o fracasso do consenso de Washington (liberalização, privatização e ajuste fiscal) em promover o desenvolvimento econômico na America Latina e a grande crise financeira de 2008 que mostrou ao mundo os limites e perigos envolvidos na globalização e na desregulamentação financeira. A reunião foi feita na esteira de uma das maiores crises financeiras da historia, onde ficou evidente o impacto negativo da abertura desenfreada de mercados financeiros em diversas economias ao redor do globo.

A partir desse pano de fundo e das recorrentes crises no mundo emergente nos anos recentes, o objetivo geral do encontro foi avaliar como uma estratégia de desenvolvimento poderia promover crescimento e estabilidade. O objetivo mais especifico foi discutir as teses que fundamentam uma macroeconomia estruturalista do desenvolvimento. Depois de dois dias de intensa e rica discussão, os organizadores locais do encontro ficaram responsáveis pela edição das teses de modo a refletir o resultado dos debates. A versão final que segue abaixo resume as teses aprovadas pelos participantes originais da reunião. São teses que se articulam completamente com a argumentação desenvolvida até aqui e os caminhos possíveis para criação de complexidade econômica de uma perspectiva de análise macroeconômica e do papel do estado no processo. O desenvolvimento econômico é um processo estrutural de plena utilização de todos recursos domésticos capaz de levar de maneira sustentável a economia à máxima taxa de acumulação de capital e incorporação de progresso técnico. O primeiro objetivo é promover o pleno emprego do trabalho. Este processo envolve não apenas o aumento da produtividade em cada setor mas também a continua transferência de trabalhadores para industrias que produzem bens e serviços de maior valor agregado e que paguem maiores salários.

O mercado é o lugar privilegiado desse processo, mas o estado tem um papel estratégico em prover o arcabouço institucional que sustenta essa dinâmica. Isso inclui a promoção de estruturas e instituições financeiras capazes de canalizar os recursos domésticos para o desenvolvimento de setores que produzem alto valor agregado. Esse arcabouço institucional deve também incluir medidas que evitem desequilíbrios estruturais e promovam a competitividade internacional. No contexto da globalização, o desenvolvimento econômico requer uma estratégia nacional de desenvolvimento que captura oportunidades globais; economias de escala e fontes múltiplas de aprendizado tecnológico, redução de barreiras para inovação decorrentes de regimes de propriedade intelectual excessivamente rígidos, estabilidade financeira, oportunidades de investimento para investidores privados.

Apesar do lado da oferta e de políticas industriais estratégicas serem relevantes para o processo de desenvolvimento econômico, o lado da demanda é que abriga os maiores gargalos para o crescimento. Desde Keynes reconhece-se que a oferta é incapaz de criar automaticamente sua própria demanda. Entretanto, em países emergentes existem duas tendências adicionais que limitam a demanda e o investimento: a tendência de que os salários cresçam abaixo da taxa de crescimento da produtividade e a tendência à sobrevalorização da taxa de cambio nominal e real.

A tendência para os salários crescerem mais lentamente do que a produtividade se deve a existência de mão de obra abundante e a economia política dos mercados de trabalho. Alem de limitar a demanda doméstica e reforçar a concentração de renda, essa tendência também afeta negativamente o crescimento da produtividade no longo prazo. Um piso de salário mínimo, transferências para os pobres e, principalmente, a garantia do governo de emprego a uma taxa mínima de salário podem ser utilizados para neutralizar essa tendência de subvalorização do trabalho. A alternativa – uma sobrevalorização crônica da moeda doméstica que aumenta o poder de compra – não é uma estratégia sustentável.

A tendência à sobrevalorização cíclica da taxa de câmbio em países em desenvolvimento se deve tanto a dependência da poupança externa na forma de fluxos de capital quanto à doença holandesa no contexto de um mercado de capitais excessivamente aberto e sem a apropriada regulação. Essa tendência implica que a taxa de câmbio em países em desenvolvimento não é somente volátil, mas contribui para recorrentes crises monetárias e recorrentes bolhas nos mercados financeiros. Também implica que oportunidades de investimentos orientados para exportação são cronicamente insuficientes, pois a sobrevalorização cambial torna até mesmo as empresas domésticas mais eficientes não competitivas num ambiente internacional. A doença holandesa pode ser caracterizada como uma permanente sobrevalorização da moeda domestica devido a rendas ricardianas originadas na exportação de commodities e recursos naturais. A doença holandesa impede o florescimento de outras indústrias de bens comercializáveis. Isso ocorre pois a doença holandesa produz um equilíbrio de conta corrente não compatível com uma taxa de cambio de equilíbrio industrial. Uma taxa que permitiria as indústrias de bens comercializáveis utilizando o estado da arte em tecnologia tornarem-se competitivas no mercado global.

O desenvolvimento econômico deve ser financiado primordialmente com poupança domestica. Para atingir tal objetivo a criação de instituições financeiras públicas que garantam a utilização de recursos domésticos, especialmente trabalho, é necessária. A tentativa de utilização de poupança externa via déficits em conta corrente geralmente não aumenta a taxa de investimento (como defendido pela visão neoclássica) e aumenta o endividamento reforçando a instabilidade financeira. Estratégias de crescimento baseadas em poupança externa causam fragilidade financeira; colocam governos na posição de reféns dos mercados financeiros e terminam, em geral, em crises cambiais e de balanço de pagamentos.

Para garantir um arcabouço apropriado para o desenvolvimento econômico o governo deve assegurar uma relação de longo prazo estável entre a dívida pública e o PIB e uma taxa real de câmbio que leve em consideração e tente neutralizar os efeitos adversos da doença holandesa no setor manufatureiro doméstico. Para atingir o desenvolvimento de longo prazo a política econômica deve perseguir o pleno emprego como seu objetivo principal, ao mesmo tempo em que garante estabilidade de preços e financeira. Essas proposições não pretendem ser uma receita completa para o desenvolvimento econômico. Ao contrario, elas pretendem ser um conjunto de propostas para uma reflexão sobre o complexo processo de desenvolvimento econômico. Essas propostas devem ser ajustadas tendo em vista contextos domésticos produtivos, sociais e políticos específicos.

http://www.scielo.br/pdf/rep/v32n2/v32n2a11.pdf

*paper sobre o tema:295b-From classical and post-Keynesian to new developmentalism

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