Os juros longos subiram, a moeda brasileira se depreciou e a bolsa caiu por conta de temores fiscais em Setembro. O movimento foi exagerado. A âncora da inflação no Brasil está no mercado de trabalho depauperado e nas reservas cambiais. O teto fiscal é apenas mais uma âncora, irracional, de sinalização de uma política fiscal permanentemente contracionista; uma camisa de força para loucos. O déficit público primário indo a quase R$ 1 trilhão neste ano não é novidade. Gastamos em um ano praticamente o equivalente à economia de uma reforma da Previdência de uma década. Isso não fez a inflação disparar, o IPCA deve fechar 2020 na casa dos 2,5%. A aceleração recente dos índices de preço por atacado, com destaques para IGPs e INCC, se deve a uma combinação de desvalorização cambial no Brasil e no mundo emergente com a alta de preços no mercado mundial de commodities. Parte da desvalorização cambial se deve ao movimento de aversão ao risco global, parte a temores fiscais no Brasil. O Banco Central poderia atuar na ponta longa para reduzir juros futuros, como têm feito os bancos centrais mundo afora. O Tesouro pode encurtar a dívida e se financiar pagando SELIC. Como diz André Lara Resende, dívida longa, curta ou moeda são praticamente a mesma coisa. O mercado não enxerga assim, mas o Tesouro poderia.
A arroba do boi, a soja, o minério de ferro e tantas outras commodities estão perto de máximas graças, principalmente, à demanda firme da China. A correta coordenação econômica do governo chinês usando regulação e instrumentos de mercado tornou o país o destaque mundial na reposta à Covid-19. A China caminha a passos largos para se tornar a maior e mais relevante economia do mundo e as commodities brasileiras se beneficiam novamente de outra onda de crescimento do país. A inflação não voltará com força no Brasil, pois a crise no mercado de trabalho dificulta os repasses de preços do atacado ao varejo. Apesar do salto dos IGPs, devemos ver nos próximos meses um arrefecimento. A forte alta de preços já disparou gatilhos de produção que estavam enferrujados. A oferta responderá à alta de demanda e os preços de commodities e insumos da construção civil devem parar de subir já nos próximos meses. Esse mecanismo está em operação tanto no mercado mundial quanto no doméstico. No front cambial, o BC tem muita munição que não está utilizando. O grande boom de preços de commodities trará mais dólares ao país, tanto neste ano quanto no próximo. A moeda brasileira tem uma das piores performances do mundo, tornando todos os preços brasileiros baratos: ativos financeiros, bens e serviços. A trajetória mais provável para esse final de ano é de arrefecimento da pressão inflacionária e volta da Bolsa, câmbio e juros longos para os patamares anteriores. Nesse cenário, o Comitê de Política Monetária deve seguir com taxa Selic na casa dos 2%.
A inflação irá convergir, uma vez que hoje existe brutal capacidade ociosa na indústria, no setor imobiliário, no varejo em geral e no mercado de trabalho. Os salários reais seguem deprimidos, o nível da produção industrial em mínimas históricas em termos de volumes, próxima ao patamar de 2007 o consumo e investimento agregados estão ainda muito deprimidos. Estes elementos não são novidade. Ou seja, o atual contexto é bastante distinto de 2012, quando o BC trouxe a Selic para suas mínimas históricas e acabou contribuindo para pressionar a inflação em um contexto de demanda forte e escassez de oferta no Brasil e no mundo. Naquele momento, o Brasil estava em pleno emprego no mercado de trabalho, em franca expansão do crédito privado e público com taxas de variação da ordem de 20% ao ano. A inflação de serviços rodava a 8% ao ano.
No momento, a economia brasileira está ancorada e não irá a lugar algum. Os juros extremamente baixos deram algum fôlego de retomada ao setor de construção civil via crédito, mas sem emprego e renda, o movimento não será sustentado. O câmbio mais desvalorizado está ajudando a indústria, mas, sem um vigoroso impulso de demanda, esta também não irá longe. O investimento privado segue deprimido, em mínimas de quase uma década. em um cenário como este, somente uma política fiscal estimulante poderá nos ajudar. E ,sem uma regra fiscal mais racional e pragmática, isso não será possível. O teto fiscal nos ancorou em termos de expectativas de inflação e estagnação econômica.
Excelente texto, muito grato!