O Brasil precisa de Política Industrial ?

*escrito por Pablo F. Bittencourt, economista chefe da FIESC

O gráfico acima plota o Índice de Competitividade Industrial (ICI) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Composto por 4 variáveis, o ICI pondera dois indicadores da capacidade de produzir e exportar bens manufaturados com outros dois da intensidade tecnológica da produção e exportação (IEL,2022). Esses últimos centrais para pensar a industrialização brasileira. O gráfico mostra também as relações econométricas, subdivididas em três modelos conforme níveis de IDH de territórios: pobres, de renda média e alta-renda. Para as duas variáveis utilizou-se o logaritmo natural. A pergunta é: A industrialização causa desenvolvimento? A resposta é: Sim! Mas a prova não deve ser buscada apenas nesse gráfico. Estudos empíricos, estatísticos e históricos, fundamentaram a elaboração de teorias dessa causalidade há muito tempo. Com base em alguns desses estudos, assumimos uma simplificação do processo de desenvolvimento econômico em três fases. Elas nos ajudarão a compreender melhor a relação vista no gráfico:

(i) Impulso industrializante inicial, fase em que a indústrias começam a se instalar em um território, baseadas nos baixos custos do trabalho. Iniciado o processo, a divisão do trabalho e a geração de economias de escala e escopo vão elevando a produtividade, induzindo adensamento industrial à montante e à jusante. À medida que os salários e a renda vão crescendo pela alta absorção de trabalhadores na indústria, a competitividade por custos do trabalho vai ficando comprometida e a industrialização entra em uma segunda fase (ii), chamemo-la de “intermediária”, quando o esforço tecnológico das firmas passa a ser mais relevante para sustentar a competitividade. Não se trata apenas de esforço de modernização produtiva (aquisição de maquinário mais moderno), mas também daqueles empenhos que tornem as firmas capazes de gerar e gerir a mudança tecnológica dos mercados em que atuam (é a tal capacidade de inovar). Assim, rotinas empresariais baseadas no baixo custo do trabalho vão sendo substituídas por estratégias baseadas em P&D, construção da marca, design de produtos, capacidade de engenharia, enquanto setores intensivos em trabalho vão sendo substituídos pelos intensivos em tecnologia. Esse processo culmina na fase (iii) da estrutura sofisticada, em que as empresas sustentam suas competitividades nas habilidades tecnológicas de seus trabalhadores. Aptidão para identificar e criar soluções estão enraizadas nas firmas e em suas interações (com universidades, centros de pesquisa, clientes, fornecedores, consultores, etc., o tal sistema de inovação). As habilidades dos trabalhadores encontram demanda em setores produtivos mais intensivos em tecnologia, onde a inovação é mais frequente.

Os resultados plotados no gráfico, revelam que o ICI capta melhor as fases 1 e 3 (R² > 0,7), mas precisa de outras variáveis no caso da renda média. Ou seja, o impulso industrializante inicial parece ser bastante efetivo para absorver trabalhadores e elevar o salário médio da economia. Tecnicamente, um crescimento de 1% do ICI resultaria em um aumento de 0,052% do IDH.  É claro que o fato de se partir de um nível muito baixo de renda influencia o resultado. No caso dos países desenvolvidos, a consideração de setores intensivos em tecnologia no ICI ajuda a explicar o elevado poder de explicação da regressão (R² = 0,79). Contudo, no caso dos territórios de renda média (entre os quais se encontra o Brasil), ainda que a relação estatística seja significante, ela é menos explicativa. Daí a necessidade de inserir mais variáveis no modelo. Para isso, o caminho seria identificar em que sentido teriam se movido os atuais territórios “desenvolvidos” quando estavam na fase “em desenvolvimento”. São muitos os estudos na área e as dimensões a serem consideradas: educação, abertura econômica, capital social, capacidades tecnológicas, regulação dos negócios, sistema financeiro e até capital social. O debate é acalorado, sempre variando entre o que é condição necessária (educação ninguém discorda!) e suficiente.

Da leitura da história do desenvolvimento das nações retirei que não parece haver solução óbvia. Mas casos de sucesso não abdicaram de diagnósticos profundos sobre o gap de industrialização local, que resultaram em planejamento de longo prazo, os quais, direcionaram recursos para acelerar a capacidade de inovar as empresas, incluindo a priorização de setores (intensivos em tecnologia) e de atividades (intensivas em conhecimento, P&D, etc…). O nome disso é Política Industrial. A inovação seu elemento-chave! Na Coréia do Sul os incentivos públicos à formação dos Chaebols foram decisivos à aceleração do aprendizado tecnológico e à obtenção de metas ousadas de exportação e crescimento (KIM;NELSON, 2000).  Em Israel, a evolução das funções da agência estatal de promoção de P&D estão na raiz da exitosa criação e disseminação de conhecimentos tecnológicos privados, essenciais ao pioneirismo em diversos nichos do desenvolvimento de softwares (BREZNITZ, 2007). Na Irlanda, os esforços para atração de empresas interessadas no privilégio para acessar o mercado europeu foram direcionados aos setores intensivos em novas tecnologias (GODOI, 2007). Todavia, no Brasil isso não tem dado muito certo! Captura do Estado por grupos de interesses e excesso de ingerência política, se somam à ausência de metas e punições no desenho dos programas. Enfim, não faz sentido defender qualquer política industrial, tampouco desistir dela. A perspectiva das Missões que fundamenta a tal Neoindustrialização brasileira é promissora por basear-se numa relação público privada em que a direção da mudança tecnológica é definida a priori e incentivada pelo Estado. Isso deve acelerar o processo de acúmulo de capacidade inovadora, eventualmente fazendo surgir mercados (no lugar de atuar sobre falhas de mercado). Ainda assim, superar debilidades em relação a metas e punições, além de criteriosas avaliações ex-ante e ex-post parecem essenciais ao sucesso. Mas isso é para um próximo post.

dados:

https://fiesc.com.br/pt-br/atlas-competitividade#:~:text=O%20Atlas%20da%20Competitividade%20da%20Ind%C3%BAstria%20Catarinense%20revela%20a%20diversidade,n%C3%ADvel%20de%20competitividade%20industrial%20catarinense

https://stat.unido.org/cip/

BREZNITZ, Dan. Innovation and the state: Political choice and strategies for growth in Israel, Taiwan, and Ireland. Yale University Press, 2007.

GODOI, Alexandra Strommer de Farias. O milagre irlandês como exemplo da adoção de uma estratégia nacional de desenvolvimento. Brazilian Journal of Political Economy, v. 27, p. 546-566, 2007.

KIM, Linsu; NELSON, Richard R. (Ed.). Technology, learning, and innovation: Experiences of newly industrializing economies. Cambridge University Press, 2000.

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