O Estado cria vilões ao subsidiar inovações tecnológicas?

*trecho do novo livro escrito com André Roncaglia, Brasil uma economia que não aprende

O Estado é e sempre foi peça central no desenvolvimento tecnológico dos países hoje ricos. Exatamente por conta de sua ampla capacidade de mobilizar recursos via orçamento público, bancos de desenvolvimento e variadas formas de poupança forçada, o Estado consegue enfrentar os assombrosos riscos de insucesso envolvidos na pesquisa básica em inovação tecnológica no estado da arte em cada campo do saber. Uma vez superada a fase em que os investimentos geram apenas despesas e nenhum retorno financeiro, as inovações são então aproveitadas pelo setor privado que as transforma, por meio de desenvolvimentos acessórios e agregados, em bens ou serviços proprietários comercializáveis na economia. Não é à toa que as histórias em quadrinhos e o cinema frequentemente retratam cientistas que tornam-se vilões, sob a pressão de prazos de contratos de desenvolvimento tecnológico com as forças armadas, bem como agências governamentais secretas ( como o MI-6 de James Bond – 007) desenvolvendo tecnologia militar de ponta que, eventualmente, são adaptadas para as necessidades do mercado consumidor, como o PC (computador pessoal) ou o iPad, da Apple (ver Mariana Mazzucato 2014 para mais detalhes).

Mariana Mazzucato mostra em seu interessante livro de 2014 o papel do estado empreendedor tanto na qualidade de fomento dos estágios iniciais de empresas como Apple, quanto no financiamento e desenvolvimento de tecnologias que depois são apropriadas pela iniciativa privada com grandes lucros. Algumas das tecnologias usadas no novo Boeing 787 foram testadas e desenvolvidas pela Nasa. Num processo recente na organização mundial do comércio sobre subsídios na aviação a Airbus chamou o novo Boeing 787 dreamliner de “subsidyliner”: o avião que mais recebeu subsídios do governo na história da aeronáutica: 5bi U$ do tesouro americano em subsídios diretos e indiretos segundo o processo. Na Europa o aprendizado com o Concorde e os enormes gastos públicos feitos nessa área pelo governo francês e do Reino Unido foram importantes para o futuro desenvolvimento dos aviões da Airbus; os sistemas de fly-by-wire, piloto automático para voo, pouso e decolagem, hidráulica de alta-pressão, freios de carbono, e outras técnicas avançadas para manufaturas ligadas a aviação vem desse projeto. No filme Ford x Ferrari estrelado por Matt Damon e Christian Bale vemos os inúmeros incêndios causados em carros de corrida nos anos 60 por conta do superaquecimento do sistema de freios anteriores ao uso do carbono.

MAZZUCATO, Mariana (2014). O estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público x setor privado. São Paulo: Portfolio-Penguin

MAZZUCATO, M. e Penna, C. (2016). The Brazilian innovation System: a mission oriented policy proposal, CGEE, Brasilia

Livro Brasil uma economia que não aprende: novas perspectivas para entender nosso fracasso

1 thought on “O Estado cria vilões ao subsidiar inovações tecnológicas?”

  1. Caro Paulo, ainda não li seu livro, mas me entusiasmo muito por esta abordagem que a Mariana Mazzocato faz da participação cada vez mais ativa do Estado, sobretudo em inovações tecnológicas. Ainda que diante desta crise econômica sem precedentes, temos o privilégio de sermos partícipes deste debate entre o possível fim do liberalismo e a volta de uma economia mais “keynesiana”, porém com esta roupagem que a Mariana Mazzocato nos traz. Acho que tanto quanto você, eu vejo os novos tempos numa roupagem híbrida entre o liberalismo econômico a la MIlton Friedman, e uma economia keynesiana, porém com investimentos públicos que de verdade façam valer a pena. A saída poderá estar, justamente, nesat parceria entre o público e o privado. Além disso, vemos também atraentes as ideias de distribuição de renda de Piketty, Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, entre outros. As ideias da Mazzocato e do Piketty seriam, portanto, complementares a essa nova economia que se avizinha. Nas palavras da própria Mazzocato: “Governments must see public services as investments rather than liabilities”. Boa sorte em seu novo livro. Com certeza fará parte da minha biblioteca.

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