Ricardo Hausmann explica de maneira bastante clara o mito da especialização produtiva em vantagens comparativas como caminho para o Desenvolvimento econômico a partir da perspectiva da complexidade (grafico acima https://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/0909/0909.3890.pdf). As vantagens comparativas na produção de bens e serviços surgem pois, como sabemos, todo mundo não e’ bom em fazer de tudo. Cada um se concentra em fazer o que é melhor, sua vantagem comparativa, e depois vai ao mercado trocar sua produção pela produção, mais eficiente, de outros, explorando os chamados ganhos de comercio. E aqui Hausmann traz um argumento da maior importância sobre a coexistência de especialização e diversificação nas diversas sociedades. A especialização em nível de pessoas resulta em diversificação em nível de cidades e países. A especialização em nível micro resulta em diversificação em nível macro.
É precisamente porque os indivíduos e as empresas se especializam que as cidades e os países se diversificam. Considere o exemplo de Hausmann de um centro médico rural e um importante hospital da cidade. O primeiro provavelmente tem um único clínico geral que é capaz de fornecer um conjunto limitado de serviços. No hospital urbano, os médicos são especializados em diferentes áreas (oncologia, cardiologia, neurologia, e assim por diante), o que permite ao hospital oferecer um conjunto mais diversificado de tratamentos. A especialização de médicos leva a diversificação dos serviços hospitalares. A especialização generalizada das pessoas em uma sociedade leva a diversificação encontrada dentro das cidades. As cidades maiores são mais diversificadas do que as cidades menores. Entre as cidades com populações semelhantes as mais diversificadas são mais ricas do que as menos diversificadas. Como destaca Hausmann, as cidades maiores tendem a crescer mais rapidamente e tornar-se ainda mais diversificadas, não só porque têm um mercado interno maior, mas também porque são mais diversificadas em termos do que podem vender para outras cidades e países.
As cidades são os locais onde as pessoas que se especializaram em diferentes áreas de conhecimento se reúnem para combinar o seu know-how. Como bem demonstram Hausmann e Hidalgo na abordagem de complexidade, cidades ricas são caracterizadas por um conjunto mais diversificado de habilidades que apoiam um conjunto mais diversificado e complexo de indústrias e, assim, proporcionam mais oportunidades de emprego para os diferentes especialistas. No processo de desenvolvimento econômico, cidades, estados e países não se especializam, se diversificam. Evoluem de sistemas com algumas indústrias simples para um conjunto cada vez mais diversificado de indústrias mais complexas. Como fica então a ideia de D. Ricardo de que cada país, para se desenvolver, deveria se especializar na produção daquilo que faz melhor e trocar no mercado o que não consegue fazer tão bem? O obvio problema dessa idéia ricardiana é que todas atividades produtivas não são iguais, algo que todos economistas estruturalistas sempre souberam. Se a vantagem comparativa de uma pessoa esta em lavar louças, mesmo que ela seja o mais eficiente lavador de louças do mundo, não conseguirá progredir na vida se dedicando a apenas essa função.
O mesmo vale para as atividades produtivas da ótica macroeconômica. Se um país se especializar na produção de produtos simples e não caminhar na direção de complexidade e diversificação não conseguirá progredir. Por isso a ideia de vantagens comparativas deve também ser pensada em termos dinâmicos. Ou seja, países de sucesso constroem vantagens comparativas em determinados setores ao longo do tempo, por exemplo: carros no Japão, aço na Coreia do Sul, e assim por diante. Uma exploração estática das vantagens comparativas existentes, especialmente nos setores de retornos decrescentes de escala como extrativismos em geral não promove o desenvolvimento econômico. E muitas vezes o mercado por si só não é capaz de tirar o pais desse tipo de armadilha.
Construindo complexidade: uma nova maneira de encarar o processo de desenvolvimento econômico
Uma especialização excessiva tende mais a gerar uma situação de ‘doença holandesa’ a longo prazo dq um desenvolvimento a longo prazo?
Depende também de qual tipo de especialização: por exemplo carros, eletrônicos, máquinas, ok
Quando se trata de doença holandesa eu sempre penso em especialização em recursos naturais.. Sempre que possível eu tento ler os seus artigos,eles são excelentes!
‘sugestão’: vc já pensou em criar um podcast semanal ou mensal falando conjuntura econômica(nacional e internacional)?
Tenho pensado bastante nisso! Thanks!
A maioria das teorias econômicas foi desenvolvida sob um contexto. Assim que o mundo se desenvolve há uma dinâmica diferente daquela que existia. Hoje a comunicação e o transporte se desenvolveram fazendo com que a informação chegue mais rápido e os produtos estejam mais disponíveis. O que você me diz sobre o excesso de tarifação sobre produtos na importação, é a solução viável ao desenvolvimento interno de um país (ex. reserva de mercado na informática no período militar)?. Sei que a análise não é simplista, mas vi o Brasil retornar ao excesso de barreiras para proteger a “indústria nacional”. Não seria um atraso impedir um comércio mais aberto para que desenvolva internamente. Vimos isso na época da colonização em qual Portugal fechou o comércio do Brasil, na ditadura e mais recentemente com o governo PT em maior grau.
Escrevi um pouco sobre essa questão: https://www.paulogala.com.br/?p=3196
Certo. Mas creio que faltou apontar um fator determinante para a viabilização da diversificação ou não, que é o tamanho do país tanto em população quanto território, no que tente a refletir maior variedade de recursos naturais.
Por mais IDH que possua a Islândia, dada sua ínfima população ela não tem condições de ter uma produção tão diversificada quanto poderia a Nigéria, por menos IDH que esta tenha. Assim, é bom apontar que a diversificação é sim um caminho necessário para o desenvolvimento, mas desde que existam as condições materiais (área, recursos e população) para tal.
Não é a toa que as maiores economias do mundo todas são países populosos.