O motor da Europa está sem combustível

O modelo de sucesso da Alemanha das últimas décadas pode ser descrito como a fábrica high tech do mundo. se a China é hoje a grande potencial industrial do planeta de bens de baixa e média intensidade tecnológica, a Alemanha é a grande potencial industrial de alta tecnologia. Químicos, fármacos, máquinas e equipamentos de todo tipo. Na Alemanha quase 20% does empregos estão ainda hoje na indústria e mais de 15% em serviços empresariais e finanças. Ou seja quase 40% de empregos do tipo engenharia, design, marketing, IT, gestão, todos eles com alta qualificação. Tomemos por exemplo o estado alemão de Baden-Wurttemberg que conta com 10 milhões de habitantes e produz o equivalente ao PIB norueguês e trezes vezes mais do que o PIB português. O que se produz lá que faz com que as pessoas sejam tão ricas e eficientes? A produção de riquezas naturais e agricultura é praticante irrelevante por lá. A grande fonte de riqueza e produtividade desse estado está na produção de bens transacionáveis sofisticados. Aí se baseiam companhias como Porsche, Hugo Boss, Zeiss, Mercedes e SAP e inúmeras outras nas áreas de mecânica de precisão e maquinaria. O estado não é rico graças aos seus recursos naturais, é rico por conta de sua rede produtiva altamente sofisticada que abastece o mundo inteiro com bens transacionáveis complexos. Ainda na mesma região, no estado vizinho da Bavaria os destaques são:  BMW, Audi, Siemens, Continental, MAN, Puma e Adidas.

Uma maneira simples para se entender o que é desenvolvimento econômico é pensar em termos de sofisticação produtiva. São ricos e desenvolvidos aqueles países capazes de produzir e vender no mercado mundial bens complexos e sofisticados. São pobres aqueles apenas capazes de produzir e vender coisas simples e rudimentares. Por isso o desenvolvimento econômico pode também ser entendido como a capacidade de uma sociedade de conhecer e controlar técnicas produtivas, especialmente nos mercados mundiais mais relevantes (o que os economistas chamam de bens transacionáveis). Nisso os alemães são imbatíveis. Conseguiram empregar sua população produzindo e inovando para o resto do mundo. Esse modelo ficou também conhecido como mercantilista liderado pela exportação e é também adotado por alguns outros países europeus como Áustria, Holanda e nórdicos. Nestas economias, a contribuição do consumo privado para a demanda e crescimento costuma ser baixo, enquanto os excedentes exportáveis da balança comercial são o grande destaque. Os alemães poupam, o mundo compra. A baixa demanda interna foi sempre acompanhada por baixas taxas de inflação e baixos aumentos dos custos unitários do trabalho com salários subindo de acordo com produtividade o que reforça a posição competitiva exportadora destas economias. Esse modelo exportador beneficiou-se da demanda provocada pelo boom de consumo de outros países europeus durante a formação do bloco do Euro e resultou em uma posição financeira credora gigantesca para os capitais alemães já que o superávit em transações correntes do país foi compensado por saídas líquidas de capitais via conta financeira.

Esse modelo entrou em xeque depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, das sanções impostas pelo ocidente e da explosão dos custos de energia no país. O calcanhar de Aquiles do modelo alemão sempre foi a energia barata vinda da Rússia. A fábrica high tech do mundo depende da energia vinda dos hidrocarbonetos russos. Os déficits externos de 2022 impressionam e mostram que todo o desenvolvimento tecnológico do país não foi suficiente para gerar as divisas necessárias para remunerar a energia russa. O motor da Europa está sem combustível. Os preços de atacado na Alemanha mostram inflação de 30% nos últimos 12 meses. A inflação do consumidor corre próxima a 10%. O brutal aumento de custo energético e possível racionamento de gás trouxe um golpe violento para a economia alemã. Dificilmente o país vai escapar da recessão. O déficit externo alemão desse ano será o pior das últimas duas décadas. Toda região do Euro deve ser arrastada para uma recessão também na medida em que seu motor central está parando de funcionar. Sem uma nova matriz energética tanto Alemanha quanto Europa ficam na mão dos russos. Está posto o novo desafio para as próximas décadas da zona do Euro para além das questões climáticas e energias renováveis.

 

Ideias chave:

 

1)O modelo de sucesso da Alemanha das últimas décadas pode ser descrito como a fábrica high tech do mundo

2)Na Alemanha quase 20% does empregos estão ainda hoje na indústria e mais de 15% em serviços empresariais e finanças, de alta qualificação

3)Esse modelo ficou também conhecido como mercantilista liderado pela exportação e é também adotado por alguns outros países europeus como Áustria, Holanda e nórdicos.

4)Esse modelo entrou em xeque depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, das sanções impostas pelo ocidente e da explosão dos custos de energia no país.

5)O calcanhar de Aquiles do modelo alemão sempre foi a energia barata vinda da Rússia. A fábrica high tech do mundo depende da energia vinda dos hidrocarbonetos russos.

6)Agora tanto Alemanha assim como toda região do Euro devem ser arrastados para uma recessão na medida em que o motor central dessa economia está parando de funcionar

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